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Editorial de Pernambuco | Os planos do PSB para Pernambuco e o xadrez da frente eleitoral com o PT em 2022

Com Lula já alcançando 48% das intenções de voto nesta semana, e a dificuldade da burguesia de emplacar uma 3ª via, o PSB ganha uma localização distinta nas negociações da frente ampla. Recentemente o PT deixou claro que não abriria mão de Haddad em favor de Márcio França em São Paulo. Enquanto em Pernambuco, onde Marília Arraes (PT) e João Campos (PSB) disputaram a cidade de Recife voto a voto no ano passado, a possível chapa encabeçada pelo PSB segue sem candidato definido. As negociações se dão também no marco de possíveis apoios aos candidatos da sigla em outros estados como Rio de Janeiro, Espírito Santo, Rio Grande do Sul e Acre, onde também, os cenários seguem em aberto.

Renato ShakurEstudante de ciências sociais da UFPE e doutorando em história da UFF

segunda-feira 20 de dezembro de 2021 | Edição do dia

Em nossas últimas análises desvendamos o acordo entre PT de Lula e o PSB de Paulo Câmara que estava se desenhando em torno das eleições de 2022, a partir das posições estratégicas que o PSB oferecia no tabuleiro da política nacional. Naquele momento o PSB ainda se fazia de difícil, aguardando esperançosamente que se abrisse um caminho para a terceira via, enquanto valorizava seu preço no mercado eleitoral nas negociações com o PT.

Entretanto, logo em um primeiro olhar para este tabuleiro nos dias de hoje, vemos um PSB com muito menos cacife político para uma negociação, dificultando conseguir todas as cabeças de chapa que gostaria, mas também recaindo para a posição que relutou tanto em estar, novamente sob as asas do projeto nacional petista. O fortalecimento de Lula nas pesquisas, força o PSB a jogadas defensivas e ceder terreno no curso que antes traçava para alcançar um projeto político próprio nacionalmente. O melhor dos cenários para o PSB hoje seria a mudança de Alckmin para a sigla, garantindo assim o posto de vice na chapa presidencial com Lula. Ainda com destino incerto, o tucano já se desfiliou do PSDB e recentemente se reuniu com Márcio França (PSB), presidente do partido em São Paulo, dando indícios que esse poderá ser um caminho. Entretanto, a garantia da posição de vice pelo PSB através de Alckmin, um tucano de bico muito longo e difícil de esconder, é muito diferente da localização em que o PSB estava no início do ano, quando negociava a cadeira de vice para Paulo Câmara, um fiel membro do clã oligárquico dos Arraes/Campos em Pernambuco.

Retomando a trajetória do PSB e sua ruptura pela direita com o projeto petista em 2014, quando lançaram a candidatura de Eduardo Campos, além do apoio explícito ao golpe institucional de 2016, quando aproveitaram maré anti petista na esperança de aumentar seu distanciamento pela direita do campo gravitacional do PT, certamente o que eles queriam era ter um nome forte para concorrer para presidência em 2022. Mas a ascensão de Lula e o debilitamento de Bolsonaro não favoreceu uma 3ª via.

A candidatura do falecido Eduardo Campos era a esperança do PSB de elevar a competição regional contra o PT para o embate nacional, quando Campos alcançava cerca 89% de aprovação no início do seu 2º mandato como governador em Pernambuco. A estratégia do PSB era se aproveitar do debilitamento do governo Dilma e os impactos da crise econômica que se preparavam para atingir fortemente o Brasil para se apresentar como uma alternativa para a burguesia.

Nesta empreitada nacional do PSB, Pernambuco se tornou sua principal vitrine, ligando-se à máquina estatal para garantir suas posições e para alimentar o aparato eleitoral do próprio partido. Não faltaram escândalos de corrupção, como na vez em que o ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra (DEM), que na época ainda era do PSB, destinou 90% da verba do combate a enchentes para Pernambuco, bastião de Eduardo Campos. Boa parte das verbas foi parar Petrolina, município onde o filho do ministro era pré-candidato a prefeito. Anos depois Recife ainda sofre com meses subsequentes de alagamento todos os anos durante o inverno, causando mortes e tragédias para os mais pobres.

