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OBAMA EM CUBA | O que deixou a viagem de Obama a Cuba?

Claudia CinattiBuenos Aires | @ClaudiaCinatti

sexta-feira 25 de março de 2016 | 00:56

A visita de Obama a Cuba já é história. Dia 22 à tarde o presidente norte-americano abandonou a ilha rumo à Argentina, acompanhado por Raul Castro até as escadarias do Air Force One. Para acalmar seus críticos, tanto republicanos como democratas, Obama compensará o gesto “progressivo” da foto na Praça da Revolução com Che Guevara ao fundo com um abraço em Macri, o avançado giro à direita na América Latina.
A visita de dois dias de Obama a Cuba é o último capítulo da política de “normalização das relações” entre Cuba e Estados Unidos anunciada em dezembro de 2014 e gestada vários meses antes em negociações sob o auspicio do papa Francisco. Como o acordo nuclear com o Irã, e o já não tão discreto apoio ao diálogo de paz entre o governo colombiano e as FARC, a recomposição dos laços com Cuba é parte de uma orientação da administração democrata de “despolarizar” e reduzir conflitos internacionais, e por meio da diplomacia recompor a debilitada liderança estadounidense.
Dentro destas considerações gerais, o giro “Cuba amigável” tem sua própria lógica. A mudança de rumo com respeito à política de perseguição aberta que aplicou o imperialismo norte-americano contra Cuba desde 1960 se explica por várias razões, nenhuma delas progressiva.
Desde um ponto de vista pragmático, a linha dura não deu nenhum resultado positivo para alcançar os objetivos imperialistas de acabar com a revolução cubana: nem a opção militarista, descartada logo no desastre da invasão da Baía dos Porcos, nem a pressão do embargo, intensificada por leis como a Helms-Burton de 1996, conseguiram derrubar o regime do Partido Comunista Cubano nem restaurar as relações capitalistas e o poder das velhas classes dominantes no exílio em Miami. E mais, um setor paranoico do esteblishment norte-americano acredita que inclusive o embargo facilitou a sobrevida do regime cubano, ao criar uma causa justa para manter a unidade nacional.
Desde o ponto de vista econômico, as empresas norte-americanas, impedidas pelo embargo de comercializar com a ilha, vêm perdendo posições em detrimento de empresas europeias, canadenses, chinesas e latino-americanas e estão na retaguarda para aproveitar as oportunidades de negócios que oferecem as medidas de abertura ao capital que gradualmente vem implementando o governo de Raúl Castro. Para dar somente um exemplo, o negócio do porto de Mariel, um dos mais importantes dos últimos anos, ficou com a construtora brasileira Odebrecht, a mesma que está implicada no escândalo de corrupção da Petrobras.
Desde o ponto de vista diplomático, Obama quer aproveitar a mudança política para a direita na América Latina e o fim de ciclo dos governos “populistas” para recuperar o terreno perdido na última década, na qual enquanto a política exterior dos Estados Unidos esteve concentrada no Oriente Médio, a região que historicamente foi seu pátio traseiro, se abria a outros sócios comerciais, principalmente a China, e buscava com desigualdades alguns graus de autonomia com respeito ao alinhamento automático com os interesses norte-americanos dos anos do Consenso de Washington. Mas agora as condições econômicas para a América Latina mudaram, e há vento de frente. Talvez Obama busque seduzir governos como o de Macri com alguma associação comercial relacionado com o Tratado Transpacífico, já firmado com Chile, México e Peru.
Há também um problema de “boa imagem” do imperialismo que tenta recompor Obama, com o simbolismo de ser o primeiro presidente afro-americano da história. O embargo contra Cuba é um símbolo da política imperialista dos Estados Unidos para a América Latina. É altamente impopular e a esta altura é rechaçado pelo conjunto dos governos da região, até os pró norte-americanos, que ao incorporar Cuba a suas instituições e negócios deixaram sozinhos os Estados Unidos sustentando a política de isolamento.
Os que mantêm a linha dura do embargo são os setores mais insistentes dos gusanos de Miami (a burguesia cubana no exílio), dos “dissidentes” cubanos raivosamente anti-comunistas e do partido republicano, que considerou a viagem como um “erro histórico” (embora vários congressistas acompanharam Obama à Cuba).
A voz mais audível desta direita foi Ted Cruz, o candidato republicano de origem cubana que disputa a nominação com Donald Trump. Cruz escreveu uma nota acusando Obama de “legitimar” com a sua presença a “ditadura dos Castro” e que sua estratégia é oposta a que tiveram outros presidentes como Ronald Reagan para lidar com “regimes totalitários”.

