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PSOE e Podemos: Em defesa da monarquia espanhola e contra as mobilizações massivas da juventude

Josefina L. Martínez

Santiago Lupe

Imagem: esquerdadiario.es
Tradução: Bernardo Aratu

PSOE e Podemos: Em defesa da monarquia espanhola e contra as mobilizações massivas da juventude

Josefina L. Martínez

Santiago Lupe

[Em Madrid e Barcelona] As mobilizações pela liberdade do rapper Pablo Hasél e a repressão policial a partir das ordens do governo do PSOE-Podemos, assim como do governo da Generalitat na Catalunha, deixam encurraladas tanto a narrativa “progressista” do governo central, como a da direção do independentismo catalão. Nesse artigo defendemos a necessidade de colocar de pé um grande movimento democrático de juventude, que luta pela liberdade de Hasél e todos os presos políticos, contra a repressão e pelo fim da monarquia franquista. Um movimento assim poderia impactar na classe trabalhadora e estimular que entre em cena para dar uma resposta à crise. Nesse perspectiva, é fundamental avançar na construção de uma esquerda anticapitalista e classista.

Estava fora de cogitação. A semana anterior às eleições catalãs mudou o eixo político. Comentaristas de rádio, televisão e analistas tiveram apenas a segunda-feira para falar dos possíveis pactos e analisar o fracasso da “operação” que o PSOE tentou fazer na Catalunha, com seu candidato, o ex-ministro da saúde, Illa, na tentativa de superar ao independentismo catalão. Pelo contrário, o resultado foi o fortalecimento do independentismo e o avanço da extrema direita do Vox, um novo ator no Parlamento, mostrando uma importante polarização política

Na terça-feira Pablo Hasél foi preso depois da entrada dos Mossos d’Esquadra – a força policial catalã dirigida pelo Governo da Esquerra Republicana de Catalunha (ERC) e os independenstistas da centro-direita de JxCat – na Universidade de Lleida. Como reposta, de forma bastante espontânea e mediante convocatórias na internet, começou uma onda de manifestações de juventude, as mais massivas desde o começo da pandemia e espalhadas por todo o Estado.

Nessa primeira semana, milhares de jovens encheram as ruas de dezenas de cidades e previsivelmente o seguirão fazendo nos próximos dias. Em Barcelona, os sindicatos estudantis que orbitam o independentismo convocaram nessa sexta-feira greve nas universidades. As manifestações mais multitudinárias foram na Catalúnia e em Madri, e não por acaso foram nessas cidades onde a repressão policial foi desatada com maior violência.

A juventude expressa um profundo mal-estar social, agravado por um ano de crise e pandemia

A razão imediata dos protestos é a exigência de liberdade do rapper Hasél, o enésimo condenado por um delito de “enaltecimento do terrorismo” e injúrias à Coroa” no Estado Espanhol. Quer dizer, o que se criminaliza é a liberdade de expressão e em particular o questionamento à reacionária instituição monárquica. “Injúrias à Coroa” é uma tipificação penal que parece ter sido retirada da Idade Média, o que incrementa o ódio contra os Bourbons e o regime de 78, entre uma geração que sente que não tem rei. A Monarquia é uma instituição que é percebida como caduca, antidemocrática e corrupta, em especial entre os mais jovens, como ficou claro dois anos atrás no movimento dos Referendos sobre a monarquia, que foram realizados em mais de 30 universidades espanholas, quando votaram mais de 90 mil estudantes, além de múltiplos referendos auto-organizados em bairros e povoados de todo o Estado Espanhol. A juventude da CRT – Contracorriente, da Universidade de Madrid estivemos entre os primeiros impulsionadores desse movimento nas Universidades, através da plataforma Referéndum UAM, que rapidamente se replicou em universidades de todo o Estado Espanhol.

Mas, além disso, essa onda de protestos está atuando como caixa de ressonância das graves contradições e sofrimentos sociais agravados nesse ano de pandemia. Diante da resposta estatal coercitiva e punitiva frente a pandemia, enquanto todos os governos se negaram a implementar medidas sanitárias urgentes para por freio ao desastre, enquanto investiram bilhões para salvar as grandes empresas, se somou uma crise econômica e social que joga abaixo as expectativas de futuro de uma geração que, em suas camadas mais jovens, viveu somente em tempos de crise.

O desemprego na juventude se aproxima de 50%, a universidade e os estudos superiores se converteram quase em artigo de luxo, as campanhas de criminalização aos mais jovens são constantes e brutais. Uma situação que se plasma, segundo apontam diversos estudos, em um aumento dos problemas de ansiedade e depressão. Mas, isso pode e deve começar a mudar, a juventude parece estar dizendo basta e saindo às ruas.