A política lulista baseada no boom de commodities possibilitou investimentos para Pernambuco, 2º colégio eleitoral mais importante do Nordeste. Dilma seguiu à risca o mesmo caminho, em 2012 anunciou um pacote de obras de mobilidade de 29 milhões de reais. Isso envolveria a expansão do Porto de Suape, o projeto Suape Global, a construção do Arco Metropolitano que ligaria a Jeep em Goiana ao porto, a fim de escoar a produção industrial e da refinaria Abreu e Lima. Além do BRT e outras obras de mobilidade urbana. Os investimentos convertidos em Pernambuco favoreciam a sigla do PSB, que crescia e ganhava importante localização no regime, com 6 governadores, 34 deputados estaduais e 4 senadores.

Mas não só de desenvolvimentismo vive o PSB. Para garantir os interesses das oligarquias e usineiros do estado, o PSB atacou comunidades indígenas, quilombolas e famílias de trabalhadores no campo. No município da Jaqueira, na Zona da Mata, trabalahdores rurais são ameaçados constatemente e sofrem violência onde a família Maranhão, dos irmãos Guilherme e Marcello Maranhão (PSB) exercem grande influência. Marcelo é prefeito do município de Ribeirão, a 50km da Jaqueira e mantém boa relação com Paulo Câmara.

Também é escandalosa a política de repressão inegavelmente racista do PSB em Pernambuco. Segundo um relatório da Rede Observatório da Segurança, Pernambuco mais do que dobrou a quantidade de mortos pela polícia em um ano, sendo que, destes 97% são negros. Já na região metropolitana do Recife, todos os mortos pela polícia, 100%, eram negros, se ainda dessa forma considerado o pior lugar do país para um jovem viver. Não nos esqueçamos também dos dois trabalhadores que perderam a visão devido a repressão policial em um dos atos da capital contra Bolsonaro.

Este projeto do PSB na vitrine de Pernambuco, que vinha se gestando desde o final dos anos 90 durante o governo de Miguel Arraes, apesar da miséria que entrega e morte que entrega para a população, carrega um discurso demagógico social desenvolvimentista, que na prática significa incentivo estatal para o lucro de empresas privadas e tornar-se referência em tecnologia associada a precarização do trabalho. Um dos principais empreendimentos deste projeto é o Porto Digital, zona com isenção de impostos para empresas de inovação e tecnologia digital e a instalação da primeira montadora automobilística de Pernambuco, com a vinda da FIAT/JEEP em Goiana, um mega empreendimento imperialista, com cerca de 14 mil trabalhadores em um mesmo complexo industrial, que é bastante revelador do projeto do PSB para Pernambuco.

Atualmente a fábrica da Jeep em Goiana é uma das mais modernas do mundo e uma grande referência na Indústria 4.0, mescla o que há de mais moderno na tecnologia industrial, ao mesmo tempo que paga para os operários um pouco mais de um salários mínimo, e oferece condições de trabalho extremamente precárias e exaustivas. Por outro lado, o Porto Digital hoje é uma referência em desenvolvimento tecnológico privado com incentivo estatal, estima-se que hoje 100%, ou seja todos, os celulares do Brasil possuem alguma tecnologia desenvolvida no Porto Digital. Por fim, Recife foi considerada, cinicamente, a cidade mais inteligente da região, apesar de toda precariedade habitacional e de transporte urbano que são verdadeiros emblemas de toda a região metropolitana.

Mesmo com o seguir da crise econômica, que certamente atinge em cheio Pernambuco, estamos vendo agora alguns números que podem significar um trunfo burguês no projeto do PSB. O setor industrial cresceu 2,8% ano passado, a Jeep aumentou sua produção em 90% e a prdução de açúcar registrou alta, 2,95 milhões de toneladas em relação ao ano passado. Paulo Câmara por sua vez anunciou o Plano Retomada com investimento de 406 milhões de reais em obras de infra estrutura por todo o estado. Além disso, Paulo Câmra anunciou a construção de uma terminal de regasificação em Suape, investimento no valor de 1,5 bilhão de reais. Porém este crescimento realitvo regional se dá no marco de que 661 mil famílias passam fome e com a pior taxa de desemprego do país, 21,6% de desempregados.

No marco de uma reestruturação produtiva em escala global que aposta nas novas tecnologias digitais, na precarização do trabalho e na destruição dos direitos trabalhistas, Pernambuco se localizou muito bem sob a gestão do PSB e da oligarquia Campos/Arraes para se tornar um grande exemplo, ostentando em sua vitrine o que há de mais avançado na tecnologia com o que há de mais atrasado e precário na vida dos trabalhadores, como a fome, o desemprego, a violência urbana e os constantes alagamentos anualmente agendados no inverno. Este é o verdadeiro projeto desenvolvimentista do PSB.

