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O método marxista e a atualidade dos tempos de crise, guerras e revoluções

Emilio Albamonte

O método marxista e a atualidade dos tempos de crise, guerras e revoluções

Emilio Albamonte

Este texto é baseado em uma versão editada do informe de abertura feito por Emilio Albamonte à Conferência PTS que aconteceu entre os dias 11 e 13 de dezembro. Ele aborda uma série de fundamentos teóricos e históricos para compreender a situação internacional. Entre eles, a definição da época de crise, guerras e revoluções, como quadro estratégico para a crise atual, e a utilidade do conceito de “equilíbrio capitalista” para analisar as relações entre economia, geopolítica e luta de classes. Também discute diferentes respostas à crise e algumas das encruzilhadas colocadas pelo estágio atual para o marxismo revolucionário.

Quero responder a três questões para abrir as discussões da conferência. A primeira sobre a situação mundial atual e o método marxista de encará-la. Vou tomar os programas mais estratégicos e as tendências mais estruturais - o documento de Claudia Cinatti leva os programas políticos e a atualização das tendências que marcam a situação hoje.

A segunda questão é analisar algumas respostas que surgem nesta situação. Vamos tomar algumas correntes com as quais discutimos teoricamente, correntes que saem da academia, que geralmente são correntes pequeno-burguesas e anti-socialistas - enquanto não há, ou são mínimas, correntes socialistas revolucionárias e marxistas na Universidade. Primeiro há que entender o que eles dizem, debater teoricamente a partir do marxismo e, finalmente, discutir seu programa (se eles desenvolverem um programa político, porque nem todos o fazem explicitamente). Entre aquelas que hoje vamos analisar estão as chamadas correntes pós-capitalistas. A camarada Paula Bach tem estudado essas correntes e está escrevendo um livro, do qual adiantamos um capítulo no semanário Ideas de Izquierda.

Por último, vou referir-me à situação do proletariado e em que situação estamos em termos gerais, para além da conjuntura política, do ponto de vista histórico, e porque do nosso ponto de vista a revolução proletária, com todas as enormes dificuldades que tem, é a única saída realista para a crise do capitalismo. Não a crise atual em particular, mas as crises recorrentes que o capitalismo vem passando e que possivelmente voltarão a médio e longo prazo. Ou seja, uma resposta às tendências subjacentes do capitalismo para as quais correntes reformistas de diferentes tipos não podem fornecer uma saída. Essas crises podem ter alguma solução conjuntural, como muitas crises capitalistas tiveram, mas temos que analisar a situação internacional de um ponto de vista marxista, como fez Trótski, a cujo método irei me referir.

A etapa atual e as respostas à crise

No início deste século o marxista britânico Perry Anderson dizia que o neoliberalismo, com sua política de abertura de mercado e globalização, era a ideologia de maior sucesso da história mundial. Do ponto de vista das teorias políticas e econômicas, do senso comum que o neoliberalismo impôs de fato por muito tempo, Anderson parecia ter toda a razão. Todos pensavam em termos de neoliberalismo, tanto em suas perspectivas pessoais quanto nas perspectivas e limites dos rumos que um país poderia tomar na economia, na política e nas questões sociais.

Hoje, depois da crise de 2008, isso mudou. Para quem é mais jovem e sabe menos, esta foi uma grande crise do capitalismo que o desacreditou muito. Primeiro, algumas instituições de crédito afundaram, ameaçando gerar um “efeito dominó”. A crise estava ligada a seguradoras e instrumentos financeiros. Sob a liderança de Obama (promotor do atual presidente Joe Biden), bancos e corporações foram resgatados, investindo trilhões de dólares em todo o mundo, enquanto disseram a milhões e milhões de pessoas que trabalharam durante anos para comprar uma casa que se não pudessem pagar os empréstimos, ficariam sem casa, e assim foi. É assim que o capitalismo resolveu a crise. Então, a economia se recuperou relativamente, mas nunca recuperou os níveis pré-crise em muitos indicadores. Mesmo antes da pandemia o crescimento da produtividade do trabalho e a taxa de lucro, etc., estavam declinando sob o capitalismo em todo o mundo. Michael Roberts, um marxista britânico, em entrevista que realizamos recentemente, analisa como, antes da pandemia, a recuperação que havia sido alcançada após 2008 havia retrocedido após uma primeira fase em que os países centrais foram atingidos diretamente, e uma segunda uma fase em que a China praticamente saiu do curso de queda da economia mundial e não permitiu que fosse uma grande catástrofe. Estes elementos, somado aos massivos resgates, foram aqueles que conseguiram evitar um cenário de crise como o da década de 1930 onde, por exemplo, em poucos anos mais de 8.000 bancos afundaram.

Em 2008 salvaram os bancos e conseguiram evitar esse cenário, embora prolongando uma crise crescente, que se agravou com a pandemia quando a economia parou, com consequências não só econômicas, mas também sociais, políticas e na luta de classes, como veremos. Essa é a crise do neoliberalismo, aquela ideologia de muito sucesso que Anderson descreveu, que conseguiu permear quase todo o arco político, da direita à centro-esquerda.

Com o descrédito dessa ideologia e da ideia de globalização, surgiram fenômenos como, por exemplo, a eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos sob o discurso de que todos os empregos que haviam sido perdidos devido ao livre comércio internacional e aos acordos globalizantes deveriam ser recuperados, ganhando assim os votos dos trabalhadores desempregados no meio-oeste americano. Trata-se de um fenômeno que já se desenvolvia em países europeus e em outros países do mundo, e é o que se chamou de "populismo de direita", baseado na proposição do retorno ao antigo "domínio perdido" do Estado-nação e que organizações internacionais e grandes corporações que teriam ultrapassado os Estados-nação poderiam ser controladas em nível nacional. Trump finalmente teve um único mandato e agora Biden venceu porque aquela promessa não foi e não poderia ser cumprida, além do agravamento da situação por conta do coronavírus. Este panorama é a expressão das fragilidades das duas correntes que existem hoje no neoliberalismo mundial: o “populismo de direita”, que não rompe, mas negocia os termos do neoliberalismo, e o neoliberalismo mais tradicional que se expressa no Partido Democrata americano, Macron na França, Merkel na Alemanha, e até China, etc., que são defensores das teses neoliberais em diferentes graus.

