O documentário India’s Daughter (2015) dirigido pela britânica Leslee Udwin, narra o trágico caso da jovem indiana, Jyoti Singh, estudante de medicina, que foi vítima de um estupro coletivo em Nova Déli, capital da Índia. O crime ocorreu em 16 de dezembro de 2012, na época a moça tinha 23 anos.
Cleonice Elias da SilvaDoutoranda em História Social
segunda-feira 23 de janeiro de 2017 | Edição do dia
Ela retornava do cinema com um amigo à noite, foi estuprada por seis homens dentro de um ônibus, o rapaz que a acompanhava foi agredido. A brutalidade do ato foi tão extrema, que os intestinos de Jyoti Singh foram puxados, a vítima acabou falecendo.
Esse crime provocou uma mobilização na Índia, manifestantes saíram as ruas exigindo justiça, a condenação dos envolvidos na morte da jovem estudante. Eles protestaram também contra os vários e recorrentes casos de estupro e outras violências que as mulheres indianas estão sujeitas. O crime em questão fomentou reivindicações pela liberdade das mulheres na Índia.
Não é nenhuma novidade afirmar que o problema da violência contra a mulher não está restrita à realidade indiana. Diante disso, e tratando-se da realidade do Brasil, em 16 de setembro de 2015 a Plan Internacional Brasil, organização que zela pelos direitos das crianças e dos adolescentes, lançou a campanha Quanto Custa a Violência Sexual Contra Meninas?. A documentarista britânica participou do evento de lançamento da campanha. Em linhas gerais, esta teve como objetivo promover o debate sobre a violência sexual contra as meninas em nosso país, tais casos chegam a mais de meio milhão por ano.
Os estupros, que são crimes hediondos, na maioria das vezes, são cometidos por conhecidos das vítimas, sejam elas crianças, adolescentes ou adultas. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), mais da metade dos casos de violência sexual acontece com meninas menores de 13 anos. No dia 10 desse mês de janeiro, uma menina de 11 anos de idade foi vítima de um estupro coletivo, em Recanto das Emas, a 30km do centro de Brasília (DF). Cinco homens participaram do crime, entre eles, o namorado de 17 anos da garota, Wesley da Silva Dias de 20 anos, que está preso, e outros três menores de idade. O crime foi filmado pelos estupradores em uma câmera de celular.
No ano passado outro crime de estupro coletivo tornou-se público, uma adolescente de 16 anos foi estuprada por vários homens, o crime ocorreu na cidade do Rio de Janeiro. O estupro ocorreu no dia 21 de maio e foi notificado no dia 26. Os criminosos também filmaram a ação, além disso, tiraram fotografias e publicaram nas redes sociais da menina. Esse crime gerou uma grande repercussão na imprensa, diferente do caso da menina de Brasília, que no meu ponto de vista, não recebeu a atenção devida dos grandes meios de comunicação.
Entre os problemas que cercam os crimes de estupros, está a não notificação por parte das vítimas, o que pode justificar tal atitude é a vergonha que essas mulheres sentem em relatar os abusos, e também o medo, uma vez que a maioria dos casos de violência sexual são cometidos por conhecidos das vítimas. A Pesquisa Nacional de Vitimização, finalizada em 2013, revelou que apenas 7,5% das vítimas de estupro no Brasil prestam queixas nas delegacias. O estudo realizado pelo Ipea, Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da saúde, concluiu que apenas 10% dos casos são denunciados e apresentou a estimativa que, no mínimo, 527 mil pessoas sejam vítimas por ano de estupro no Brasil.
O 9° Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2015 traçou um ranking dos estados brasileiros que mais e menos crimes de estupros são notificados. Cabe ressaltar que esses dados são uma estimativa, pois, conforme afirmei, a não notificação dos abusos sexuais impossibilita estabelecer com precisão os números dos casos. Liderando o ranking está Roraima, com 55,5 casos a cada 100 mil habitantes; em seguida, encontra-se Mato Grosso do Sul, com 51,3 e o Amapá, com 45. Já entre os estados com o menor número de notificação, estão o Espírito Santo, com 6,1, Minas Gerais, com 7,1 e Rio Grande de Norte, com 8,7. No que diz respeito aos números absolutos, São Paulo, que tem a maior população, está em primeiro lugar. No referido estado foram registrados 10 mil casos de estupros no período de um ano, ou seja, mais de 20% do total de casos notificados em todo o Brasil. Os casos de estupros no Rio de Janeiro correspondem a 12% dos casos registrados.
Outra pesquisa com enfoque na cidade de São Paulo realizada pelo Instituto Sou da Paz, percebeu que os casos de estupro cresceram 2% no primeiro semestre de 2016 em comparação com o mesmo período de 2015. Segundo dados da mencionada pesquisa, 23% das vítimas têm entre 11 e 15 anos; em 58% dos casos, o estuprador é um conhecido das vítimas; e aproximadamente 29% têm ou tinham algum tipo de relação amorosa com as vítimas. Dados da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo revelam que ocorreu um aumento de 32,39% no número de casos de estupros em agosto de 2016 em comparação com o mesmo mês de 2015.
Uma justificativa possível para o aumento dos casos de estupros em São Paulo, é fato de estar ocorrendo uma maior notificação dos crimes por parte das vítimas. Um exemplo disso, foi o aumento das denúncias após abertura da primeira Delegacia da Mulher 24h. Nesse sentido, é importante que mais delegacias como essa sejam abertas em São Paulo, principalmente, em bairros da periferia.
É importante também buscar meios para acabar com essa cultura machista, que tem como sua consequência mais drástica a violência contra as mulheres. Acredito que inserir nos currículos escolares da educação básica reflexões sobre a igualdade de gênero seja um caminho para formarmos homens e mulheres mais conscientes. As discussões sobre o crime de estupro são importantes tanto para motivar as vítimas a prestarem queixas, como também, não sei se estou sendo ingênua ao fazer essa afirmativa, evitar que mais violências sexuais contra as mulheres sejam cometidas.
Veja o trailer do filme abaixo:
