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INTERNACIONAL | Palestina-Israel: rumo a um novo regime de “vistos”?

sexta-feira 23 de outubro de 2015 | 00:00

O aumento da violência entre palestinos e israelenses não têm pausa há quatro semanas. Já são 44 palestinos e 8 israelenses assassinados e outras centenas de feridos que engrossam o saldo dos enfrentamentos. O linchamento de um cidadão da Eritreia por uma horda de israelenses que clamava “morte aos árabes” na estação central de Beersheva pôs em claro o racismo desenfreado, alentado pelo Estado hebreu, do mesmo modo que revelou um curioso episódio da semana passada, no qual um israelense de Kiriat Ata (nas imediações de Haifa) apunhalou outro, supondo sua origem palestina.

Com o caminho rumo à repressão, o governo do premier direitista Benjamin Netanyahu militarizou a Jerusalém oriental, a Cisjordânia, o cruzamento de Erez (que separa a faixa de Gaza) e várias cidades israelenses com seis companhias da Força de Defesa Israelense (FDI) e centenas de guardas de segurança recém recrutados para ajudar as Polícias de Fronteira e Anti-motins. Autorizada a disparar a qualquer “suspeito” que circule nas vias públicas, a FDI se dispõe a consumar a demolição das moradias relacionadas com os acusados de “terrorismo”, tal como acaba de fazer em Hebrom, de acordo com a nova legislação que além disso introduz penas de oito anos de prisão aos “lançadores de pedras”.

A operação militar focalizou o envio de tropas em vários bairros árabes da Jerusalém oriental como Isawiya, Ras al Amud e Jabal al Mukaver, de onde provêm 50% dos “lobos solitários” que atacaram cidadãos israelenses com facas e chaves de fenda. No entanto, as contradições abertas com outros partidos direitistas que compõem a coalizão de governo, obrigaram Netanyahu a desistir de sua ideia original de guetificar estas periferias com blocos de concreto de nove metros de altura por 1,5 quilômetros de extensão para separá-las da colônia judia de Armón Hanatziv. De qualquer maneira, as tropas da FDI e a Polícia Anti-motins traçarão um cerco com somente uma via de acesso bloqueada por checkpoints que impedem a entrada e saída dos palestinos, anunciando novos pesadelos, particularmente para os assalariados que não poderão deslocar-se até os lugares de trabalho e para os comerciantes que verão prejudicadas as vendas. Vários municípios israelenses já adiantaram que pretendem separar os trabalhadores palestinos que prestam serviços de limpeza nas escolas públicas. Contraditoriamente, a confluência desta aliança social com as novas gerações de jovens que nutrem a chama e o músculo dos protestos de rua poderia tender a massificar as ações, geralmente espontâneas e descontínuas. Até o momento, inclusive a Jornada da Ira da sexta-feira passada, convocada pelo Hamas e a Frente Democrática pela Libertação da Palestina, não pôde transcender uns poucos milhares. Os três grandes levantamentos de massas do movimento nacional palestino, a greve geral de 1936 (anterior à fundação do Estado sionista) e as intifadas de 1987 e 2000 se caracterizaram por sua massividade e seus organismos de base.

Secundarizado pela opositora e “progressista” União Sionista do trabalhista Itzjak Herzog, Netanyahu apresentou o cercamento dos bairros árabes da Jerusalém oriental sob a aparência de uma “medida excepcional” para evitar os “lobos solitários” e “as bombas Molotov”. Na realidade, os falcões mais vorazes do Likud alentam a preparação de uma possível (e provável) situação de longo prazo que contemple a restauração do velho regime de “vistos” que funcionou entre 2000 e 2006, depois do estouro da Segunda Intifada, sob as ordens da Administração Civil e do Governo dos Territórios palestinos. A perversidade do regime de “vistos” alimenta a denúncia e o recrutamento de novos informantes entre as famílias palestinas, coagidas a colaborar com o Estado judeu por uma infinidade de situações de precariedade. Depois da Nakba, este mesmo regime foi sustentado entre 1949 e 1966 para ter controle dos deslocamentos dos “árabes israelenses”, assimilado como herança do arsenal repressivo do Mandato Britânico prévio.

Luta religiosa ou luta nacional

Enquanto dispõe de uma cúpula com Ban Ki Moon, Netanyahu rechaçou a possibilidade, sugerida pela França, de instalar tropas da ONU na Jerusalém oriental, o epicentro dos enfrentamentos. O detonante foi o estrondo dos enfrentamentos, produto da política de Netanyahu, que estimulou os colonos e os judeus ortodoxos, custodiados pela FDI, a dirigirem-se para rezar na Esplanada das Mesquitas, o terceiro lugar santo dos muçulmanos, onde a direita, o Rabinato e suas frações mais fundamentalistas reivindicam as chamadas “ruínas do chamado Templo do Monte para reeditar o “reino judeu de David”. Esta superfície de 17 hectares onde se eleva a mesquita Al Aqsa está no coração da Jerusalém oriental, uma zona historicamente árabe, anexada compulsivamente ao Estado de Israel depois da Guerra dos Seis Dias de 1967 (que além disso ocupou a Cisjordânia, Gaza, os Altos do Golã e a península do Sinai), dando espaço ao expansionismo sionista. Desta maneira, o Likud e seus aliados de ultra-direita se propõem em perspectiva a “judaicização” da Jerusalém oriental para fazer efetiva uma cidade capital “única, sem divisões e eterna”, como proclamou o terrorista e ex-premier Menajem Beguin em 1980.

Os memoriosos podem rastrear os acontecimentos atuais nos distúrbios de 1929, quando o rabino chefe Abraham Kook (criador do sionismo religioso) chamou seus fiéis a rezar na Esplanada das Mesquitas, abrindo uma espiral de violência com dezenas de judeus e árabes assassinados a faca em Jerusalém, Hebrom e Safed. Questionado pelas autoridades do protetorado de então, Kook se negou a ordenar a retirada pelo “direito sacrossanto que tem o povo judeu”. Diferente da atualidade, muitíssimos árabes colocaram sob abrigo os judeus em seus próprios domicílios a partir das relações fraternais entre ambas comunidades, um fenômeno extinguido progressivamente com o desenvolvimento das milícias sionistas sob a ala das tropas britânicas.

No entanto, não se trata de uma luta religiosa, como defende o Hamas e a Jihad Islâmica, que alentam os ataques individuais contra os “infiéis”. As ações palestinas na tumba de José (do qual não existe nenhuma evidência histórica, igual que do resto dos patriarcas hebreus), de nenhum modo obedeciam uma ofensa religiosa contra os judeus, senão que a afirmação do status da chamada Zona A, a única sob domínio palestino, segundo os fraudulentos acordos de Oslo. Em todo caso, os elementos de luta religiosa não são mais que uma expressão distorcida da forma que adquire a opressão nacional sobre um povo submetido e ocupado há 67 anos sob o terror de um Estado colonialista que se vitimiza, praticando os mesmos métodos que os nazistas.




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