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Pandemia, racismo e capitalismo: as mulheres negras na luta contra a exploração e opressão

Ana Carolina Toussaint

Imagem: Juan Chirioca | @macacodosul

Pandemia, racismo e capitalismo: as mulheres negras na luta contra a exploração e opressão

Ana Carolina Toussaint

Estamos no segundo ano da pandemia do Coronavírus e atualmente no Brasil já são mais de 546 mil óbitos pelo covid-19, consequência da política negacionista do governo de extrema direita de Bolsonaro e Mourão e das irracionalidades provocadas pelo próprio sistema capitalista. O caso emblemático da primeira vítima de Covid no Rio de Janeiro, trabalhadora doméstica que veio a óbito após contato com os patrões recém-chegados da Europa, revela raízes históricas da exploração capitalista e opressão racista e machista na vida das trabalhadoras negras e pobres. Neste texto, iremos aprofundar e detalhar a partir das lentes do marxismo revolucionário o impacto da pandemia na vida cotidiana das mulheres negras, que carregam nas suas costas o fardo da exploração capitalista da burguesia, a opressão de gênero e racial.

A pandemia provocou mundialmente um abalo estrutural na economia e na saúde, o desenvolvimento desigual e combinado provou mais uma vez que a econômica capitalista durante todo esse tempo adotou suas medidas e ações de enfrentamento à Covid-19 conforme as particularidades econômicas, políticas e sociais de cada país, isso pode se expressar nos números de óbitos e imunização com a vacinação que uns países estão imensamente mais à frente que os outros. A pequena minoria de parasitas capitalistas se viram diante de uma crise econômica internacional que já tinha traços desenvolvidos antes da pandemia e se aprofundou com a crise sanitária.

É nesse cenário que a classe trabalhadora mundialmente se viu frente a frente com seu inimigo de classe, a burguesia, que nessa pandemia deixou evidente que os lucros permanecem acima das vidas. Vivemos em uma época do desenvolvimento histórico do capitalismo que as mulheres são metade da classe trabalhadora mundial, esse gigante exército de mulheres trabalhadoras vivem na pele a imposição ideológica de exploração e também da opressão de gênero e racial nutrido diariamente pela classe dominante.

Em países como o Brasil e Haiti, podemos dizer que a classe trabalhadora é majoritariamente feminina e negra, ambos países são marcados historicamente pelo processo escravista que perpetuou durante séculos a mão de obra não paga e a desumanização de milhões e milhões de negras e negros. As revoltas e motins, em que muitos tiveram mulheres à frente como Aqualtune, Dandara e Luísa Mahin no Brasil, levou a conquista do fim da escravidão, sua principal expressão foi a Revolução Haitiana, há 230 anos atrás, a primeira revolução negra que conquistou o direito à liberdade e espalhou essa possibilidade por toda a América. A burguesia semi-colonial e imperialista buscou novos meios de exploração e dominação aos povos mais oprimidos, no entanto, de forma alguma isso significou o abandono do racismo, ao contrário, a classe dominante, dona dos meios de produção, adquiriu novas formas para a manutenção da sociedade burguesa, o racismo, machismo e patriarcado são opressões indispensáveis para existência do capitalismo e da própria burguesia enquanto classe dominante.

Jorge Breitman, em 1954 ao escrever “Quando surge o preconceito contra o negro” como colocado abaixo, esclarece corretamente as novas formas de dominação e relação do embrionária do capitalismo com o racismo.

O racismo hoje opera de uma forma diferente de um século atrás, mas foi mantido depois da abolição exatamente pela mesma razão que foi introduzido sob o sistema escravista que se desenvolveu do século XVI em diante: Por sua utilidade como um instrumento de exploração; e por essa mesma razão, não será abandonado pela classe dominante de qualquer sociedade exploradora desse país.

As lentes do marxismo revolucionário nos permite compreender que o desenvolvimento do capitalismo entrelaçado com o racismo e a opressão de gênero é o que condena as mulheres negras e pobres a um futuro de exploração e opressão. Hoje, há mais de uma década de crise capitalista, com enormes retrocessos de direitos sociais e trabalhistas que atingem fortemente as mulheres negras e com os impactos da pandemia do coronavírus. Essa visão teórico-política se provou ainda mais correta, a crise expressou as contradições e misérias do sistema capitalista e se fez pesar principalmente contra as mulheres negras e pobres oriundas da classe trabalhadora.

Podemos exemplificar essa ideia com os seguintes dados: os números de feminicídios aumentaram muito desde o início da crise e só em São Paulo os dados apontam o aumento de 46% de assassinatos de mulheres em relação ao mesmo mês do ano de 2019. Em Campinas o estupro cresceu 63%, outro estudo assinado pelo observatório Letal e Internacional do Rio Grande do Norte (OBVIO-RN) afirmou que o número de violência doméstica cresceu 169,2% ao longo da quarentena imposta pelo novo coronavírus no estado. O estudo também aponta o aumento de tentativas de homicídio para 159,1% entre os dias 12 de março e 4 de agosto do ano de 2020 em comparação com o mesmo período em 2019, e em todas elas é possível ver que os negros e negras são os majoritariamente atingidos Em junho de 2020 os óbitos pela covid de trabalhadoras enfermeiras subiram para 600%, nessa categoria de trabalhadoras da saúde que são em sua maioria mulheres negras. No Brasil que é marcado pelo assassinato de Marielle, mulher negra, lésbica e favelada que teve sua vida ceifada também pelo racismo e violência de Estado, nesta pandemia aumentou o número de mortos de negros e pobres pelas mãos da polícia, todas essas vítimas tinham mães e em sua maioria mulheres negras trabalhadoras marcada violentamente pelo Estado. Enquanto era propagandeado que contra o vírus deveríamos “ficar em casa”, foi na casa da tia que João Pedro, foi uma criança de 14 anos assassinado fuzilado em operação policial. Isso sem falar das vítimas da maior chacina da história do Rio de Janeiro que aconteceu há meses atrás.