O descrédito do neoliberalismo e em certa medida do próprio capitalismo é generalizado, como resultado das enormes desigualdades criadas pela ofensiva neoliberal, que foi uma reação mundial contra os salários dos trabalhadores, contra o emprego, etc., e que aumentou a desigualdade enormemente. A crise atual, no quadro do coronavírus, agravou ainda mais a situação. Para este ano, o FMI prevê que o Produto Bruto do mundo caia 4,4%, números gigantescos. Isso não significa que não possa haver uma recuperação no próximo ano, mas, por exemplo, em países como a Argentina, que vai cair entre 10 e 12%, levaria vários anos para recuperar os níveis pré-crise. Ou seja, estamos diante de uma catástrofe para grandes setores das massas e temos que partir daí para entender em que situação, em que encruzilhada está o capitalismo mundial.

O problema fundamental que o capitalismo tem hoje é que ele se mostrou incapaz de gerar novos motores de acumulação de capital. Depois que as burocracias dos ex-Estados operários burocráticos se tornaram restauracionistas do capitalismo, o capital encontrou uma nova "floresta virgem", isto é, um lugar para acumular capital. Foi a restauração na China que lhe permitiu por anos conquistar uma mão de obra barata que baixou o preço dos salários em todo o mundo. Agora essa contra-tendência está se esgotando, não apenas porque os salários estão subindo na China, mas porque a China está competindo com os Estados Unidos, com a Alemanha, com as grandes potências. Transformou-se de uma nação pobre, destinada à acumulação de capital das potências imperialistas, em uma nação que compete no mercado mundial pelas oportunidades de acumulação de capital. Daí as guerras alfandegárias e comerciais que temos visto.

Em suma, a chave é que o capitalismo conseguiu impor aquela ideologia triunfante de que falava Perry Anderson, que se tornou senso comum de muita gente não apenas como resultado de uma ofensiva pela ordem e derrota do proletariado do Ocidente, mas também derrotando conquistas acumuladas, como eram o que chamamos de Estados operários - degenerados e deformados - devolvendo-os ao terreno da acumulação de capital, o que não ocorreu na Segunda Guerra Mundial. Em outras palavras, o capitalismo teve um novo fôlego de vida e é isso que está se esgotando. Na crise de 2008 esse esgotamento foi mostrado, e agora é observado novamente.

O método de Trótski

Para analisar a situação e para nos separar dos reformistas de diferentes tipos, consideremos como Trótski colocou a situação internacional: não como uma somatória de fatores, mas como uma estrutura em que o todo é mais do que a soma das partes. Isso implica integrar em nossa análise tanto o estado da economia mundial, como também a geopolítica, bem como a luta de classes. E não como uma somatória, mas sempre tendo em mente que a luta de classes é o elemento definidor.

Trótski destacou que para analisar a situação internacional era necessário partir da economia, ou seja, das relações que a economia mantinha com a política. Por exemplo, estamos dizendo que o capital tem um problema para sua acumulação - a financeirização da economia é uma contrapartida. Mas aqui, além do problema econômico, há um problema político, porque daí começam as disputas entre Estados como o que vemos entre os EUA e a China. Essas tensões geopolíticas para Trótski são fundamentais porque é necessário analisar não apenas as corporações, mas os Estados em que essas corporações se baseiam e as lutas geopolíticas que a economia cria. Portanto, a economia tem problemas para valorizar o capital [1] e isso se expressa nas tensões geopolíticas entre os Estados. Daí Trump com seu discurso permanente contra a China, que, além das formas e certas opções táticas, continua a competição estratégica com a China já desenvolvida durante a presidência de Obama, que foi chamada de "pivô asiático" para cercar a China. A linha de Obama foi preparar e criar uma espécie de bloqueio, que às vezes se vê e às vezes não se vê, desde o sul com Índia, Indonésia, Coréia do Sul até a Austrália. A China, por sua vez, à qual o Mar Meridional pode acabar complicando estrategicamente mais cedo que tarde, cria ilhas artificiais com armas, com o objetivo de enfrentar uma possível saída bélica contra ela.

Essas tensões geopolíticas não ocorrem necessariamente como confrontos militares desde o início, às vezes ocorrem, disse Trótski, como "guerras tarifárias". Foi o que Trump fez contra a China, contra os produtos chineses baratos: os EUA só os aceitam sob a exigência de que a China aumente suas compras em 200 bilhões de dólares em certos bens que os EUA produzem. Essas tensões geopolíticas costumam ser a base de guerras reais, não apenas entre grandes potências, mas também entre potências menores ou regionais. Por exemplo, no artigo de Claudia Cinatti, desenvolve-se o papel que desempenham potências intermediárias como a Turquia, país membro da OTAN, que é o guarda-chuva do Ocidente, e que devido aos conflitos no Médio Oriente e à retirada dos EUA tornou-se uma potência regional. No caso da guerra que recentemente estourou em uma área do que era o território da ex-União Soviética entre o Azerbaijão e a Armênia, a Turquia foi fundamental para inclinar a balança a favor do primeiro. Guerras como essas podem abrir situações cujas consequências costumam ser imprevisíveis.

Trótski sintetiza esse método para a análise da situação mundial na década de 1920. A partir da expansão global do capitalismo e do surgimento da época imperialista, se aprofunda a contradição entre as forças produtivas cada vez mais internacionalizadas, com suas corporações, e o Estado-nação como espaço de articulação das relações de produção. Por exemplo, uma empresa como a Amazon tem 1.200.000 funcionários em todo o mundo, esses tipos de multinacionais têm que contestar o domínio do mercado mundial e impor a política a seus estados, aos quais frequentemente se opõem. Eles se opuseram a Trump porque sentiram que ele os estava incomodando com relações comerciais, mas são a favor de um plano - seja com os republicanos ou com os democratas - para impedir que a China desenvolva e expanda tecnologias de ponta como 5G, e para impedir a China de implantar como uma grande potência, desenvolver seus traços mais imperialistas, e isso pode se traduzir em competição por grandes multinacionais como Google, Facebook, etc. para a qual a China proibiu e controlou a entrada em seu território. O problema é que se trata de uma luta internacional sobre qual monopólio prevalecerá e quais Estados prevalecerão nessa situação. Ao mesmo tempo, há uma contradição econômica interna: que as corporações de um país superam, em certos casos, os Estados. São corporações que exigem que seus Estados baixem seus impostos, mas ao mesmo tempo, os enormes lucros que têm no exterior com centenas de milhares de funcionários, não reinvestem em seus países. Isso cria um problema para os próprios estados capitalistas de como conduzir o país com hegemonias fracas para gerar condições mínimas para evitar revoltas e, em perspectiva, revoluções estourando.

