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ARGENTINA | Os livros de Biologia não cumprem a lei de Educação Sexual Integral

A lei de Educação Sexual Integral (ESI) já completou 10 anos, no entanto a maioria dos livros de Biologia para o Ensino Médio foram pouquíssimo atualizados.

quinta-feira 25 de agosto de 2016 | Edição do dia

Cama. Fonte: “Ciências Biológicas 3” Santillana - Mulher cobrindo-se: “Biologia 3” Plus Ultra

A lei 26.150, sancionada em 2006, estabelece que “todos os estudantes têm direito a receber educação sexual integral (ESI) nas instituições de ensino, públicas e privadas” e em 2008, através do Conselho Federal de Educação, foram aprovadas orientações curriculares para cada um dos níveis de ensino. Dez anos após a aprovação da lei e da criação do Programa de Educação Sexual Integral, a dívida ainda é muito grande.

As políticas educacionais para implementação da ESI foram insuficientes. Não foram organizadas programações institucionais nas escolas para reflexão, discussão e planejamento do trabalho na ESI, Nem foram adicionados recursos humanos para sua implementação.

Os treinamentos dentro do horário de trabalho, foram insuficientes as e os professores tiveram que se formar segundo sua disponibilidade e possibilidade. O material didático (lâminas, cadernos) não é acessível para o conjunto. E apesar de todas estas dificuldades, as e os professores criaram várias práticas inovadoras no ESI, mas falta uma decisão política quanto a sua implementação em todas as escolas do país.

A chegada do macrismo ao Ministério da Educação, está longe de pagar essas
dívidas com a ESI: chegou com demissões e suspensões de projetos e relações estreitas com a Igreja.

Os livros de Biologia estão atualizados com as abordagens propostas na lei? Em 2015, o Ministério da Educação da Nação enviou às escolas secundárias da cidade de Buenos Aires vários livros de Biologia e Ciências Naturais. Esses livros atendem as diretrizes da lei ESI? Analisamos os dois livros que abordam o ensino de sexualidade, das editoras Estrada (1) e Kapelusz Norma (2), através de duas linhas, das inúmeras apresentadas o documento ESI para a área de Biologia: “Trabalhar com um enfoque da sexualidade que integra aspectos biológicos, psicológicos, sociais, afetivos e éticos” e “garantir conhecimentos pertinentes, precisos, confiáveis e atualizados sobre os diferentes aspectos envolvidos na educação sexual integral”.

Nesses livros, a sexualidade está reduzida à reprodução. Por exemplo, os títulos dos capítulos são: “A reprodução no ser humano” e “A função da reprodução” (dentro do capítulo “O organismo humano e suas funções”). Esse mesmo conceito também passa pela forma de nomear os órgãos genitais do homem e da mulher, entendidos como “sistemas ou aparelhos reprodutores”.

No desenvolvimento do capítulo, os aspectos sociais, ideológicos, culturais e psicológicos que passam pela construção da sexualidade e da identidade sexual ou de gênero são omitidos, reduzindo a sexualidade humana a seus aspectos biológicos: genitais, ciclo menstrual, fecundação e gravidez.

Para esses livros, a sexualidade dos e das estudantes não apresenta diferenças do comportamento e da reprodução de qualquer outro animal, por isso não há lugar para os sentimentos, os medos, o prazer, a escolha e a aprendizagem. A masturbação, as carícias, o orgasmo, as relações com pessoas do mesmo sexo, as relações sexuais prazerosas e os abusos sexuais, são ignorados e não existem quando se reduz a sexualidade a sua função reprodutora.

Nenhum dos livros faz alusão às diversas formas de viver as relações sexuais. Os editores acreditam que o prazer, a excitação sexual, a ereção, a falta de ereção, os fluidos femininos, o orgasmo, a ejaculação não são “conhecimentos pertinentes, precisos, confiáveis e atualizados”, como propõem as diretrizes da ESI?

É essa a educação sexual integral que a escola deve ensinar e da qual precisam nossos e nossas estudantes?

Como os livros de Biologia abordavam o ensino da sexualidade antes da lei?

Revisamos os livros de 3° e 4° ano do secundário das Editoras Santillana, Estrada, Kapelusz, Plus Ultra e Huemul, editados entre os anos de 1981 e 1994, e constatamos que “30 anos não é nada” para o ensino da educação sexual dessas editoras. Para nossa surpresa, praticamente não há diferenças entre os livros de Biologia das décadas de 80’ e 90’ se comparados com os de 2015: “órgãos reprodutores”, o ciclo menstrual feminino, a fecundação e a gravidez.