Uma parte significativa da classe trabalhadora foi obrigada a trabalhar em condições precárias condicionadas à exploração e exposição ao vírus no trabalho e nos transportes públicos. A opressão de gênero é aprofundada com a pandemia quando o governo e o Estado negam assistências às mulheres mães trabalhadoras que nessa pandemia estão sofrendo ainda mais com a dupla, tripla jornada de trabalho que isenta a burguesia a responsabilidade do serviço doméstico não pago, que é pregado ideologicamente como algo puramente e exclusivamente destinado às mulheres.

Outro elemento muito forte da relação entre opressão e exploração é o trabalho precário, que certamente nos países da América Latina tem rosto de mulher latina americana e caribenha, além do rebaixamento salarial e da dupla jornada de trabalho, se reparamos os postos mais precários de trabalhos são ocupados por mulheres, como exemplo disso, existe a categoria de trabalhadoras da limpeza e as empregadas domésticas que em sua maioria são compostas por mulheres em especial as mulheres negras, que sofrem com o racismo e exploração de classe, com péssimos salários e condições e que só na pandemia levou a perda de mais de 1 milhão de postos de trabalho, mostrando a enorme precariedade a que estão submetidas. Essas divisões de categorias e rebaixamentos de trabalho existem na classe trabalhadora para manter os privilégios da burguesia, com objetivo de separar para dividir e dividir para enfraquecer a classe trabalhadora de conjunto. Dentro dessa lógica anti-operária, as mulheres negras e as demais mulheres existentes da classe trabalhadora são lançadas à subordinação e à subalternidade do trabalho.

Mas foi também durante a pandemia que o grito de uma menina negra nas ruas dizendo “No justice, no peace” desde o coração do Imperialismo estadunidense se ligou ao grito de milhares de manifestantes que ecoaram no mundo a luta por justiça a George Floyd, homem negro assassinado por um policial surpremacista branco no Estados Unidos, dezenas de cidades foram tomadas pelas manifestações, se expressando em diversas cidades do globo. Uma luta que abalou toda a estrutura social estadunidense, chegou aos bastiões da classe trabalhadora, com paralisações em fábricas e empresas pelos 8 minutos e 46 em que Floyd ficou sufocado, uma luta que teve impactos na organização dos trabalhadores da Amazon que seguiram lutando por sua sindicalização e que sofre até hoje com as tentativas de cooptação por parte de Biden, Kamala Harris e de todo Partido Democrata, que fazem demagogia com a luta negra enquanto preservam e fortalecem a polícia.

No Brasil, estamos diante do regime herdeiro do golpe institucional com Bolsonaro na presidência se mostrando um reacionário e inimigo das mulheres e dos negros, é importante esclarecer que Bolsonaro não atua politicamente sozinho nesse jogo político. Militares, Congresso e o STF buscam inúmeras tentativas para se mostrarem como alternativas à crise econômica e sanitária do que a ala bolsonarista no governo, no entanto, na hora de garantir seus próprios interesses e avançar com medidas de ataques aos trabalhadores, todos têm em comum com o governo de extrema direita de Bolsonaro e Mourão, a sede incessante de atacar a classe trabalhadora que no Brasil é em sua imensa maioria negra e feminina. Também estamos diante daqueles que querem usar a nossa força, que veio se expressando em alguma medida nas ruas nos últimos atos contra Bolsonaro, para os interesses eleitorais em 2022, como o PT, que busca desde agora construir ainda mais alianças com os setores burgueses que nos atacam e que em seus anos de governo triplicou a terceirização e fortaleceu o aparato armado do Estado, que vai contra as vidas negras, como a polícia e o exército.

A pandemia veio para provar que o capitalismo e seus governantes não merecem a sua própria existência. Por isso mais do que um texto que retrate as condições deploráveis das mulheres negras no Brasil e em outros países com pandemia, cada linha desse texto foi desenvolvido para mostrar que se nós somos as que mais sofrem com essa realidade de miséria, também podemos ser a menina estadunidense que grita “no justice no peace” e com a força das nossas, como Tereza de Benguela, podemos dar fim a essa realidade e construir um mundo novo.

Esse texto que escrevo tem a intenção de fazer um chamado internacional e um convite para as mulheres negras da classe trabalhadora de todo o mundo a serem linha de frente dos processos da luta de classes em ruptura com o sistema capitalista, só assim colocaremos abaixo o racismo, o machismo, e exploração.


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