Um ano com o Podemos, o governo que deixa um rastilho de expectativas frustradas

Nesses dias, vários dirigentes do Podemos fizeram público seu rechaço à prisão de Pablo Hásel através de suas contas de Twitter. Inclusive, apresentaram um pedido de indulto ao Ministério da Justiça, ainda que somente depois que se aferraram as críticas a essa organização e os seus sócios da Izquierda Unida e o PCE nas redes sociais. Pablo Iglesias expressa sua “consternação” pelo que chama de uma “grave deficiência democrática” (sic). Como resposta, além da indignação, receberam algumas brincadeiras. “Pablo Iglesias segue prometendo que quando estiver no Governo revogará a ’Lei Mordaça’” publicou a conta irônica El Mundo Today no dia da prisão de Pablo Hasél. ”Se Podemos estivesse no Governo, seguramente isso não aconteceria”, diziam outros tuiteros. Porque é realmente escandaloso que esse nível de ataque às liberdades democráticas ocorra sob um governo que quis se apresentar como o “mais progressista da história”.

Recapitulemos: um rapper preso (Hasél) por postar alguns tuites, outro rapper no exílio (Valtonyk) pelas letras de suas canções, uma dezena de presos políticos catalães por colocarem urnas para votar sobre a independência. E a isso se somam milhares de processados pelas leis “mordaça” e as leis “antiterroristas” que foram desenhadas com a lógica do “direito penal do inimigo” para combater ao ETA (grupo separatista basco) e a esquerda basca, e agora são utilizadas sem eira nem beira contra catalães, cantores, artistas e ativistas políticos de esquerda, somente para expressar opiniões que o regime considera “perigosas”.

Mas o “governo progressista” não somente não fez nada para acabar com essas leis penais que lesam as mais elementares liberdades democráticas, mas foi a própria Procuradoria Geral do Estado, que responde ao governo e cujo a titular é a ex-ministra de Justiça de Pedro Sánchez, que pediu que a prisão de Hásel seguisse adiante.

Como se fosse pouco, são eles os responsáveis diretos por boa parte da repressão às manifestações juvenis dessa semana por parte da Polícia Nacional em cidades como Madri ou Valência, enquanto as forças autônomas atuaram em Barcelona e outras cidades catalãs. Finalmente, essa sexta, Pedro Sánchez reafirmou que “em uma democracia plena é inadmissível o uso da violência”, reforçando a criminalização dos manifestantes, enquanto que o Ministério do Interior saiu a parabenizar o chamado policial.

Em uma entrevista de TV em fins de janeiro, quando se cumpria um ano do governo de coalização com o PSOE, Pablo Iglesias assegurava: “Me dei conta de que estar no Governo não é estar no poder”, tentando justificar que sua presença não tenha mudado muita coisa no mesmo governo. Também apontava que com o PSOE irão “discutir muitas coisas”, mas que o “governo de coalizão não vai cair” porque “isso é o que gostaria a direita, uma crise de governo e que caísse o governo de coalizão”. ”Não vai cair”, reafirmava. De conjunto, a presença do Podemos no governo se resuma a acompanhar “criticamente” (as vezes) as políticas marcadas pelo PSOE, mantendo sua “lealdade” ao Governo de coalizão, para além de algumas aparições públicas para se diferenciar de seus sócios. A lógica da “correlação de debilidades” e de que “não podem fazer mais” com 35 deputados e cinco ministérios é o novo relato do ministerialismo podemista para justificar sua subordinação total ao Regime Monárquico.

As mobilizações de juventude questionam a “esquerda” do regime

A pandemia foi utilizada pelos Governos europeus para fortalecer uma ideia de unidade nacional em luta contra o vírus, justificando a retirada de liberdades democráticas e as medidas de exceção. No Estado Espanhol, as burocracias sindicais compraram todo o pacote e se negaram a desenvolver a mais mínima mobilização. Pode estar começando a se romper esse consenso pandêmico? É uma possibilidade. As grandes mediações da esquerda reformista e da burocracia sindical farão todo o possível para evitá-lo. Por isso os grandes sindicatos não chamam a mais mínima ação, apesar do escandaloso caso de Hasél, por isso a esquerda reformista faz alguns tuites e apenas, começando pela que está no governo. Inclusive alguns, como o secretário geral do PCE, manda mensagens de apoio às forças policiais particulares do ministro do interior.

Os novos protestos de juventude colocam em evidência a fraude do governo “progressista” em uma de suas promessas mais elementares, em relação com as liberdade democráticas.

