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POLÍTICA | O que é o ’centrão’ e o que ele revela da elite e sua política no Brasil?

Vemos diariamente a mídia analisar como uma ala do parlamento que ela chama de “centrão” coloca vários empecilhos aos planos de Temer, tal como havia feito para Dilma. O símbolo máximo desta ala seria Eduardo Cunha, que mesmo afastado da presidência da Câmara ainda é interlocutor quase diário de Temer, as negociações com ele ditam os rumos não somente de quem será o novo presidente da Câmara mas aspectos cruciais da governabilidade.

Leandro LanfrediRio de Janeiro | @leandrolanfrdi

quinta-feira 30 de junho de 2016 | Edição do dia

O que é este chamado “centrão”? Quem faz parte dele, de onde ele vem? Quais bases materiais o sustentam? Que interesses representa? Seria o “centrão” o que há de mais podre na política brasileira, uma representação do atraso, ou seria ele a própria expressão do que há de mais sólido e duradouro nos regimes políticos brasileiros que mesmo os partidos ditos “modernos” como PSDB por um lado e PT por outro, estão intimamente conectados?

Com este artigo iniciamos uma série de artigos para realizar uma aproximação sucessiva que descreva esta parte constitutiva do regime político brasileiro, desmascare a operação ideológica que torna esta importante corporificação das elites nacionais em centro e não direita, que tire o véu interessado que a mídia, tucanos, e petistas também jogam sobre seus parceiros históricos e de governo tornando esse “fenômeno” algo externo a eles, e não parte do regime político nascido da constituição de 88 onde este mesmo “centrão” veio à luz. Nesse processo de aproximação sucessiva também procuraremos elucidar as intensas relações (legais e corruptas) desta ala do regime político com outras alas do Estado brasileiro, do executivo em Sarney, Collor, Itamar, FHC, Lula e Dilma, nas estatais, no poder judiciário e suas intensas relações com os monopólios da mídia e outras importantes parcelas do empresariado brasileiro.

Segundo a mídia quem faz parte do atual “centrão”?

Se nos guiarmos pela mídia não entendemos nada. Um dia a descrição desta ala do parlamento seria aqueles que Eduardo Cunha controlaria, ou seja, uma importante parcela do PMDB da Câmara e um sem número de deputados de múltiplos partidos. Tecem mil e uma explicações se esta ala sobreviveria sem seu líder e concluem nada pois mal tentam explicar profundamente o que seria este centrão.

Em outros momentos, o mesmo centrão é descrito como um consórcio de pequenos partidos unidos por ideologia nenhuma. Esta segunda descrição, que também pega emprestada a tinta dos grandes jornais do país, visa limpar o “grande” PMDB de suas raízes e relações com os “pequenos”, torna-lo um partido mais moderno (e não do “centrão”), “tucanizando-o” como responsável condutor das contra-reformas que FIESP, Febraban, e setores do imperialismo querem.

Nesta segunda descrição o “centrão” seria um bloco parlamentar do “baixo clero”, um bloco informal que serviu de sustentação a Eduardo Cunha e que teria atuado mais abertamente em outros momentos, como na eleição do outsider Severino Cavalcanti para presidente da Câmara em 2005, em pleno escândalo do Mensalão. Comporiam o bloco o PP de Paulo Maluf e do governador interino do Rio de Janeiro Dornelles, o PSC de Feliciano e Bolsonaro, o PSD de Kassab, o PR e outros partidos menores, totalizando 13 partidos. Este bloco que junta mais de 225 deputados, se formalizado, formaria a maior bancada do parlamento, maior que PMDB e PT juntos, por exemplo.

Em troca de cargos em ministérios e estatais este bloco informal sempre ameaça governos de turno que se conformará em bloco propriamente dito. Sozinho ele teria capacidade de bloquear qualquer medida de peso, como uma reforma constitucional, se somado a sua influência dentro do PMDB, PSB, PDT então o poder de barganha, de “toma lá da cá” seria maior ainda. O deslocamento do centrão no segundo mandato de FHC foi chave para erosão do poder dos tucanos e ascensão de Lula. Por outro lado, o deslocamento do mesmo no segundo mandato de Dilma lhe custou sua cabeça.

Esta descrição do centrão como externo ou no máximo associado ao PMDB, que é o dirigente histórico desta ala do regime político, não condiz com nenhum fato histórico ou recente, e é parte da operação de blindagem do governo golpista de Temer. O centrão surgiu por iniciativa do ex-presidente da República Sarney (PMDB) para influenciar a Constituinte. Sua origem é o PMDB em sua mais alta estirpe, um ex-presidente da República. Sua liderança mais recente era o poderoso Eduardo Cunha do PMDB.