Não à toa o PSB é o grande aliado do PT no Nordeste, um aliado inclusive que tanto Lula quanto Dilma nunca cogitaram abrir mão, mais do que isso, o próprio crescimento do PSB acompanhou esta entranhado ao ascenso do Lulismo. Foi somente com a crise econômica mundial aberta em 2008, que em 2013 se expressou no Brasil com as jornadas de junho, que o PSB viu a possibilidade de lançar candidatura própria com o debilitamento do governo Dilma, desembarcando da base do governo com a figura de Eduardo Campos. Mas este foi o auge deste projeto, que rapidamente entrou em declínio com o falecimento de Campos, deixando o partido sem figuras capazes de encabeçar esse projeto nacional. Após o golpe de 2016, Paulo Câmara, sem os repasses robustos do governo federal e com o partido na oposição, tornou o estado em um grande canteiro de obras inacabadas, com mais de 1700 obras públicas por terminar. A reprovação de seu governo é alta, entre os que avaliaram entre ruim e péssimo são 40%. Os que avaliam o governo regular subiu de 37% para 39% entre 2018 e 2020. Longe da máquina estatal, sem poder continuar o projeto de investimentos em obras públicas e de infra estrutura como se deu equanto era aliado do PT, o PSB hoje governa a cidade mais desigual do país e com 2ª polícia que mais mata negros e a 3ª cidade do país com famílias correndo risco de despejo.

A frente ampla com o PT, mais do que uma barganha conveniente para o PSB, se tornou uma imposição inconveniente do cenário de polarização eleitoral. Porém, mesmo com seu enfraquecimento relativo perante ao crescimento de Lula nas pesquisas eleitorais, o PSB ainda pode oferecer uma localização estratégica no projeto de conciliação de classes do PT. Se Alckmin entrar de fato na legenda, isso colocaria o PSB numa localização que nunca antes teve no regime, além do vice, com direito a ministérios e cargos de 1º escalão, e assim quem sabe abrir mais uma rodada de recursos para seguir desenvolvendo seu projeto em escala regional. Porém, não estamos mais no boom das commodities do lulismo e a crise de 2008, colocou um fim a política de concessão de créditos petista. Os “bons tempos” do PSB em Pernambuco não voltam mais como antes, um pib que chegou a 4,5% e a aprovação de 84% de Eduardo Campos em 2011 são coisa do passado e independente de quem for o futuro governador de Pernambuco será o agente da burguesia para realizar os cortes e ataques contra a população e trabalhadores.

O PSB já vem apoiando os ajustes e ataques em escala estadual e nacional, como a reforma da previdência, sua localização na frente ampla é justamente por mostrar ser capaz frente ao capital financeiro e a burguesia nacional de aplicar ajustes. Ou seja, as negociações da frente ampla com o PT estão no marco do partido gerir a obra econômica do golpe institucional, se mostrando também suficientemente coerente a este plano para abrigar Alckmin sem grandes crises. Em última análise, vai seguir atacando e aprofundando as desigualdades e problemas sociais vividos no estado, seja no campo, como na cidade.

Esse é o cenário de crise profunda que o PSB vai ter que lidar em Pernambuco. Um eventual governo do PSB em 2023 está condicionado por elementos estruturais de crise econômica, isto é, um governo com traços débeis, com limites inclusive para desenvolver o Plano Retomada, grande carro chefe de sua política regional. A base social construída no estado ao longo dos 13 anos de governo PSB é o que dá sustentação para o partido, ou seja, os usineiros, oligarquias e a burguesia pernambucana, que desde a muito tempo vem confiando seus interesses ao PSB que se mostrou um cão fiel comprometido em garantir seus negócios. Os interesses do PT na frente ampla também residem aí, nessa base social que o PSB ao longo de anos conseguiu organizar, confluindo os interesses em se tornar um partido com uma localização importante no regime, ao mesmo tempo em que garantia o lucro do capital estrangeiro. Ao mesmo tempo, para o PT um aliado como esse e numa eventual chapa com o PSB de vice, espantaria para longe possíveis cenários de polarização política em um 2º turno com Bolsonaro, justamente num estado onde a família bolsonarista dos Tércio que dirigem a base evangélica e de extrema direita em Pernambuco, tem um relativo peso social.




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