Trótski disse então que era necessário analisar o fundamento econômico e como as tensões geopolíticas se expressavam em todos os momentos - tanto alfandegários, comerciais, etc. - e quando ameaçavam se traduzir em luta militar e luta de classes. Ou seja, não poderia haver análise marxista que não tomasse todos os três elementos. Vinculado a este método, Trótski desenvolve o conceito de “equilíbrio capitalista” para ir contra a ideia mecanicista de que o capitalismo está permanentemente em uma crise mundial que se aprofunda cada vez mais. Em 1921, Trótski o definiu da seguinte maneira:

O equilíbrio capitalista é um fenômeno complicado; o regime capitalista constrói esse equilíbrio, o rompe, o reconstrói e o rompe novamente, alargando, aliás, os limites de seu domínio. Na esfera econômica, essas constantes rupturas e restaurações do equilíbrio assumem a forma de crises e booms. Na esfera das relações de classe, a ruptura do equilíbrio consiste em greves, lock-outs e luta revolucionária. Na esfera das relações entre os Estados, a ruptura do equilíbrio é a guerra, ou, mais sorrateiramente, a guerra das tarifas aduaneiras, a guerra econômica ou o bloqueio. O capitalismo possui, portanto, um equilíbrio dinâmico, que está sempre em processo de ruptura ou restauração. Ao mesmo tempo, tal equilíbrio possui grande poder de resistência; a melhor prova que temos disso é que o mundo capitalista ainda existe [2].

Sem tomar esses três elementos, não teremos análises marxistas, mas análises desconexas que não podem nos permitir prever. Trótski dizia que dirigir é prever, mas isso não significa ser adivinho, mas ter a capacidade de observar quais são as tendências mais profundas: há tendências para a estabilização do equilíbrio capitalista no mundo? Então é uma espécie de situação. Existem tendências para quebrar o equilíbrio? Será outra situação. O que pode quebrar o equilíbrio, a economia, a luta interestadual, a luta de classes, os três elementos? Analisar isso, em termos gerais, nos tira da discussão conjuntural. É um computador para analisar o que está acontecendo no mundo e nos permite entender seus problemas e tensões. Muitos de nós usamos este método, mas temos que explicá-lo aos novos grupos de militantes que começam a participar conosco da luta de classes.

O caráter determinante dos resultados da luta de classes

O que queremos dizer com o que é preciso ver dialeticamente essa contradição que existe entre luta de classes, economia e lutas interestaduais para não cair em visões simplistas que nos impedem de compreender a realidade? Por exemplo, o partido de onde nós surgimos, o antigo Movimento pelo Socialismo, via o mapa da situação mundial entre as décadas de 1920 e 1940 como um mapa de trevas: derrota chinesa, derrota espanhola, fascismo na Alemanha, etc. E a partir de 1945 viam um mapa vermelho: expropriação da burguesia na China, Iugoslávia, Hungria, etc. Mas havia realmente um "mapa das trevas" entre as décadas de 1920 e 1940 e um mapa "vermelho" no período pós-guerra? Vejamos.

Efetivamente entre as décadas de 1920 e 1940, houve enormes lutas revolucionárias e enormes derrotas. Em 1925-27 houve a revolução na China onde os trabalhadores e camponeses foram para o norte para liquidar os senhores feudais, e seguiram o general burguês Chiang Kai-shek. Chegou um momento em que os "senhores da guerra" foram derrotados e o Partido Comunista que acompanhara Chiang Kai-shek sem questionar, não o servia mais. Então Chiang Kai-shek atirou em milhares de trabalhadores de vanguarda e o governo burguês tomou uma parte do norte da China. No romance A Condição Humana, Malraux conta como foram jogados nas caldeiras das locomotivas. Quer dizer, foi uma grande luta e uma grande derrota.

Em 1931 começou a Revolução Espanhola: o governo da monarquia Bourbon caiu e os republicanos venceram as eleições. Os anarquistas, que foram um grande movimento que organizou setores de massa, iniciaram um processo revolucionário que levou a uma insurreição nas Astúrias, no norte da Espanha, em 1934. O governo da República era de direita e mata milhares e aprisiona dezenas de milhares, o que provocou uma reação que fez triunfar um governo de colaboração de classes, o que se denomina Frente Popular. Em seguida, eclodiu uma guerra civil na qual as forças do general Franco se levantaram e queriam derrubar o governo da República. Os anarquistas, os comunistas - que eram poucos - e os socialistas nas cidades onde são mais poderosos, incluindo Barcelona e Madrid, vão com facas, facas e pistolas e enfrentam o exército e o derrotam em muitos lugares. É uma grande luta revolucionária. Mas em vez de ir até o fim e tomar o poder pelos trabalhadores, o stalinismo apoiou o governo da República, seguindo a burguesia que levou ao triunfo de Franco e da classe trabalhadora espanhola. Ou seja, uma revolução de 4 ou 5 anos e uma guerra civil de 3 anos que terminam em uma grande derrota.

Isso para dar apenas alguns exemplos, sem falar da ascensão do fascismo. Na Alemanha já havia derrotas do movimento revolucionário em 1919, 1921 e 1923, e depois da crise dos anos 1930 os fascistas se fortaleceram. A linha do stalinismo na Alemanha não é lutar pela unidade dos trabalhadores social-democratas e comunistas para lutarem juntos contra o perigo fascista que buscava destruir os sindicatos, os clubes operários, as cooperativas, etc., ou seja, reduzir a classe trabalhadora a uma massa amorfa que não tinha possibilidade de se defender; longe disso, o stalinismo afirma que os social-democratas são tão inimigos quanto os fascistas, e isso permite que Hitler triunfe. Não só isso, mas abre uma carnificina muito maior que é a Segunda Guerra Mundial, a primeira guerra verdadeiramente planetária, onde lutam desde a URSS, China, Japão, Europa e até África; até o Brasil participa com 20.000 soldados desembarcando na costa da Sicília. Os Estados Unidos colocam toda a sua produção em função da guerra para vencer os imperialistas alemães, japoneses e italianos que desafiam a ordem mundial.

