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Com sua visita a Equador, Bolívia, e agora Paraguai, Francisco busca dar um rosto “social” à desprestigiada Igreja Católica que apoiou a ofensiva neoliberal.

domingo 12 de julho de 2015 | 23:00

Está claro que o Papa Francisco está decidido a deixar sua marca por meio de atos simbólicos como os que lhe permitiram ganhar popularidade em todo o mundo.

Depois de sua visita ao Equador, sua passagem pela Bolívia gerou um verdadeiro alvoroço, não só pelas massas nas ruas ou o presente de uma cruz sobre uma foice e um martelo que lhe entregou o presidente Evo Morales e que a metade dos comentaristas interpretaram quase como uma mensagem infernal.

Foi o discurso do Papa realizado frente aos movimentos sociais reunidos em Santa Cruz de La Sierra, um verdadeiro fato político que chegou a ser considerado por alguns jornalistas governistas [apoiadores dos governos da América Latina – nota do tradutor] como “o mais combativo” do Papa. Porque e a que respondem as palavras de Francisco?

O relato

Enquanto os jornais e a mídia opositora de direita ressaltavam que Francisco havia pedido “humildemente perdão, não só pelas ofensas da própria Igreja, senão que pelos crimes contra os povos originários durante a chamada conquista da América”, algo não muito novo, pois Juan Pablo II e Joseph Ratzinger já haviam pedido perdão com atraso de uns 500 anos. Os meios de imprensa governistas celebraram o que entenderam como um discurso em sintonia com os governos pós-neoliberais da região.

Certo é que não são novas as denúncias de Francisco contra as misérias que provoca o capitalismo no mundo e as afirmações como que “nenhum poder fático ou constituído tem o direito de privar os países pobres do pleno exercício de sua soberania” ou que “novas formas de colonialismo que afetam seriamente as possibilidades de paz e de justiça”, são parte do discurso do novo Papa com o qual, desde sua ascensão busca atualizar o relato de uma Igreja que durante anos foi fiel impulsionadora das políticas neoliberais e desprestigiada pela corrupção em grande escala e os abusos generalizados contra menores.

Mais que peronista [defensor do legado de Juan Domingo Perón, ex-presidente argentino – nota do tradutor], o Papa demonstrou sua capacidade para adotar a construção de um relato e um discurso na medida das novas expectativas das massas no continente. Bergoglio encara a tarefa política de reconstruir a imagem de uma Igreja Católica desprestigiada tendo em conta as experiências dos governos latino-americanos da última década, incluído o kirchnerismo [corrente política de Néstor Kirchner e da atual presidente Cristina Kirchner], como processos de “desvio”, contenção e institucionalização passivizante de mobilizações e rebeliões populares que atravessaram o subcontinente.

Os “três Ts”

No discurso mais longo desde que iniciou a viagem pela América Latina (57 minutos), chamou os camponeses, indígenas e trabalhadores a lutar pelos “três Ts”, terra, teto e trabalho. Neste chamado fez referência aos problemas estruturais – os três Ts – dos trabalhadores e do povo pobre da região que ainda não estão resolvidos.
Desta forma, em seu discurso, o Papa faz referência àquelas questões que desde a esquerda revolucionária temos dito e que os mesmos governos pós-neoliberais negam, ou simplesmente dão como já resolvidos. Sem ir mais longe, no estado de Santa Cruz onde esteve o próprio Francisco só 3% dos produtores de soja concentram 56% da superfície cultivada, além de que 68% dos produtores são estrangeiros.

Merece parágrafo aparte o fato de que justamente a Igreja Católica é a maior proprietária de terras e bens imóveis do planeta, dona de milhares de empresas e a principal acionista da Pietro Beretta, a maior fábrica de armamentos do mundo. E se, como denunciou o Papa “o capital” e “a avidez pelo dinheiro…arruína a sociedade, condena o homem, o transforma em escravo”, isto obviamente vale para o Banco do Vaticano (denunciado por lavagem de dinheiro e que Francisco quer “limpar”) que ganhou quase 70 milhões de euros em 2014.

Dito isto, qual é a finalidade deste discurso do Papa?

As razões de Francisco

Em sua viagem Francisco deu um tom de “esquerda” a seu discurso, como parte de um objetivo que vem desenvolvendo desde que assumiu o papado: recuperar o prestígio da Igreja e seus fiéis. Marcada pelas denúncias de abuso de poder, escândalos de corrupção e abuso de menores, para a Igreja ficava difícil alcançar este objetivo se não surgiam “ares de renovação”. Ainda mais na América Latina, onde se provou o papel nefasto da Igreja Católica durante as últimas ditaduras; inclusive, o papel de Bergoglio quando era delegado “provincial” da ordem jesuíta na Argentina, segue gerando polêmica, em especial pelo caso dos padres jesuítas Yorio e Jalics, detidos e torturados na ESMA [Escola de Mecânica da Armada, o maior centro de tortura da ditadura militar argentina – nota do tradutor], e o papel cumprido pelo atual Papa para evitar ou facilitar sua detenção.

Está claro que para conseguir isto deve mostrar uma “cara” diferente da Igreja nos países latino-americanos. Esta adaptação aos tempos que correm o levou a tecer um relato a favor dos pobres e excluídos, mantendo desde já a linha contra o casamento igualitário e a “mãe de todas as batalhas” contra o aborto.

A necessidade de por o peso de sua envergadura para que a Igreja recupere a capacidade moral e política também está em função de desenvolver um objetivo fundamental: ser um fator de estabilidade da ordem burguesa na região. Com seu discurso o Papa busca ao mesmo tempo, desencorajar a direita mais raivosa, e por outro lado propiciar um giro à direita mas com “continuidade” e estabilidade burguesa. Daí que na Argentina sua grande aposta seja, justamente, Daniel Scioli.

Um exemplo do papel que Francisco se propõe cumprir é, sem dúvida, Cuba, onde busca ser garantia da restauração ordenada e definitiva do capitalismo na ilha. Se trata de uma orientação em sintonia com a que vem implementando o imperialismo norte-americano pelas mãos de Obama.

Mais longe do céu e mais perto da terra, Francisco quer que a Igreja católica possa ser um fator que colabore na “governança” sobre os pobres e a contenção do movimento operário na América Latina e preparando-se para enfrentar cenários de maior crise social ou de luta de classes mais aberta, uma “agenda comum” entre os governos e a Igreja, que busca exorcizar a região de qualquer fantasma de revolução.




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