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LITERATURA | Pagu: a literatura revolucionária sem rugas

Patrícia Galvão nunca foi uma costela extraída de Oswald de Andrade e tão pouco uma musa “desmiolada” do modernismo brasileiro. A conduta rebelde de Pagu, que a empurrou na direção da militância política revolucionária, flagra uma obra original que vem sendo, durante as últimas décadas, destacada por estudiosos.

sexta-feira 18 de setembro de 2015 | 00:35

A reedição do livro Pagu: vida-obra, ocorrida no segundo semestre do ano passado, é um acontecimento editorial que merece maior atenção por parte da esquerda brasileira. Organizado por Augusto de Campos, o livro que em 1982 saiu pela Brasiliense foi reeditado pela Companhia das Letras. O que de fato chama atenção nesta “biografia não biográfica” (para utilizar aqui a definição do autor/organizador) não passa pelo aspecto pedante/diletante que tanto alimenta teses acadêmicas sobre literatura brasileira. A riqueza documental que integra este volume, recheado de textos do próprio punho de Patrícia Galvão, e de outros textos sobre a autora, compõe um legado pulsante, cuja utilização pode servir a propósitos claramente militantes. Vejamos em linhas gerais, um pouco da contribuição revolucionária de Patrícia Galvão no plano da literatura.

A escrita em Pagu não se separa da aventura intelectual que faz da palavra uma trincheira que visa azucrinar (e implacavelmente condenar) a sociedade burguesa. Mergulhar fundo na obra viva de Patrícia Galvão é, segundo a perspectiva do marxismo, verificar sua possível presença atuante nos dias que correm. Tanto do ponto de vista da técnica literária quanto da própria teoria da literatura, a escrita de Pagu oferece um arsenal estético (e teórico, já que a escritora também exerceu com propriedade a crítica literária) que precisa ser incorporado ao trabalho de escritores, críticos e pensadores da literatura brasileira em geral. Ainda que não seja um legado dos mais extensos, já que no plano do romance, por exemplo, a autora redigiu apenas os títulos Parque Industrial (1933) e A Famosa Revista (1945), seu caráter fundado na conjugação entre modernidade estética e militância revolucionária, é um ponta pé letrado que atinge em cheio industriais, stalinistas, carolas e qualquer literato amamentado com groselha.

Num momento em que o proletariado no Brasil ultrapassou a mera condição de objeto literário, para se impor enquanto autor através daquilo que classifica-se hoje como Literatura Periférica e Literatura Prisional, que contribuição estética revolucionária não possui um romance como Parque Industrial para os jovens autores proletários? Publicado em 1933, o livro é um exemplo de inventividade que tem uma tremenda força comunicativa com o leitor de hoje. Assinado com o pseudônimo de Mara Lobo, sob circunstâncias em que a escritora e militante comunista tentava “recuperar” a confiança do Partido Comunista Brasileiro (já stalinizado da cabeça aos pés), o livro é estruturado de acordo com uma agilidade gráfica que permite a inserção do corte rápido, extraído de contextos “extra-literários”, tais como o cinema e a reportagem. Trata-se de um poderoso estilo fragmentário que se comunica diretamente com o leitor.

Se o jovem leitor de hoje é formado em uma cultura pautada pelo audiovisual e pela velocidade da informação, Parque Industrial é uma arma modernista compatível com este tipo de realidade: a obra inspira o escritor de esquerda da atualidade a criar uma maneira revolucionária de expor o problema social (no caso deste romance em particular, a miséria e as formas de opressão presentes na vida das operárias da cidade de São Paulo, durante o início de trinta). A condição da mulher trabalhadora e por tabela a exploração capitalista, são temáticas que, além de estarem na ordem do dia, requerem um tratamento estético inventivo, revolucionário por direito.

Obviamente que sob a condição de “novela propagandística”, Parque Industrial escorrega em alguns momentos na casca de banana do stalinismo, exprimindo seus erros políticos. Porém, é na contribuição de suas escolhas estéticas que Pagu tece uma obra indigesta, violenta, crua e ao mesmo tempo de vanguarda: Sendo incompatível com o “engrandecimento do herói coletivo do trabalho” do zdanovismo, Parque Industrial fez com que os bigodes de Stálin tremessem, como comprova a reprovação que o livro recebeu por parte da esquerda majoritária; além do ostracismo que recobriu a obra (a coisa toda começou a mudar de uns aninhos pra cá, graças a estudos que reabilitaram a importância histórica do romance). Pois bem, se Parque Industrial é extremamente útil nas mãos do pesquisador de esquerda, que visa promover o debate literário no ambiente acadêmico (o que é de grande importância), imaginemos seu impacto entre escritores de proveniência operária... Que não se tenha dúvidas quanto ao valor combativo que esta obra pode ter junto aos escritores proletários dos nossos dias.

Com a crítica literária encolhendo nos cadernos de cultura da imprensa “chapa branca”, é preciso enterrar de vez a análise reacionária, e portanto incapaz de relacionar a composição do texto literário com o contexto econômico e político de uma determinada sociedade. O lugar de gente como Pagu não está na grande imprensa. Vislumbremos assim na imprensa operária, o significado revolucionário da literatura de Patrícia Galvão; sem dúvida que todo este legado nos ensina, sobretudo a partir dos escritos da autora durante o pós guerra, a também caminharmos na direção do alargamento político e estético da literatura de combate: Pagu, moída pela engrenagem do stalinismo e pelo autoritarismo do Estado Novo (1937-1945), soube dizer não aos canalhas (da esquerda e da direita), promovendo a defesa da liberdade e do experimentalismo em nossas letras. A comprovação disso tudo encontra-se no seu segundo romance A Famosa Revista, escrito junto com Geraldo Ferraz, e nos inúmeros artigos voltados para o combate contra o provincianismo, a truculência e o nacionalismo nas letras e nas artes no Brasil.

Ainda que no final da vida Patrícia Galvão odiasse o apelido de Pagu (crivado pelo poeta Raul Bopp, durante o final dos anos vinte), o nome ficou e sua obra-viva-revolucionária permanece também como necessidade histórica.




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