Mas o mal-estar contra essa “esquerda”, que representa o PSOE e também hoje o Podemos, IU e o PCE, é também por não ter cumprido outras promessas elementares, como revogar a reforma trabalhista que avaliza uma porção importante da precariedade, seguir permitindo os despejos que expulsam milhares de famílias pobres de suas casas, entregando bilhões em subsídios à empresas de IBEX35, ou salvaguardando a corrupção da Casa Real.

ERC e JxCat a frente da repressão na Catalunha, serão endossados pela CUP?

Na Catalúnia esse mal-estar é extensivo ao Governo da Generalitat e aos partidos do “procés” catalão. ERC e JxCat, que frente a tribuna enchem a boca em defesa da liberdade de expressão, seguem estando a frente dos Mossos, que detiveram Hasél, ou que vem reprimindo os protestos de Barcelona, Girona ou Vic, entre outras. Seus antidisturbios seguem fazendo uso de armas como as pistolas de foam, que já arrancaram o olho de uma jovem manifestante nessa terça-feira. E são os gestores da pandemia e da crise social, com as mesmas políticas criminais que o governo central.

As mobilizações em Catalunha apontam com o dedo aos partidos do establishment catalão. Os mesmos aos que a candidatura da CUP – que se reivindica da esquerda independentista e anticapitalista – seguia estendendo a mão para negociar um novo governo independentista na mesma segunda. Seguirá a CUP deixando a porta aberta para um apoio na investidura (processo de nomeação do chefe de governo no Estado Espanhol), um acordo de legislatura ou então a entrada no Governo junto a esses partidos capitalistas? Se for assim, pode se abrir um distanciamento entre essa corrente de esquerda populista e toda uma nova geração indignada, que já não confia nos partidos que vem governando a Catalunha.

A irrupção dessa nova geração nas ruas, em sua maioria entre os 16 e 22 anos, pode estar prenunciando uma nova crise de representação. São uma geração diferente da que fez o 15M (muitos não tinham sequer alcançado os 10 anos até então). E enquanto a indignação do “não nos representam” daquela primavera de 2011, que deu início a uma crise do Regime de 78, para a qual não encontraram uma restauração estável e duradoura, foi capitalizada em grande parte pelo surgimento do Podemos ou pelo processo independentista dirigido a partir de cima pelos partidos nacionalistas catalães, agora pode ressurgir uma indignação que inclua dessa vez as formações da esquerda reformista que emergiram para desviá-lo, e inclusive, se a CUP retifica seu rumo, a própria esquerda independentista.

A extrema direita avança sobre os ombros do Regime e seus partidos

Que, diante de semelhante crise social e econômica, os grandes projetos da esquerda do ciclo anterior sejam parte do Regime, como é o caso de Unidas Podemos, deixa um terreno aberto para que possam tentar capitalizar o mal-estar e o desencanto de amplos setores afetados pela crise, algumas opções abertamente reacionárias como a extrema direita de VOX com discursos anti-imigrantes, espanholistas e “antiestablishment”.

VOX já tem 52 deputados no Congresso dos Deputados e nesse domingo irrompeu pela primeira vez nas eleições catalãs. Seu bom resultado, com cerca de 7,7% dos votos e 11 deputados, teve seus contornos mais preocupantes nos votos obtidos nas principais localidades e bairros operários – e o fato de que cerca de 20% destes foram conseguidos em jovens de 18 a 35 anos.

VOX já não fala apenas de espanholismo. Está afiando sua mensagem anti-establishment demagógica, com uma denúncia da casta política e com a exigência de um programa de “resgate” populista para as classes médias arruinadas, que se contrapõe à imigração de forma aberta. Uma saída totalmente reacionária, mas que frente a ausência de uma contraproposta radical que fale de expropriar aos capitalistas para fazê-los pagar a crise e assim tombar esse regime apodrecido, pode ganhar adeptos entre setores populares cada vez mais desesperados.

Coloquemos de pé um grande movimento contra a repressão, avancemos em construir uma esquerda anticapitalista e de classe

Frente às políticas do “mal menor” que propõem Podemos, Izquierda Unida e o PCE, para manter o governo com o PSOE a todo custo, enquanto segue engolindo sapo atrás de sapo, deve-se apontar claramente que não é possível enfrentar a direita estando nas mãos do PSOE, pilar do regime monárquico e espanholista, que não vacila em reprimir a juventude. A única forma de derrotar a extrema direita do VOX, ou aos pequenos, mas ativos, grupos neonazistas como os que manifestaram há uns dias em Madri, é desenvolver uma grande frente única operária e popular nas ruas. Começando por impulsionar um grande movimento democrático que, mediante assembleias e mobilizações, se coloque para exigir a liberdade de Hasél e todos os presos políticos, o fim da repressão policial e se proponha também a acabar com a monarquia.

