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ELEIÇÕES BRITÂNICAS | O significado do fenômeno Corbyn nas eleições britânicas

O resultado das eleições britânicas deixa um cenário político inesperado, às vésperas das negociações dos Brexit, expresso pela autoderrota de May e pelo ascenso de Corbyn.

Claudia CinattiBuenos Aires | @ClaudiaCinatti

segunda-feira 12 de junho de 2017 | Edição do dia

As consequências das eleições britânicas são um desafio à lógica formal. É verdadeiro afirmar que o partido conservador saiu vitorioso ao mesmo tempo que sua candidata e atual primeira ministra, Theresa May, sofreu uma autoderrota. Os tories (referência ao antigo partido conservador da aristocracia do Reino Unido, Tory) perderam 13 de suas bancas, deixando de ter a maioria parlamentar. Esta catástrofe de May só é comparável a de seu próprio colega, o ex-primeiro ministro conservador David Cameron, que "sem querer querendo" acabou por precipitar o Brexit há um ano atrás.

O mesmo, porém às avessas, poderia ser dito do líder trabalhista James Corbyn: perdeu por uma margem escassa, porém é o ganhador das eleições de 8 de Junho. O Partido Trabalhista conquistou 32 bancas adicionais, algo que não ocorria desde o retorno do trabalhismo ao poder com Tony Blair. Corbyn não será o novo primeiro ministro porém reafirmou sua chefia frente ao questionamento da ala à direita de seu próprio partido, que acreditava ter feito a pior eleição da história e tentava sair por cima do enfraquecimento de sua principal figura.

No dia 18 de Abril, Theresa May chamou por eleições antecipadas. Seu partido contava com uma maioria parlamentar de 20 bancas e ainda lhe faltavam três anos de mandato, mas a líder tory desejava um banho de legitimidade e uma maioria mais sólida para conduzir o processo de divórcio com a União Europeia com mãos de ferro, processo conhecido como "Hard Brexit".

Parecia ser o momento oportuno. Tudo sorria a seu favor. Contava com uma vantagem de mais de 20 pontos sobre Corbyn. Porém, a sorte de May não resistiu a apresentação de seu manifesto eleitoral para o conjunto da sociedade, que revelava as características de um novo governo de ajustes e austeridade. Um exemplo é o chamado "imposto para a demência", uma proposta torpe de que todos os aposentados com propriedades avaliadas acima de 100.000 libras deveriam pagar pelos cuidados recebidos. May retrocedeu da proposta mas o dano já havia sido feito.

Em contraste, Corbyn apresentou um manifesto de governo com fortes tons de socialdemocracia, com um velho perfil trabalhista. Suas reformas, - a gratuidade da educação, a nacionalização de algumas indústrias chave, a recomposição do salário mínimo, o fim dos contratos de "zero-hora", impostos aos mais ricos -, ainda que mínimas, despertaram a ilusão de um eleitorado majoritariamente jovem que tem sido a seiva vital do "fenômeno Corbyn". É isso que o torna próximo do conhecido "fenômeno Sanders" do outro lado do Atlântico.

Os atentados terroristas brutais de Manchester e Londres, desta vez, não jogaram a favor do discurso securitário da direita racista, islamofóbica e antiimigrante, que teve seu momento de glória na campanha pelo Brexit. Pelo contrário, reforçaram as credenciais antiguerra de Corbyn que, sabiamente, voltou-se com tudo contra as intervenções militares britânicas no Oriente Médio.

Em síntese, a direita novamente fez uma má leitura da situação, subestimou os limites da população com seus planos de austeridade e, sobretudo, o fenômeno político de uma juventude que decidiu pisar forte na política nacional usando como veículo de suas demandas o trabalhismo ou, mais precisamente, a ala a esquerda deste partido reformista. Não é inocente que os meios de comunicação falam de um "terremoto da juventude".

Nesse meio tempo, Theresa May tentará compor um governo em minoria com a ajuda dos 10 parlamentares do Partido Democrático Unionista (DUP, na sigla em inglês), um partido da direita reacionária e protestante, cujo principal objetivo é manter a Irlanda do Norte dentro da Grã-Bretanha. Mesmo com esses números, este seria um governo débil, instável e muito provavelmente de vida curta. Como dizem vários conservadores anônimos por aí, May poderá manter seu posto de primeira ministra mas não tem um mandato claro para liderar o Brexit e lidar com suas consequências.

