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A seção “Esquerda em Debate” está aberta aos ativistas críticos à chapa de Lula e Alckmin, à política de conciliação de classes do PT e à diluição do PSOL com Alckmin e Marina Silva. Trata-se de uma tribuna aberta a militantes do PSOL e ativistas e intelectuais independentes. Nela, publicamos posições do MRT, mas também de setores da esquerda em um campo mais amplo com o intuito de cultivar o debate franco e aberto na esquerda brasileiro. As posições contidas no texto são de responsabilidade dos firmantes e não refletem as posições do MRT. Envie também seu texto para essa seção aberta.

terça-feira 19 de abril de 2022 | Edição do dia

Imagem: Reprodução PSTU.

Muitos ativistas socialistas que se identificam com o PSOL estão vivendo uma crise. O apoio à chapa Lula-Alckmin já no primeiro turno deve ser referendado na próxima conferência do partido em abril. A candidatura da esquerda do PSOL, Glauber Braga, já é dada como derrotada pelos seus próprios apoiadores.

Será a primeira vez que o PSOL não vai lançar candidatura presidencial. Também deve ser aprovada a federação partidária com a Rede, um partido burguês, que tem como seus principais financiadores Neca Setubal, uma das donas do Itaú, e Guilherme Leal, dono da Natura. Isso mudaria o caráter de classe do próprio PSOL. Esses passos seriam somente o prenúncio de algo ainda mais grave: a participação em um futuro governo Lula.

Isso já tem reflexos nos estados. No Rio de Janeiro, o PSOL vive uma crise após a saída de Freixo, sua maior figura pública, para o PSB. Freixo está aplicando no Rio a mesma tática de frente ampla com a burguesia. E o PSOL, assim mesmo, deve apoiar Freixo para o Governo do Rio. A candidatura de Milton Temer, da esquerda do PSOL, provavelmente não vai reverter o apoio da maioria da direção a Freixo.

Em São Paulo, Boulos retirou a candidatura ao governo, apontando o apoio em Fernando Haddad, do PT, que não é só candidato de Lula, mas também de Alckmin, que governou o estado pelo PSDB por 12 anos. O mesmo Alckmin da repressão ao Pinheirinho e das greves de professores.

Comenta-se que o apoio de Boulos a Haddad incluiria a promessa de sustentação do PT a sua candidatura para a Prefeitura de São Paulo em 2024 e um ministério no governo Lula.

Há uma candidatura da esquerda do PSOL, de Mariana Conti, apresentada após a retirada de Boulos. Mas a possibilidade de que seja referendada pelo partido é pequena. Mesmo que fosse vitoriosa, poderia ser apenas um palanque paulista para a chapa de Lula e Alckmin.

Crise estratégica

Basta ligar esses dados para entender que existe uma crise estratégica no PSOL. Fundado em 2004, como uma ruptura do PT, o partido veio se mantendo nesses anos à esquerda do PT. Isso acabou. A recomposição política e eleitoral do PT com a candidatura Lula engoliu o PSOL. O partido, evidentemente, vai continuar. Mas agora está sendo reduzido a uma postura de coadjuvante do PT.

Não é por acaso que o PSOL está perdendo vários parlamentares, como Freixo, Jean Wyllys (para o PT), Isa Penna (para o PCdoB) e muitos outros.

Para a maioria da direção do PSOL são “apenas alguns passos táticos”. Mas para os socialistas que seguem defendendo a independência de classe trata-se de uma crise de caráter estratégico. É importante que se reflita, em termos marxistas, sobre seu significado.

Europa
Os exemplos internacionais dos “partidos anticapitalistas”

A falência do PSOL não é um caso isolado. Tem sido frequente em nível internacional, como foram os casos dos outros “partidos anticapitalistas”, que buscaram ocupar o espaço deixado pela crise da socialdemocracia europeia depois de sua passagem ao social-liberalismo.

Deixaram uma postura reformista, a defesa do “estado de bem-estar social”, para administrar o capitalismo e implementar o neoliberalismo na Europa.

Em consequência, esses partidos sofreram desgastes e crises e, para ocupar esse espaço político, surgiram os chamados “partidos anticapitalistas”: Refundação Comunista (Itália), Die Linke (Alemanha), NPA (França), Syriza (Grécia), Podemos (Espanha) e Bloco de Esquerda (Portugal).

Apesar de serem muito diferentes entre si, esses novos partidos têm algumas características em comum. Em geral são estruturados em setores de classe média, sem a base operária da velha socialdemocracia, e tentam aparecer como “mais à esquerda”, antineoliberalismo.

Mas, de conjunto, são reformistas. Em seus programas não há a defesa da revolução socialista, apenas reformas no capitalismo. Tampouco defendem a independência política dos trabalhadores. Consideram normal governar junto com a burguesia. Não por acaso não se afirmam sequer como socialistas, mas “anticapitalistas”.

Os revolucionários também defendem reformas, como aumentos salariais etc.. Mas dentro de uma estratégia revolucionária socialista. Os reformistas, ao não terem a revolução socialista como estratégia, buscam só reformas no capitalismo. Na verdade, esses partidos sequer são anticapitalistas.