Assim, vemos o mapa dos anos de 1920 a 1940 marcados por grandes processos revolucionários e grandes derrotas causadas pelas lideranças do movimento de massas, e isso culminou em uma guerra mundial. No entanto, não podemos analisar isso sozinho. A primeira coisa que teríamos que nos perguntar é por que, neste cenário, nem todos acabaram escravizados após a guerra mundial. E isso não aconteceu porque a União Soviética havia surgido; esta havia recuado em suas conquistas, mas os EUA, para vencer os imperialistas inimigos, precisavam apoiar a URSS taticamente. Então os EUA mudaram toda a sua produção e passaram a produzir armas. A produção de aeronaves passou de 3.000 por ano em 1939 para acumular em 5 anos uma produção de mais de 300.000. Esses aviões foram enviados às linhas de frente para apoiar seus aliados ingleses e franceses – com a invasão da França– e a União Soviética, porque “quem é inimigo do meu inimigo acaba sendo meu amigo”, pelo menos por alguns anos. Depois apoiaram a União Soviética e a guerra mundial acabou com a URSS sendo sustentada - apesar do desastre que Stalin fez, que não preparou, mas boicotou, a defesa contra a invasão nazista, e que custou 20 milhões de mortes - e acabou ocupando o Leste Europeu e parte da Alemanha. Mas não só a União Soviética se levantou, como também a China, cujo domínio imperialista foi um dos motivos da guerra mundial, termina com o triunfo da revolução. Os camponeses que sofreram terríveis fomes durante a guerra se levantaram e apoiaram a linha de Mao Tse Tung. Fizeram a reforma agrária onde não só mataram os senhores da guerra, os latifundiários, mas também os usurários que tinham dívidas anotadas em seus livros de contabilidade. Uma onda imparável que leva Mao Tse Tung ao poder. Mao não queria isso, mas sim um governo de coalizão com Chiang Kai-shek, mas as massas o empurraram para tomar o poder.

Para compreender tudo isso, é necessário integrar dialeticamente o conjunto de contradições que perpassavam a situação mundial. Se apenas analisarmos a economia ou o conflito interestatal, e não virmos o papel decisivo da luta de classes seremos surpreendidos por triunfos que se transformam em derrotas - como as grandes revoluções das décadas de 1920 e 1930, devido ao problema de liderança. da classe operária - e por terríveis derrotas que, pela ação das massas, pelos sofrimentos que a guerra cria, se transformam em enormes revoluções. É por isso que Lenin tem a famosa frase que diz que as situações revolucionárias - em geral, e nem falemos de guerra - ocorrem quando o sofrimento é maior do que o normal; que atinge a subjetividade das massas que passam a ação. Às vezes, eles pressionam a burocracia para fazer tarefas que ela não quer, e às vezes conseguem superá-la como na Revolução Russa, onde as massas levaram os bolcheviques ao poder.

Assim, se abordarmos a situação mundial integrando economia, geopolítica e luta de classes, veremos entre 1920 e 1940: economicamente, a crise dos anos 1930; em termos de geopolítica para a Alemanha - que havia sido destruída após a Primeira Guerra Mundial - em desafio à ordem mundial - também Japão e Itália - tensões que levaram à guerra. Ou seja, problemas econômicos, problemas geopolíticos. E o movimento operário, que aparentemente foi derrotado, sai com um resultado muito mais contraditório da guerra. A URSS não só mantém seu território, mas também avança em direção aos Bálcãs, Europa Oriental, até ocupar metade da Alemanha capitalista, um resultado inesperado para todo o mundo. A China faz uma grande revolução. Assim, os EUA têm um grande triunfo no Ocidente, mas com a contradição de que depois de uma guerra que se travou para conquistar maiores espaços de valorização do capital, as economias planificadas, embora burocráticas, expropriaram os capitalistas, e os estados operários deformados e burocraticamente degenerados tiram um terço da humanidade com a valorização do capital.

Agora, isso significava que o mapa estava ficando cada vez mais vermelho? Se olharmos a situação mundial do ponto de vista da geopolítica, da competição interestadual entre dois sistemas, então o "mapa vermelho" existia. No entanto, nesses países não foi possível desenvolver o socialismo "em um único país" a partir de variantes estalinistas nacionais porque, em última instância, isso é o oposto da perspectiva de unir as forças produtivas em nível internacional que reduziria radicalmente a tempo de trabalho e rumo a uma sociedade de produtores livres associados, como disse Marx. Todas aquelas ideologias de conciliação de classes que contaminam não só o reformismo, mas também o senso comum de partidos que se dizem comunistas eram totalmente contra pintar o "mapa vermelho", porque estava cheio de Estados que se diziam socialistas - mesmo Estados africanos que eram disseram nacionalistas - mas que do ponto de vista da luta de classes preparavam a catástrofe que foi o neoliberalismo, quando todas aquelas burocracias que dirigiam aqueles Estados se apropriaram dos bens públicos e se tornaram oligarcas que esmagam os trabalhadores - por exemplo, a restauração do capitalismo na Rússia levou a uma redução da expectativa de vida dos trabalhadores em 10 anos, uma operação contra-revolucionária que só as guerras conseguem; ali isso foi alcançado sem guerra alguma, apenas pela rendição da burocracia que então dirigia a URSS.

Se não integrarmos as diferentes dimensões e o papel determinante da luta de classes na análise, não podemos compreender o que aconteceu. Trótski inclusive opinava que no calor da Segunda Guerra Mundial Stalin poderia ser derrubado, devido a todos os desastres que havia causado em relação à preparação da própria guerra. Ele não foi derrubado; Stalin saiu vitorioso e estendeu o prestígio daquela economia planificada - burocraticamente deformada. A economia da União Soviética crescia de forma sustentada. Aliados à China, eles começaram a crescer e a ser um desafio à ordem mundial. Quem não tivesse analisado a luta de classes não teria visto, por exemplo, que o Partido Comunista, que no início queria frear a guerra contra a União Soviética, se recusou a resistir aos nazistas, uma vez que vê que eles vão contra eles, por muito tempo o que se chama de maquis, que é uma resistência de massa aos anos 1943-44 de trabalhadores que se organizam em células clandestinas para lutar contra os nazistas. Assim, quem não vê a luta de classes, as implicações que ela tem e que em última instância define, não consegue compreender como após 20 anos de horríveis derrotas e uma carnificina, a maior da história da humanidade, no entanto, fizeram com que os resultados da luta de classes mostrassem que os camponeses e operários chineses aproveitaram a situação para tomar o poder e entrar em Pequim em janeiro de 1949, enquanto a URSS pode estender seu território ocupando todo o Leste Europeu. Mas, ao mesmo tempo, o stalinismo, graças ao prestígio que o Exército Vermelho havia derrotado aos nazistas, tornou-se massa no Ocidente, com enormes partidos comunistas que foram a chave para o desvio ou derrota dos enormes processos revolucionários que ocorreram no Ocidente na saída da guerra na França, Itália e Grécia.