Nos livros da editora Estrada, de 1981 (3) e 1984 (4), encontramos pequenos trechos com restrições morais e espirituais que também se repetem em livros de Educação para a Saúde da época, como o da editora Huemul de 1994 (5). A volta dos governos constitucionais pouco contribuiu ao ensino da sexualidade.

Em Biología da editora Estrada encontramos parágrafos que dizem: “o homem e a mulher possuem inteligência para compreender, coração para amar, vontade para querer e um corpo maravilhosamente adaptado para produzir, assim como as plantas e os animais, novos seres, novas vozes para alegrar a natureza. Sua fertilidade dependerá sim, da união das células, masculina e feminina, como em uma flor ou um pavão. Mas sua união é diferente, porque é voluntária e inteligente, rodeada de uma atmosfera espiritual de amor e fé, que se manifesta a liberdade de seu desejo de permanecer na terra”.

Em Educación para la Salud, editora Huemul, dizem que “a maturação sexual chega a seu ponto máximo com a atração por determinada pessoa de outro sexo. A partir disso, e por escolha mútua, surge um casal que decide formar, para toda a vida em comunidade de vida e amor, um casamento”.

Chama a atenção que no livro da Editora Santillana de 1990 (6) se descreva a masturbação, ereção, ejaculação e os orgasmos “masculinos” e “femininos”. Mas esse maior detalhe descritivo, ao invés de ampliar o olhar sobre a sexualidade, a limita. As normas morais de amor, fidelidade e o compromisso com as normas que estabelece que todo ato sexual tem e deve ter fins reprodutivos.

A necessidade de atribuir uma função reprodutora ao orgasmo feminino, os leva a um absurdo: “Momentos depois do orgasmo o orifício do colo do útero se abre, facilitando a entrada dos espermatozoides”. Imediatamente depois, esclarecem que “o orgasmo feminino pode não ocorrer, sem que isso afete a possibilidade da fecundação”.

O que necessitamos para fazer a ESI avançar?

Como dissemos no início da nota, há 10 anos da lei de ESI há muitas dívidas pendentes que dependem de uma decisão política para projetar os dispositivos e alocar os recursos para que os e as estudantes de todos os níveis tenham acesso à Educação Sexual Integral. No entanto, a atualização dos livros de Biologia deve acompanhar as novas abordagens e olhares, superando o olhar restritivo da sexualidade a uma função reprodutora. O avanço refletido nas diretrizes curriculares de um olhar interdisciplinar, que incorpora uma leitura não reprodutiva da sexualidade, já deveria estar sendo refletido nos livros didáticos.

Saiba mais: Argentina: Há três anos da aprovação da lei de identidade de gênero.

1. Berler, Valeria et al. Ciencias naturales 9: entender: edición exclusiva para Organismos Públicos. (2015). 1° edición. Editorial Estrada.
2.Antokolec, Patricia et al. Biología para pensar, interacciones, diversidad y cambios en los sistemas biológicos: edición especial para el Ministerio de Educación de la Nación (2015). 1° edición. Editorial Kapelusz.
3.De Copello, M.G. y Perés, V. Biología III. (1981). 1° edición. Editorial Estrada.
4. De Copello, M.G. y Perés, V. Biología IV. (1984). 1° edición. Editorial Estrada.
5. Dutey, M.L. y Nocetti, S.T. Educación para la salud. (1994). 1° edición. Textos Huemul.
6. Lacreu, L., Rubel, D. y Guahnon, E. Ciencias Biológicas 3. (1993). 1° edición. Editorial Santillana.
7. Dutey, M. y Nocetti, S.T. Biología III. Funcionamiento, coordinación y continuidad de los seres vivos. (1988) 1° edición. Huemul.
8. Dutey, María Léonie y Nocetti, Susana Teresa Biología IV: Integración, continuidad y evolución de los seres vivos. (1997) Edit. Huemul.
9. Zarur, Pedro. Biología 3: Funcionamiento, coordinación y continuidad de los seres vivos (1992).Ed. Plus Ultra.
10. Zarur, Pedro. Biología 4. (1985) 2° edición. Ed. Plus Ultra.




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