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O suicídio de Maiakóvski

Leon Trótski

O suicídio de Maiakóvski

Leon Trótski

Publicamos na integra o texto de Trotski, presente no livro Literatura e Revolução, sobre o suicídio de Maiakóvski.

Aleksándr Blok reconhecera enorme talento em Maiakóvski. Pode-se dizer sem exagero que havia em Maiakóvski reflexos de gênio. Ele não era, porém, um talento harmonioso. Onde se poderia, aliás, encontrar harmonia artística nesse decênio de catástrofes, no limite não cicatrizado de suas épocas? Na obra de Maiakóvski, os cumes despontam ao lado de abismos, manifestações de gênio explodem de par com estrofes banais, às vezes de uma vulgaridade gritante.

Maiakóvski quis sinceramente ser revolucionário, antes mesmo de ser poeta. Na realidade, era acima de tudo um poeta, um artista que se afastou do velho mundo sem romper com ele. Somente depois de Outubro procurou — e em certa medida encontrou — um ponto de apoio na Revolução. Até o fim, porém, não se confundiu com ela, porque dela não se aproximou nos duros anos de preparação clandestina. Maiakóvski não era só o cantor, mas também a vítima de uma época de crise. Esta — preparando os elementos da nova cultura com força até então desconhecida — passa mais devagar que o necessário para assegurar a evolução harmoniosa de um poeta, de uma geração de poetas que se entregam à Revolução.

Cabe observar a ausência de harmonia interior que se manifestava no estilo do poeta, a insuficiente disciplina do verbo e o excesso de suas imagens: a quente lava do patético e a incapacidade de ligar-se a época, classe, o gracejo de mau gosto pelo qual procurava — ao que parece — proteger-se contra todo golpe do mundo exterior. Por vezes era possível pensar que se tratava de hipocrisia artística e também psicológica. Não! As cartas repetem o mesmo som: que significa a fórmula lapidar “o incidente está encerrado” pela qual o poeta risca o último traço?

O lirismo e a ironia serviam ao romântico retardatário Henri Heine como o patético e a vulgaridade servem ao futurista retardatário Maiakóvski: a vulgaridade opõe-se ao patético da mesma forma que o lirismo à ironia: para defendê-lo.

O aviso oficial colocado pelo Secretariado [1], numa linguagem de protocolo jurídico apressa-se a informar que esse suicídio “não tem relação alguma com as atividades sociais e literárias do poeta”. O que vale dizer que a morte voluntária de Maiakóvski não se relaciona com sua vida, ou, ainda, que sua vida nada tinha em comum com sua criação revolucionária e poética. É transformar sua morte num fato fortuito. Isso não é verdadeiro, nem necessário, nem…inteligente! “A canoa do amor se quebrou no cotidiano”, escreveu Maiakóvski em seus últimos versos. Em outras palavras, “suas atividades sociais e literárias” cessaram de elevá-lo acima das confusões da vida cotidiana para colocá-lo ao abrigo de golpes insuportáveis que o atingiam. Como escrever “não tem nenhuma relação”?

A doutrina oficial que hoje encontramos sobre literatura proletária, no campo literário, é a mesma que existe no terreno econômico: baseia-se numa total incompreensão de ritmos e prazos da maturação cultural. A luta pela cultura proletária — alguma coisa como a coletivização total de todas as conquistas da humanidade no quadro do plano qüinqüenal — apresentava, nos primórdios da Revolução de Outubro, um caráter de idealismo utópico. E eis precisamente por que Lênin a ela se opôs, da mesma forma que o autor destas linhas. Ela, porém, se tornou, nesses últimos anos, apenas um sistema de comando burocrático — e
de destruição da arte.

Proclamaram-se clássicos da literatura pseudoproletária os fracassos da literatura burguesa do gênero de Serafimovitch, Fladkov & Cia. Batizou-se uma flexível nulidade do tipo de Averbach como o Bielínski… da literatura proletária (!).

A alta direção do beletrismo encontra-se nas mãos de Molotov, negação de todo espírito criador da natureza humana, que se fez artista (o adjunto de Molotov é Gussev) em vários campos, exceto na arte. Essa escolha dá toda a imagem da degenerescência burocrática nas esferas oficiais da Revolução. Molotov e Gussev elevaram à categoria de beletrismo uma literatura desfigurada, pornográfica, de cortesãos revolucionários, obra de um coletivo anônimo.

Os melhores representantes da juventude proletária, cuja vocação é preparar as bases da nova literatura e da nova cultura, caíram sob as ordens de pessoas que converteram em critério de realidade sua própria falta de cultura.

Sim, Maiakóvski é o mais viril e o mais corajoso de todos os que, pertencendo à última geração da velha literatura russa, e ainda por ela não reconhecidos, procuraram criar laços com a Revolução. Sim, ele desenvolveu laços infinitamente mais complexos que todos os outros escritores. Um dilaceramento profundo nele permanecia. Às contradições que a Revolução comporta, sempre mais penosas para a arte, na busca de formas acabadas, somou-se, nos últimos anos, o sentimento do declínio a que conduziram esses burocratas.

Maiakóvski, pronto para servir à sua época pelos mais modestos trabalhos cotidianos, não podia aceitar uma rotina pseudo-revolucionária. Era incapaz de ter plena consciência disso, no plano teórico, e, por conseguinte, de encontrar o caminho para superá-la. Sobre si mesmo, disse que “não está à venda”. Por muito tempo e com vigor ele se recusou a entrar no kolkhoz administrativo da pretensa literatura proletária de Averbach. Tentou fundar, sob a bandeira do grupo Lef, a ordem dos ardentes cruzados da revolução proletária para servir à causa com toda a consciência, e não sob ameaças. O Lef, é natural, não tinha força para impor seu ritmo aos 150 milhões: a dinâmica dos fluxos e refluxos da Revolução era muito pesada, muito profunda.

No mês de janeiro deste ano, Maiakóvski, vencido pela lógica da situação, fez grande esforço para aderir afinal à Associação Soviética dos Poetas Operários (Vapp), dois ou três meses antes de matar-se. Essa adesão nada lhe trouxe. Retirou-lhe, pelo contrário, alguma coisa. Quando ele liquidou suas contas, tanto no plano pessoal quanto no político, e movimentou sua canoa, os representantes da literatura burocrática, aqueles que estão à venda, exclamaram: “Inconcebível, incompreensível.” Demonstravam assim que não compreendiam nem o grande poeta Maiakóvski nem as contradições da época.

A Vapp, criada a partir dos progroms contra núcleos literários autenticamente revolucionários e vivos — e submetida à sujeição burocrática —, caiu, do ponto de vista ideológico, no abandono; ao que tudo indica, não conseguiu unidade moral. Na partida do maior poeta da Rússia soviética, só houve como resposta o embaraço oficial: “isso não tem nenhuma relação…” É pouco, pouco mesmo, para quem quis edificar a nova cultura dentro do mais curto prazo.

Maiakóvski não se tornou e nem poderia se tornar o fundador da literatura proletária pela mesma razão que não se pode edificar o socialismo num só país. Nos combates do período de transição, era o mais corajoso combatente do verbo e tornou-se um dos mais indiscutíveis precursores da literatura que se dará à nova sociedade.

BOLETIM DA OPOSIÇÃO RUSSA, MAIO DE 1930


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FOOTNOTES

[1Trata-se do Secretariado-Geral do Partido, isto é, Stálin. (M.B.)
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