Então o proletariado ganhou ou perdeu na guerra mundial? No sentido de que não o derrotaram, ele definitivamente teve sucesso: eles poderiam tê-lo varrido totalmente. Há um triunfo no qual as instituições que o movimento operário criou com as revoluções, mesmo com revoluções deformadas, foram mantidas. Mas a classe trabalhadora triunfou ou foi derrotada? A resposta é que a resolução foi adiada. O resultado foi a chamada "ordem de Yalta". Na cidade de Yalta, o imperialista Churchill, o imperialista Roosevelt e o "líder do proletariado" de todo o mundo Stalin, concordaram em dividir o mundo em zonas de influência e não ir a uma nova guerra, competir mas pacificamente; o que os stalinistas chamam de "coexistência pacífica" com o imperialismo. Ao mesmo tempo, os partidos comunistas no Ocidente cresceram devido ao prestígio da União Soviética e foram colocados a serviço de parar todos os processos revolucionários.

O significado histórico da ofensiva neoliberal

Com o fim da guerra mundial nestas condições, os americanos e, especialmente Winston Churchill, propõem a política de "contenção". Tratava-se de travar uma "guerra fria" e desacreditar o sistema comunista. Até o imperialismo tem que continuar lutando para definir as margens da ordem de Yalta com guerras parciais, como a Guerra da Coréia, a Guerra do Vietnã, etc., para garantir a ordem mundial. Por 40 anos, foi discutida a possibilidade de uma guerra nuclear entre os EUA e a União Soviética. Foi uma "guerra fria" que poderia se transformar em "quente". Em 1962 com a crise dos mísseis com Cuba uma guerra nuclear esteve próxima. Dissemos que um terço da humanidade havia saído do espaço de valorização do capital, então os EUA se puseram a reconstruir potências derrotadas como Alemanha e Japão que mais tarde, desde a década de 1970, começaram a competir e criaram as bases para o início dessas crises recorrentes que estamos passando.

Por volta de 1973-74, o capitalismo começou a passar por uma grande crise econômica, que se generalizou com o que se chamou de crise do petróleo. Os Estados árabes - alguns aliados dos EUA - não querem vender mais petróleo aos EUA. Existem muitas teorias da conspiração sobre os motivos que os movem, mas a verdade é que se criou uma crise de combustível que está ficando mais cara terrivelmente causando uma crise geral do capitalismo mundial.

Ao mesmo tempo, inicia-se o fim de um ciclo ascendente da luta de classes iniciado na década de 1960, na América Latina inaugurada pela Revolução Cubana de 1959, onde o guevarismo terá muita influência. Mas na Europa, onde a classe operária tinha mais peso, ocorreram enormes ações proletárias como o maio francês de 1968, ou as greves na Itália de 1968 a 1973, onde o proletariado se organizou sob a direção, em grande medida, dos chamados “operários” -operaistas em italiano- porque o Partido Comunista, como toda burocracia, considerava os operários vindos do Sul como “segundos” em relação aos do Norte, mais abastados. Então os operaistas, com o slogan de que os trabalhadores do Sul ganhem o mesmo que os do Norte, fizeram ações enormes. O capitalismo conseguiu derrotá-las porque a direção do Partido Comunista, que teve milhões de votos no final da guerra e liderou muitos sindicatos, votou a política de "compromisso histórico" com o Partido Socialista e o Partido Democrata Cristão para que pudessem entrar no governo - porque como eram considerados pelo regime “agentes” da URSS, não podiam entrar. Diante dessa política do PC, desenvolveram-se estratégias militaristas, que se constituíram em um inimigo mais fácil de derrotar aquela ascensão dos anos 1970. Na América Latina, as derrotas desse período foram impostas com os Pinochets e os Videlas, com ditaduras que mataram dezenas de milhares de pessoas e sobre as quais o neoliberalismo foi construído. Assim começa o neoliberalismo; eles perguntam às massas: "Vocês queriam fazer o socialismo pacificamente como no Chile ... Bem, aqui está a resposta"; terrorismo de Estado, ataque às condições de vida dos trabalhadores, etc. Conseguiram parar esses enormes processos, não pela falta de vontade dos trabalhadores de lutar, mas pelos partidos que surgiram e pela política que eles tinham. Mais tarde, voltaremos a esse problema, que é o reformismo.

Ora, o que o imperialismo aprendeu com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, na qual perdeu grandes áreas de acumulação de capital? Tinha aprendido que o melhor que se podia fazer, junto com a competição militar e econômica, era desenvolver até o fim a ideia de comprar as lideranças da classe inimiga - problema que já havia sido discutido pelo marxismo, com conceitos como o "transformismo" de Gramsci -. A cooptação e a corrupção das direções generalizam-se após a Segunda Guerra Mundial; os grandes partidos comunistas, os socialistas, os nacionalistas burgueses como o peronismo, desenvolvem organizações para dividir a classe trabalhadora. O que mais a burguesia quer que os trabalhadores vejam no espelho do "de baixo" um inimigo e se identifiquem com os interesses dos que estão acima! É assim que funciona a democracia burguesa, baseada nos setores médios, conseguindo por meio daquela ideologia - que no neoliberalismo foi amplamente estendida - que as diferentes organizações da burocracia, dos movimentos sociais, da Igreja, etc., podem se dividir em múltiplos setores para que os trabalhadores possam competir uns com os outros.

A "ordem de Yalta" havia sido marcada pelo triunfo da União Soviética e da Revolução Chinesa com um capitalismo que tinha como limite sua acumulação em um terço do globo. Isso começou a mudar na década de 1970. Com a “crise do petróleo” teve início uma série de crises que foram “resolvidas” com uma reação generalizada onde o imperialismo voltou-se aos Estados operários burocráticos dizendo: “Se há esses líderes na China que são burocratas do stalinismo, por que só vamos ameaçá-los de guerra ... vamos comprá-los também”. Assim, aproveitando as próprias crises geradas pela burocracia que solapava os alicerces do deformado Estado operário chinês, o imperialismo ofereceu investimentos em troca da retomada do saqueio. Primeiro foram “zonas especiais” abertas ao capitalismo e depois o Partido Comunista levou a China a se transformar em um selvagem “capitalismo de estado”. Milhões de trabalhadores na China vivem labutando de sol a sol em condições de quase escravidão. Quem realiza este "milagre" de transformar pessoas em escravos? O Partido Comunista Chinês, que numa primeira fase com o triunfo da revolução conseguiu vencer a fome que existia na China com a economia planificada, com a divisão do horário de trabalho para que todos tivessem a sua tigela de arroz e que o os camponeses não morreram de fome. Eles então usaram esse prestígio para restaurar o capitalismo. Hoje a China tem o maior número de bilionários do mundo, mais do que nos Estados Unidos. Esse "sucesso" fenomenal só pode ser alcançado por uma burocracia como o PC chinês, que controla o Estado.

Por isso temos discutido muito a relação entre Trótski e Gramsci - estão nos escritos de Juan Dal Maso - e discutimos os mecanismos por trás do "consenso": quando às vezes parece que nada se move, nada acontece, estão por trás as burocracias que não clamam por nenhuma ação de luta, que deixam os trabalhadores serem demitidos ou que baixem salários, etc. Essas grandes burocracias alcançam a "paz social", mas, no entanto, o descontentamento geralmente cresce de baixo para cima. O consenso não é espontâneo, não é que as pessoas digam "adoro ser explorado", mas sim que a maioria dos trabalhadores se recusa a ter o seu salário reduzido, recusa-se a agravar as suas condições de trabalho, mas os sindicatos, como na Argentina da era Menem, ganham dinheiro para o trabalho social, para sustentar uma enorme ninhada de burocratas que traem seus membros e sua própria base social.

O neoliberalismo foi uma solução reacionária para essa indefinição da relação de forças, produto do resultado contraditório da Segunda Guerra Mundial e cuja resolução havia adiado a “ordem de Yalta”, daí seu significado histórico. Foi imposto com ditaduras na América Latina, no Chile, Bolívia, Argentina, etc. que eles usaram como um "exemplo". Eles derrotaram greves muito fortes como a dos mineiros ingleses, as greves na Itália, a greve dos controladores de tráfego aéreo nos EUA sob o governo Reagan que paralisou a economia norte-americana. Derrotando esses e tantos outros processos, e depois se espalhando pela China, entre outras questões, eles alcançaram o importante período de relativa estabilidade que se chamou neoliberalismo, e impuseram aquela ideologia que teria sido a "mais bem-sucedida da história", como disse Perry Anderson. Isso é o que esgotou em 2008.

Todo o período neoliberal, da mesma forma, foi marcado por recorrentes crises de magnitude, como a crise da tequila em 1994, a crise asiática em 1997, a inadimplência russa em 1998. Veio então a bolha “ponto.com” que acabou explodindo em uma nova crise em 2001-2002. Seguiu-se a "bolha imobiliária" e a expansão sem precedentes dos ativos financeiros, que é precisamente o que explodiu na crise de 2008. Em seguida, veio o maciço resgate estatal de bancos e corporações, e assim chegamos à crise atual.

O capitalismo foi capaz de articular contra-tendências diante das dificuldades que encontrou para a valorização do capital. Mas o que vemos hoje é que todas as contra-tendências implementadas durante a era neoliberal estão se esgotando ou estão praticamente esgotadas. O neoliberalismo se baseava como dissemos, na conquista de novos espaços graças à restauração dos antigos estados operários burocráticos, mas isso se traduziu na ascensão da China, que agora disputa os mercados internacionais; usou a incorporação de centenas de milhões de trabalhadores da China, Índia e outros países em um mercado de trabalho global para reduzir os salários reais em todo o mundo e aumentar os lucros, mas isso não impede mais o capitalismo de carecer de investimentos lucrativos suficientes .

Esses elementos, entre outros, o que nos mostram é que apesar de todas essas conquistas do neoliberalismo, torna-se cada vez mais difícil para o capital se valorizar, e quando a economia falha, quando o capital não consegue encontrar mão de obra barata suficiente, quando tem dificuldades crescentes para sua recuperação, então soluções básicas são impostas. Nós retornaremos a isso mais tarde.

Para resumir, o que eu estava desenvolvendo visa mostrar que a situação mundial é uma estrutura onde o resultado é mais do que a soma das partes da economia, da luta interestatal e da luta de classes; a definição final é dada pela luta de classes. Um general prussiano, teórico da guerra, como Carl von Clausewitz - que estudamos com Matías Maiello - diz que a guerra começa quando os fracos decidem aceitar o desafio. E é verdade. Traduzido para a luta de classes, poderíamos dizer que se os trabalhadores estão convencidos de que não há possibilidade de vitória - e é isso que as burocracias e lideranças reformistas estão tentando perpetuar no proletariado mundial - muitas vezes não há guerra de classes. Mas se o proletariado considera que tem possibilidades, pode fazer maravilhas. Esse é um elemento-chave da teoria trotskista: que o proletariado pode fazer maravilhas se for para a batalha.

Daí a importância do método proposto por Trótski. É um erro considerar apenas as relações interestatais, ou apenas a economia, ou apenas a luta de classes sem considerar os condicionantes objetivos - o que também é um erro. Devemos sempre analisar a estrutura predominante da luta de classes. Este método é muito importante para podermos analisar a situação mundial, e também a nível nacional, como tentamos fazer nos documentos redigidos para esta conferência do PTS.

Um pós-capitalismo utópico

Diante de crises recorrentes, a ideia de um “pós-capitalismo” se tornou mais comum porque o capitalismo é muito desaprovado depois de 2008, o que é uma mudança importante em relação à situação de extrema solidão em que nós revolucionários nos encontramos anteriormente, que, como já apontamos, foi marcada não só por uma crise de direção - porque aquelas burocracias que descrevemos estavam à frente da classe trabalhadora - mas por uma crise de subjetividade, ou seja, o proletariado se considerava derrotado, considerava que ele não podia lutar mais. O ano de 2008 marcou uma virada nesse sentido. No início de 2011 escrevemos com Matías Maiello um artigo intitulado “Nos limites da Restauração burguesa” para dar conta desta mudança, suas consequências econômicas, sociais e políticas. Naquela época se desenvolvia a Primavera Árabe –que foi derrotada–, junto com outros processos que marcaram o retorno de um patamar de luta de classes que não se via há 20 anos –a indignação no Estado Espanhol, em 2013 no Brasil, etc. - e que depois voltou com uma nova onda que teve epicentro na França, desde o final de 2018, com os Coletes Amarelos, e um ano depois a luta contra as pensões com a greve de ferrovias e ônibus que durou quase dois meses. Esse ciclo abrangeu desde países do Norte da África, passando pelo Oriente Médio, até Hong Kong, além da Europa e América Latina, e ameaça ressurgir em maior escala, agregando nada mais e nada menos que os Estados Unidos.

Nesse panorama da crise da hegemonia neoliberal, vem se desenvolvendo uma série de correntes ditas "pós-capitalistas", que tomam isoladamente alguns elementos do capitalismo atual e imaginam um capitalismo que se acaba por si mesmo, que é evolutivamente superado como produto da suas próprias tendências. No semanário Ideas de Izquierda publicamos diferentes polêmicas com essas correntes; entre estes, temos as notas de Paula Bach e Matías Maiello. Estou interessado nessas correntes não tanto porque vão se desenvolver como correntes políticas reformistas, mas porque podem fornecer bases para elas. Eles próprios não têm programas concluídos. Muitos compartilham a alusão a uma espécie de "renda universal" ou "cidadão", que é uma espécie de plano social generalizado; Em vários casos eles levantam com alguma quantia que equivale a um tipo de renda minimamente decente, mas, em última instância, é algo para pressionar o estado capitalista a dar o que ele pode, porque eles sabem que os capitalistas são inflexíveis e que eles não darão. nada mais do que o que você ganha pela luta. Mas, além disso, quero me alongar sobre as bases teóricas que eles postulam.

Uma ideia bastante difundida entre essas correntes é que estamos vivenciando um salto qualitativo no desenvolvimento tecnológico que provoca uma queda irrefreável dos custos de produção dos bens e torna cada vez mais iminente o fim do trabalho pela automação, graças à inteligência artificial, avanços na robótica, etc. Na verdade, o progresso científico e tecnológico é um fato. Mas, como disse Trótski, "o capitalismo foi incapaz de desenvolver uma única de suas tendências até o fim".

É um erro isolar este elemento de toda a economia, geopolítica e luta de classes. Entre os avanços da tecnologia e a automação do trabalho estão nada menos que o lucro capitalista e os Estados como fiadores desses lucros. Sem ir mais longe, por trás da guerra comercial entre Estados Unidos e China, um dos elementos fundamentais é a disputa pela tecnologia 5G, e o objetivo de evitar desenvolvimentos tecnológicos que possam afetar a concorrência econômica e geopolítica. Por outro lado, muitos dos potenciais desenvolvimentos tecnológicos, e ainda mais aqueles relacionados à saúde e ao bem-estar da grande maioria, que envolvem investimentos de grandes somas de capital, não são lucrativos para os capitalistas. Nesse quadro, o que há não é um desenvolvimento evolutivo do capitalismo, mas crises catastróficas e recorrentes.

O desenvolvimento da tecnologia permitiria produzir o mesmo com cada vez menos trabalho, mas o capital precisa de cada vez mais trabalhadores em condições cada vez mais precárias para aumentar seus lucros. Porque a única fonte de seus rendimentos é justamente o tempo de trabalho não remunerado que é roubado do trabalhador por meio da exploração de sua força de trabalho. Portanto, ao mesmo tempo que a força de trabalho para o capitalista é um “custo” que ele quer reduzir, ele não pode prescindir dela porque é sua única fonte de lucro genuíno. Isso significa que longe do “fim do trabalho” que tantos teóricos se apressaram em anunciar, o que existe é cada vez mais precariedade do trabalho, mais massas de subempregados e desempregados de um lado, e mais trabalhadores que têm dias extenuantes para o de outros. O capitalista não se preocupa com a utilidade das coisas que produz para satisfazer uma necessidade, o que importa é o lucro que obtém ao produzir uma determinada mercadoria, e que o lucro não surge das máquinas, que não criam novo valor, mas do tempo de trabalho não pago que rouba o trabalhador.

Na verdade, um dos avanços tecnológicos que hoje é a base das novas tecnologias é a internet, que tem uma origem militar. Para que é usada a internet? Para resolver o problema da fome, para que as pessoas trabalhem menos horas, para que o transporte seja revolucionado, seja mais coletivo e não destrua o meio ambiente? Não. Um dos principais ramos para o qual é utilizado é a publicidade. Assim, a cada ano, um novo iPhone é lançado com pequenas mudanças, então as pessoas precisam comprá-lo. O desenvolvimento de uma propaganda enlouquecedora é função das pessoas que compram aquele produto, mesmo que não expressem nenhuma necessidade real que não seja o do capitalista encher o bolso. É a isso que a grande revolução da Internet se dedica em primeiro lugar. Outro uso fundamental é a indústria do entretenimento. Os marxistas, é claro, não são contra o entretenimento, mas o capital o transformou em uma indústria-chave que requer enormes quantidades de trabalho humano, na qual despeja bilhões de dólares. Portanto, a Internet é usada para entretenimento, publicidade, etc., mas não, por exemplo, para resolver o problema da fome, da moradia e outros problemas terríveis sofridos pelos trabalhadores.

Uma coisa é a introdução de uma tecnologia ou da própria máquina, e outra completamente diferente é a tecnologia sob a direção do capital. A automação não é um fenômeno que pode ser analisado fora das relações sociais de produção capitalistas. Como assinala Marx em O capital, as contradições e antagonismos provocados pela introdução da máquina não vêm da própria máquina, mas do uso que o capitalista faz dela. Considerada em si mesma, a máquina reduz o tempo de trabalho; embora seja usado pelos capitalistas, o prolonga. A própria máquina facilita o trabalho, mas usada pelos capitalistas aumenta a intensidade do trabalho. Considerada em si mesma, a máquina aumenta a riqueza do produtor, mas quando os capitalistas a utilizam, ela o empobrece [3]. Ou seja, a máquina facilita o trabalho, mas sob o comando do capital serve para tirar a última gota de suor do trabalhador. A mesma máquina que aumentaria a riqueza do produtor, utilizada pelo capitalista, se traduz na geração de milhões de desempregados que têm que disputar o mesmo emprego, questão que o capitalista usa para pressionar o trabalhador ocupado - que se torna mais conservador por medo de perder o emprego.