Também têm a mesma estrutura dos partidos socialdemocratas, “sem centralismo”. O que é aparentemente democrático e atrai muitos ativistas contrários ao centralismo burocrático do stalinismo. Mas, assim como os socialdemocratas e os stalinistas, esses partidos também são ultraburocráticos, porque a base não decide nada. Por exemplo, Boulos, ao retirar sua candidatura, está passando por cima da decisão da última conferência estadual do PSOL. Edmilson Rodrigues, prefeito de Belém pelo PSOL, governa como quer, em aliança com a burguesia, sem nenhuma consulta às bases.

Existem alas esquerdas nesses partidos, que defendem sinceramente a revolução socialista e a independência de classe. Mas a dinâmica é sempre dada pelos parlamentares e governantes. Por exemplo, a tendência do PSOL a apoiar o PT e depois entrar no futuro governo está sendo dada pelos parlamentares.

O grande teste dos partidos anticapitalistas veio quando tiveram oportunidade de chegar ao governo. O Syriza, em 2015, ganhou as eleições na Grécia, depois da crise da socialdemocracia do país, despertando enormes expectativas. Mas aplicou o mesmo plano do FMI, mesmo depois de sua rejeição no plebiscito.

A Refundação Comunista integrou o governo burguês de Romano Prodi entre 2006-2008. Seus parlamentares votaram a favor do plano econômico neoliberal de Prodi, da participação de tropas italianas na ocupação do Afeganistão. A Refundação Comunista entrou em crise, quase desaparecendo da realidade política italiana.

O Podemos, recentemente, integrou o governo do PSOE na Espanha, e agora está em plena decadência. O Bloco de Esquerda em Portugal participou do governo do Partido Socialista, e vive também uma crise importante.

Uma análise de classe
A evolução do PT e do PSOL

O PSOL foi fundado durante o primeiro governo Lula com a expulsão de quatro parlamentares do PT por terem votado contra a reforma da Previdência. A lógica era aparentemente simples: repetir a estratégia de construir um partido reformista eleitoral como o PT, mas “sem os erros do PT”.

Lógica simples, mas equivocada. O PT repetia a evolução da socialdemocracia europeia. O capital imperialista monopolista não permite reformas com concessões importantes aos trabalhadores. Reformas no capitalismo ficaram no passado, e o PT passou aplicar os mesmos planos neoliberais da burguesia, impostos antes pela direita.

O PT seguiu a cartilha da socialdemocracia no governo. No início, aproveitando-se do boom das commodities, Lula realizou algumas concessões, no marco do crescimento econômico capitalista. Depois veio a crise e o desgaste de Dilma Rousseff. Com o PT enfraquecido nas bases operárias, a burguesia resolveu se desfazer de Dilma com a manobra do impeachment e colocar Temer, seu vice, na Presidência.

Fragilizado, o PT sequer conseguiu montar uma mobilização de massas contra o impeachment. Nem mesmo no ABC, berço do PT. Assim, foi derrotado como consequência de sua gestão burguesa em 13 anos de governo, algo semelhante ao que ocorreu com a socialdemocracia europeia.

Bolsonaro, o pior presidente da história, se elegeu pelo repúdio que existia entre os trabalhadores e o povo aos governos do PT. A amarga experiência desses quatro anos permite ao PT capitalizar o ódio contra Bolsonaro apagando, inclusive, a memória negativa de muitos trabalhadores do que foram os governos petistas. A maior parte da juventude, que não viveu esse período, quer se livrar de qualquer maneira de Bolsonaro.

Mas os revolucionários socialistas têm obrigação de entender a realidade a partir de uma análise das classes sociais. Um possível governo Lula será da grande burguesia nacional e internacional. Apoiar Lula-Alckmin é ser a ala esquerda de um governo burguês de unidade nacional contra Bolsonaro. Com a falência da terceira via, é possível que a maioria do capital financeiro e industrial, assim como o imperialismo norte-americano e europeu, apoie Lula. Ser a ala esquerda desse tipo de aliança é um erro grave, que vai marcar para sempre qualquer corrente que dele participar.

A provável adesão do PSOL a um governo Lula não é só uma ironia da história, é uma tragédia para os socialistas que dedicaram 18 anos de suas vidas a construir mais uma decepção. É hora de refletir.

Sem independência de classe
Por que o PSOL vai apoiar Lula-Alckmin e pode entrar em um futuro governo do PT?

No PSOL a independência de classe não é um problema de princípios. Pode se governar junto com a burguesia, como o PT fez. Os setores majoritários da direção do PSOL não criticam os governos petistas por esse critério de classe. Limitam-se a criticar a “corrupção do PT” ou os “planos neoliberais”.

Quando chegou aos governos municipais, o PSOL seguiu a mesma cartilha petista. Foi assim na prefeitura de Macapá (2013), com Clecio Luis, eleito com apoio do DEM e PSDB. É assim em Belém, onde Edmilson está atrelado ao governo estadual de Helder Barbalho, do MDB.

O PSOL segue os exemplos dos partidos “anticapitalistas”. Agora apoia a chapa Lula-Alckmin e depois pode entrar em seu governo. Para os ativistas socialistas do partido, continuar no PSOL é aceitar ser a ala esquerda de uma frente eleitoral que vai do PT a uma parcela da burguesia nacional e internacional.

Não é possível mudar o país, avançar para a revolução socialista, com um partido reformista “anticapitalista” como o PSOL. A história ensina que é necessário construir um partido revolucionário para isso, com programa revolucionário e uma estrutura centralizada e verdadeiramente democrática.

Texto publicado originalmente em 31/03/2022 aqui.




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