Por outro lado, aquelas narrativas, também presentes na mesma mídia golpista, que associam e quase igualam o “centrão” ao PMDB atendem a outro interesse político em meio à crise: associar ao PMDB o que há de mais podre no regime político, e com este para-raios, salvar outros telhados dos raios (sejam eles da Lava Jato ou da percepção popular da podridão do regime).

De certo modo a descrição do que é o centrão elucida quem são os adversários políticos do locutor da frase, já que de um modo ou outro este é o pilar de sustentação do regime político de 88 e de todos governos desde então, por mais que tenha sido associado a corrupção e atraso.

Centrão não se restringe à Câmara e ao chamado “baixo clero”

Uma das operações ideológicas na delimitação do que seria o “centrão” seria identifica-lo com o chamado “baixo clero”. As centenas de deputados que são eleitos arrastados pelos votos de suas legendas e pelas coligações em eleições proporcionais que tornam praticamente impossível o eleitor saber em qual deputado seu voto foi parar.

Esta identificação do “centrão” é funcional a propostas de “reforma política” tais como as defendidas por José Serra e alas ligadas ao tucanato em outros poderes, como Merval Pereira do O Globo e Gilmar Mendes do STF. Para todos estes o que há de pior na política nacional (com exceção do PT, é claro), seria a pluralidade de pequenos atores que tomados no varejo pouco importam, mas quando atuam no atacado tornam o país relativamente ingovernável com suas pautas-bomba, trancamento de sessões do Congresso e outras medidas, Dilma e o golpe institucional do impeachment que o diga. Nem o todo-poderoso Lula com seu inesgotável kit de negociação e conciliação, conseguiu atrair no varejo setores do baixo-clero/centrão para se opor ao impeachment quando estes atores resolveram atuar no atacado. Lula ofereceu mundos e fundos ao PP de Maluf, mas uma barganha maior, no atacado já estava fechada com Temer, o resultado é conhecido.

A solução para acabar com o “mal do baixo clero” seria uma “reforma” restritiva que impusesse um piso de 10% de votação nacional para entrar no Congresso. Isto de cara excluiria diversos partidos (e rasgaria milhões de votos que fossem dados aos que não alcançassem essa cifra), fazendo que parte da máquina partidária de vários pequenos caciques tivesse que ser absorvida e cooptada pelos grandes partidos sobreviventes. Elucubram que a máquina tucana, do PMDB, PSDB, etc, por possuir um corpo maior poderia ter sua capacidade de produzir anticorpos contra o vírus do baixo clero aumentada proporcionalmente.

Não parece que esta tese encontre algum eco na epidemiologia humana visto que seres humanos de 1,60m ou 2,10m são igualmente suscetíveis a HIV ou gripes, menos ainda se sustenta na epidemiologia da política nacional, visto que grande parte da pluralidade de partidos que compõem o centrão atual, habitou os gigantes do bipartadarismo da ditadura (MDB e Arena).

Esta é descrição e terapia tucana. Do outro lado do espectro político parlamentar, o PT tende a associar o “centrão” à Câmara. Quantas vezes vimos Dilma, Lula e eminentes petistas falarem que o Senado era um poder “mais qualificado”? Os senadores são donos de centenas de milhares de votos, às vezes milhões de votos e não algumas dezenas de milhares como alguns deputados. Vários senadores são ex-governadores de seus estados. São caciques de renome. Mas há uma fronteira estanque assim, como quer o PT? A mais alta cúpula política do país seria mais progressista e dissociada de sua irmã menor?

Esta tese fantasiosa se sustenta ainda menos que a proferida pelo senador Serra, pois para ser verdadeira teríamos que concluir que Collor, Renan, Barbalho seriam expressões de uma política mais qualificada (sic) que Cunha. Que o ex-presidente da Câmara de Deputados, ex-governador de Minas Gerais e atual Senador, Aécio Neves (PSDB) era antes expressão de um “baixo clero” e depois transformou-se em outra coisa mais qualificada. Teriamos que concluir que o ex-presidente da Câmara, e atual presidente golpista da República Michel Temer já não era um eminente e poderoso cacique antes de tornar-se vice. Esta tese atende unicamente ao interesse de bajular o Senado para tentar angariar votos contra o impeachment e junto de senadores e governadores tentar no atacado conter os anseios de cargos, verbas, nomeações que a Câmara exige. Diminuir o número de negociadores para tentar tornar mais barata a barganha.

O centrão de hoje não é uma aberração personalizada em Cunha. Ele é filho de Ulysses Guimarães, é neto de Tancredo Neves, tataraneto da política café com leite da República Velha, é herdeiro da Casa Grande.