A rápida e extensa resposta à prisão de Hasél por parte da juventude demonstra que há forças sociais nas quais se apoiar para tentar dar passos nesse sentido. Mas, nem a esquerda neorreformista, nem qualquer outra esquerda que queira fazer o papel de sócio menor desses partidos e governos é uma alternativa, nem para frear a extrema direita, nem para parar a repressão, menos ainda para resolver os grandes problemas sociais.

Por isso, ao mesmo temos que avançar em construir uma esquerda de outro tipo: uma esquerda anticapitalista, revolucionária e classista, juntos às trabalhadoras e aos trabalhadores, as mulheres, pessoas migrantes e a juventude. Existem milhares de jovens e trabalhadores que não devem nada a esse regime, seus partidos e ao capitalismo espanhol na crise atual, aos quais a partir da esquerda que nos reivindicamos anticapitalistas e classistas, podemos nos dirigir.

Necessitamos, partindo das mobilizações que estamos vendo nesses dias, organizar assembleias nos centros de estudo, nos bairros e em todos naqueles centros de trabalho onde seja possível. A partir da CRT e da Agrupação de Juventude Contra Corrente, estamos lutando por essa perspectiva. Nas universidades, apoiando a convocatória de greve estudantil na Catalunha e promovendo a convocatória da assembleia em Madri e outras cidades, assim como a partir das páginas dos nossos diários izquierdadiario.es e esquerradiari.cat.

Por sua vez, a esquerda sindical deveria cumprir um papel chave em tudo isso e ser parte da denúncia e exigência à burocracia dos grandes sindicatos, para por em pé um movimento contra esses ataques à liberdade de expressão e aos direitos democráticos, que abra caminho para poder por o fim das reformas trabalhistas, previdenciárias e a todas medidas para assim fazer com que sejam os capitalistas que paguem pela crise. Que rompa profundamente o consenso pandêmico com o qual querem nos condenar à passividade e à resignação, ao aceitar pagar por essa crise.

Para além das profundas diferenças estratégicas que temos com Pablo Hasél, que reivindica a nefasta tradição estalinista e promove todo tipo de calúnias contra os trotskistas, consideramos que é uma questão de princípios elementares defendê-lo contra o Estado capitalista e suas forças repressivas. Se essa causa passa sem resposta, significará um ataque maior às liberdades democráticas de todos os setores operários e populares. E enquanto os trotskistas somos parte das manifestações por sua liberdade, junto de milhares de jovens em várias cidades do Estado Espanhol. Aqueles que se encontram mais afim de sua tradição estalinista, como o Partido Comunista Espanhol, são os que estando no governo criminalizam aos jovens que se mobilizam.

A partir da CRT lutamos para que a classe trabalhadora, junto da juventude e dos setores populares, entre em cena com um programa contra o desemprego, contra as demissões e fechamentos de fábricas, a falta de moradias, para revogar as leis de imigração e para terminar com a miséria crescente, ligado à luta pelas demandas democráticas pendentes que já apontamos, como a anistia para todos os lutadores e presos políticos, o fim da monarquia e o direito à autodeterminação. Somente assim poderemos soldar a unidade das fileiras operárias e os setores empobrecidos da população que os diferentes governos capitalistas, “progres” ou da direita, assim como a burocracia sindical, mantêm divididas, e que são o abono para que as saídas reacionárias da direita populista e sua “guerra entre pobres” siga crescendo.

No entanto, para lutar até o final por essa perspectiva, precisamos construir uma esquerda que não tenha problema em apontar uma luta intransigente contra o regime, e que não vacile para colocar que precisamos expropriar aos expropriadores, aos bancos e às grandes empresas energéticas, enquanto defendemos a auto-organização e a mobilização por essas demandas.

Medidas que ofereçam realmente uma solução aos grandes problemas sociais e um caminho oposto ao resignar-se em ser sócio menor do progressismo neoliberal no governo, ou de partidos como os progressistas catalães, mas sim um caminho que lute por uma mobilização da classe trabalhadora independente dos capitalistas.

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Josefina L. Martínez

Madrid | @josefinamar14

Santiago Lupe

@SantiagoLupeBCN
Nasceu em Zaragoza, Estado Espanhol, em 1983. É diretor da edição espanhola do Izquierda Diario. Historiador especializado na guerra civil espanhola, franquismo e na Transição. Atualmente reside em Barcelona e milita na Corriente Revolucionaria de Trabajadores y Trabajadoras (CRT) do Estado Espanhol.
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