“Poder leve” e restauração

Além das formas “amigáveis”, o conteúdo da política de Obama é tão imperialista como a dos partidários da “mudança de regime”. Enquanto a direita insiste com uma política ofensiva, a tática de Obama é utilizar o “poder leve” como a via mais segura para alcançar o mesmo objetivo: criar as bases para avançar na restauração do capitalismo em Cuba e posicionar as empresas norte-americanas na primeira linha para se beneficiar deste processo. Por isso talvez, uma quantidade de CEOs e lobistas, modesta em quantidade, mas de empresas importantes, acompanhou o presidente à Havana.
Também há um sentido da oportunidade: a crise econômica e política na Venezuela, que sob os governos de Chavez e Maduro tem subsidiado grande parte da energia para Cuba, está afetando seriamente as perspectivas econômicas da ilha, pressionando para a busca de outras alternativas.
Ainda que o embargo siga em pé e é pouco provável que o Congresso com maioria republicana o suspenda, Obama o tem quebrado bastante com medidas presidenciais entre elas: o restabelecimento de voos comerciais diretos diários, novas regulamentações que facilitam o turismo norte-americano para Cuba, a habilitação para o uso de cartões de crédito e débito, a autorização pela primeira vez desde 1962 do uso do dólar para certas operações para cubanos e instituições financeiras, a inversão norte-americana em alguns itens. Ademais de tirar o país da lista de patrocinadores do terrorismo. Com estas medidas o governo norte-americano busca incorporar cada vez mais Cuba à economia capitalista.
Este alívio das sanções econômicas coincide com as “reformas” pró-capitalistas que vêm implementando Raúl Castro desde que assumiu a presidência em 2008, ainda que oficialmente diga que está “atualizando o modelo socialista”. Entre estas medidas se encontram a ampliação do usufruto privado de terras ociosas e para o trabalho autônomo. Segundo estimativas ao redor de 20% da força de trabalho estaria empregada ou “auto empregada” no setor privado em pequenos negócios como restaurantes, taxis e cabeleireiros. Ainda que não seja viável um capitalismo de trabalhadores autônomos, este tem dado lugar à emergência de uma incipiente classe média, em geral com acesso ao turismo e por tanto à moeda convertível (CUC) que se separa cada vez mais do resto da população empregada no setor estatal onde o salário médio é de apenas 20 dólares. Este setor acomodado, que participou da reunião de “empreendedores” com Obama, é a base para pressionar por uma maior “abertura” quer dizer, para desmantelar o que existe de planificação da economia e de monopólio do comércio exterior, que ainda exerce parcialmente o estado através do controle de divisas.
Está claro que a burocracia governante que mantêm um ferrenho controle político através do regime de partido único encarnado pelo Partido Comunista Cubano se postula como artífice da abertura gradual ao capitalismo, sobretudo as Forças Armadas Revolucionárias que têm sob sua órbita importantes negócios como o turismo. Mas as lideranças têm prazo de vencimento. O mandato de Raúl Castro termina em 2018 e com ele o da velha guarda que dirigiu a revolução. Até o momento seu provável sucessor é Miguel Díaz-Canel, pertencente a uma geração nascida depois da revolução de 1959, que ainda tem que demonstrar ter a capacidade para manter a unidade do regime e o controle de um processo que vai levar a fortes tensões sociais.
Obama começou seu discurso televisionado no Grande Teatro de Havana citando um famoso poema de José Martí, que como se sabe, é utilizado pelos liberais como a contracara da revolução de 1959. O herói da independência cubana era um homem só seu tempo, mas isso não o impediu antecipar as tendências imperialistas dos Estados Unidos. Em seu exílio em Nova York duvidava de aceitar a colaboração norte-americana na luta independentista contra a Espanha. Se perguntava: uma vez que os Estados Unidos entre em Cuba, quem poderá tirá-lo? A resposta chegou com a revolução de 1959 cujas conquistas como a saúde e a educação ainda perduram. Sua defesa é a base elementar para enfrentar a ofensiva restauradora do capitalismo.




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