Com o cronômetro do Brexit marcado desde Março, cresce a incerteza. Estão abertos vários cenários que incluem variantes moderadas, como uma separação mais negociada da União Europeia ("Soft Brexit"), ainda que não se possa descartar a ruptura sem negociações com Bruxelas, ou a inclusão de uma convocatória a um novo referendo sobre a permanência da Grã-Bretanha no bloco europeu.

A partir de um ponto de vista político, em uma leitura inicial, as eleições parecem ter revivido o bipartidarismo inglês. Os 84% dos votos se repartiram entre os dois principais partidos (43% para os conservadores, 41% para os trabalhistas).
Os Democratas Liberais, partido de centro conhecido popularmente como os Lib-Dem, tiveram um avanço menor, porém a sua principal figura perdeu a banca parlamentar. Em linhas gerais, ainda estão pagando o preço de terem sido parte da aliança do governo conservador de Cameron.

Já o UKIP, o partido da extrema direita racista e xenófoba que havia crescido com o triunfo do Brexit, afundou. Caiu dos 13% obtidos em 2015 a 2%. Seu eleitorado se fragmentou e uma boa parte retornou para a direita tradicional e outros setores foram seduzidos pelas medidas redistribucionistas propostas pelo Partido Trabalhista.

Um outro grande perdedor foi o nacionalismo escocês, que perdeu uma porção importante dos votos que, deste vez, foram para Corbyn, o que o obrigou a retirar a proposta de um segundo referendo independentista.

Ainda que sua votação tenha aumentado dentro dos partidos tradicionais não significa, imediatamente, a reedição do bipartidarismo noventista. Segundo uma anedota famosa aos fins de 2002, Margaret Thatcher estava em um evento em Hampshire e um de seus assistentes lhe perguntou qual era a maior realização de sua vida. A dama de ferro, sem titubear, respondeu: "Tony Blair e o Novo Trabalhismo. Obrigamos os nossos oponentes a mudar suas ideias". É isso que aconteceu.

O novo fenômeno político nos leva a entender que as eleições de 8 de Junho foram o certificado de difusão do consenso neoliberal que, desde o princípio da década de 1990, estruturava a alternância de poder entre conservadores e trabalhistas.

A partir da direita, Margaret Thatcher, que não só instaurou o neoliberalismo como também transformou o Reino Unido em europeísta, algo que dificilmente se reconheceria na política de Theresa May. É algo similar ao que ocorre entre o Partido Republicano e Donald Trump nos Estados Unidos.

Porém, o mais interessante é o processo que se expressa com a chegada de Corbyn a direção do Partido Trabalhista. Segundo as análises mais imediatas após as eleições, Corbyn arrasou os conservadores por uma margem de 66 a 18% entre a faixa etária dos 18 aos 24 anos e que dois terços dos menores de 35 anos teriam votado pelo trabalhismo, uma tendência que já havia se manifestado nos milhares de jovens que declararam seu voto para Corbyn nas eleições primárias do partido e nas eleições gerais, e que tem se plasmado na organização do Red Momentum, que organiza a colaboração dos simpatizantes da campanha de Corbyn, sejam eles membros do Partido Trabalhista ou não. Geograficamente, sua vantagem está nos grandes centros urbanos onde se concentra a maior parte da população assalariada, de jovens precários e de imigrantes.

O que nos tranquiliza não é o avanço eleitoral das formulações reformistas, que já são centenárias em partidos como o Partido Trabalhista inglês, ou atualizadas como o Syriza na Grécia e o Podemos no Estado Espanhol. Esses partidos ou lideranças renovadas só estão dispostos a reeditar a velha estratégia socialdemocrática de gerir o estado capitalista. Os resultados já estão visíveis. Syriza assumiu o poder com a promesa de conformar um "governo antiajustes" e com seis meses de mandato já capitulava os planos de austeridade da "troika".

O que nos tranquiliza, verdadeiramente, a nós que militamos por uma esquerda revolucionária, é o surgimento desse novo fenômeno político na juventude que repudia pela esquerda os partidos tradicionais e que hoje se ilude com o discurso "radical" com requintes "socialistas" de líderes como Sanders e Corbyn.

Se conformar com a ilusão nestas variantes reformistas (ou suas equivalentes "populistas" na América Latina) como faz uma parte nada desprezível da esquerda internacional, só prepara o terreno para uma nova frustração. Pelo contrário, nossa tarefa é transformar toda essa energia dos jovens, dos trabalhadores e dos oprimidos em uma grande força anticapitalista capaz de terminar com esse sistema de exploração.


traduzido por André Arruda




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