Nos jogos de barganha, suborno e corrupção uma rede que vai de vereadores a senadores

O sistema federativo criado pela constituição de 88 cria um complexo sistema de distribuição de recursos que analisaremos mais detidamente em outro artigo. Para os fins deste artigo fiquemos com uma definição sumária. Senadores tem um papel destacado em nomear figuras chave do Estado nacional, de embaixadores a membros de estatais e da cúpula do judiciário. Estas nomeações são importantes aos governadores, por exemplo para lhes dar bons sonos garantindo um STJ, STF e MPFs pacíficos, digamos como os do Rio frente ao PMDB, e os de São Paulo frente ao tucanato. E também, através de cargos em importantes estatais consegue-se investimentos em determinadas regiões e acesso a recursos de suborno e corrupção nas prestadoras de serviço destas mesmas estatais;

A eleição de senadores e governadores é casada no país, boas relações recíprocas garantem chapas fortes simbioticamente úteis para as duas partes, da captação de recursos empresariais e das máquinas partidárias a mobilização de votos. É frequente a eleição casada de governador e senador de uma mesma chapa.

Os governadores por sua vez precisam que os deputados aprovem medidas e verbas para seus estados ajudando os próprios governadores. Os governadores, por sua vez dispõem de recursos próprios que podem favorecer seus deputados federais em suas bases eleitorais. Através de negociações envolvendo seus governadores e seus senadores cada deputado tem sua chance de conseguir verbas diretas do executivo federal aumentada e assim conseguir melhores negócios próprios que podem favorecer algum deputado estadual parceiro de negócios (políticos e de outra sorte).

Esta dependência recíproca nos jogos de barganha, suborno, e votações, permitem hábeis jogadores como Cunha ou Temer galgarem posições acima favorecendo seus apoiadores, gerando intermináveis ramificações para dentro das Assembleias Legislativas dos estados, nas prefeituras, e porque não nos “pequenos negócios” dos vereadores de norte a sul do país, sem falar em relações com empresários específicos e diversos lobbies que vão se associando aos atores importantes da política nacional.

Estes jogos geram diferentes níveis de barganha e negociações, pela via das bancadas de estado e também de bancadas de partidos. Nem falar em níveis mais complexos de política como as bancadas temáticas (da Bala, Bíblia, Boi, entre outras).

Tomemos como exemplo Eduardo Cunha e suas relações amplamente divulgadas na Lava Jato não só com deputados federais e estaduais do Rio de Janeiro e parceiros menores em prefeituras mas também nas bancadas temáticas. Outro exemplo carioca pode-se ver com a família Picciani que ao controlar a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, por esta via também tinha importante ascendência sobre os deputados deste partido e sobre toda a bancada carioca, independente do partido a que formalmente estavam filiados. Sérgio Cabral e sua família galgaram posições trilhando rota similar, do controle do PMDB no legislativo carioca ao executivo deste Estado e daí para o executivo e legislativo nacionais.

Por fim tomemos também como exemplo Sarney, esta linhagem com importante controle sobre o Maranhão e Amapá gera redes de relações e negócios legais (e não só, como lembram as delações recentes).

Centrão como expressão política de oligarquias regionais e da elite nacional

Deste modo, diferente do que querem tucanos com sua tese do baixo clero e petistas com sua tese do “senado qualificado”, as relações do centrão atravessam as diferentes esferas de poder. Mostram um retrato da elite nacional e suas representações políticas. Não é possível isolá-las em um órgão. Estão em todos lugares, são parte constitutiva do regime e atendem a interesses materiais específicos com mil e uma ligações com os empresários, sobretudo da mídia como abordaremos em um outro artigo.

Como “aperitivo” à continuidade desta série de artigos históricos e sobre o presente político e econômico do país, deixemos indicado que a família Collor representa a Globo em seu estado do Alagoas, os Sarney no Maranhão e Henrique Alves (que pediu demissão do ministério de Temer ao ser citado na Lava Jato) em seu estado do Rio Grande do Norte.

O centrão é para este autor, a corporificação de parte fundamental das oligarquias regionais e da elite nacional. A estas oligarquias se associou o PSDB para governar o executivo federal e cada estado onde governa hoje. A estas oligarquias e elite nacional o PT se associou, adquiriu suas formas mais corruptas de governo e conciliou os interesses quando dominou a Presidência. O combate ao “centrão” é indissociável de um combate a todo regime que emergiu da Constituinte de 88 e às formas do capitalismo nativo, seja ele representado em sua alta estirpe de imortal da Academia Brasileira de Letras como Sarney ou nas baixezas de um Cunha ou de um Geddel Filho.




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