Vários dos autores pós-capitalistas referem-se à afirmação de Marx nos Grundrisse de que o capitalismo, com o desenvolvimento da ciência, da cooperação e do intercâmbio social, tende a reduzir o tempo de trabalho socialmente necessário para produzir e reproduzir o que necessita a sociedade para a sua existência. Mas eles omitem precisamente a outra parte fundamental do argumento de Marx nos Grundrisse: que o capitalismo, em paralelo, procura converter esse "tempo livre" potencial em trabalho excedente, isto é, em lucro capitalista. Por isso, embora o desenvolvimento potencialmente tecnológico possa levar à redução drástica da jornada de trabalho e à geração de tempo livre para o lazer criativo da arte, da ciência e da cultura, isso só é possível sob a condição de acabar com a propriedade privada capitalista dos meios de produção e planejamento racional e democrático da economia de acordo com as necessidades sociais.

O capitalismo, como dissemos com Trótski, não pode levar uma única de suas tendências até o fim. Assim, para valorizar o capital ante os avanços da automação e a queda de sua taxa de lucro nos países centrais, no neoliberalismo se expandiu fortemente em direção à China para conseguir mão de obra barata, e desta forma não apenas “reduzir custos ali” como para usá-lo para baixar os salários do proletariado de todo o mundo. A expansão para a China é acompanhada por uma maior exploração dos trabalhadores no Ocidente. Foram dois movimentos complementares: mais intensidade de trabalho com máquinas e tecnologia no Ocidente e transferência das atividades mais intensivas de mão de obra para a China. Esse é o grande segredo da chamada “globalização”. Durante 20 anos a China forneceu produtos que nos Estados Unidos custavam muito mais para serem produzidos - eram muito mais baratos na China porque tinha uma força de trabalho ultra precária vinda do campo - ao mesmo tempo em que lhe dava oportunidades para acumulação ao capital imperialista. A burocracia chinesa conseguiu aquela monstruosidade de gerar um capitalismo mil vezes mais selvagem do que aquele que conseguiu frear as lutas do proletariado ocidental. Essa burocracia, mais cedo ou mais tarde, não só terá que enfrentar processos de greve, como acontecem periodicamente na China, mas também processos de organização da classe trabalhadora contra a proibição de qualquer pessoa se organizar em sindicatos sem passar pelo scanner do Partido Comunista.

Claro, não pretendemos esgotar aqui, longe disso, a discussão com as teses dos “pós-capitalistas”. Paula Bach está terminando de escrever um livro sobre a discussão científica desses temas que publicaremos no próximo ano. Por outro lado, aqui tomo como certa a explicação de que a máquina não cria valor novo, mas que só o trabalho humano pode fazê-lo, questões para as quais recomendo os cursos de Capital que podem ser encontrados no Campus Virtual La Izquierda Diario. Mas o que quero destacar aqui é que a ideia que permeia as propostas pós-capitalistas - de um desenvolvimento evolutivo da tecnologia no capitalismo que em determinado momento generalizaria a automação e se emanciparia do trabalho - é errada para Marx e contrasta com as tendências do capitalismo atual.

Miséria e renda universal

Alguns autores "pós-capitalistas" falam em "miserabilismo de esquerda" para se referir à administração dos planos sociais como uma atividade privilegiada de muitas correntes, contrapondo-a ao desenvolvimento de novas tecnologias que tenderiam a gerar abundância. Ora, sempre criticamos fortemente o fato de a maioria da esquerda dedicar esforços significativos à administração da assistência estatal, estabelecendo garantias partidárias nas quais os beneficiários devem ser incluídos. Diante disso, propomos a necessidade de um movimento único dos desempregados com liberdade de tendências e a auto-administrarão dos planos pelos desempregados que os percebem. Mas no caso dos “pós-capitalistas”, não há apenas uma ideia de abundância das novas tecnologias que se separa do fim da propriedade privada dos meios de produção, que como vimos é o problema fundamental, mas também Apesar das críticas ao "miserabilismo" acabam reproduzindo um esquema semelhante por meio da ideia de "renda universal" como forma de pressionar o Estado. Assim, para além desta ou daquela denúncia do capitalismo, o que seria proibido é pensar a revolução e uma solução socialista, que é a única coisa coerente face à contradição entre a miséria das grandes massas e a potencialidade dos avanços da tecnologia e ciência, afirmando que a classe trabalhadora deve constituir o seu próprio Estado e apropriar-se dos meios de produção e desses avanços para implantá-los e colocá-los a serviço da redução da jornada de trabalho, a fim de que o trabalho como imposição represente uma fração cada vez menor das ocupações dos seres humanos e desencadeia toda a criatividade humana, que é o objeto do movimento comunista.

Daí o caráter miserável das propostas dos pós-capitalistas, que negam a perspectiva da revolução operária e socialista e nos dizem que, enquanto aguardamos o desenvolvimento tecnológico para libertar a humanidade por si, temos que aceitar que a riqueza social se concentre. em um punhado de capitalistas que possuem a mesma riqueza que metade da humanidade e se contentam no máximo com uma "renda universal" ou "renda do cidadão" que seria uma espécie de generalização de planos sociais melhorados.

Alguém que não é um "pós-capitalista", mas um economista do mainstream como Thomas Piketty, argumenta que o neoliberalismo levou ao extremo as tendências de concentrar riqueza em um punhado de bilionários, escoltados por um setor da classe média mais rica, enquanto as grandes maiorias o fosso com esses setores tem aumentado cada vez mais. Não é que os padrões de vida tenham necessariamente caído brutalmente, mas se os capitalistas aumentassem sua riqueza em 100.000, a vasta maioria dos trabalhadores aumentaria em 1, se possível. Ou seja, um grande aumento da desigualdade, que é a chave do neoliberalismo e é percebido pela grande maioria. Diante disso, Piketty argumenta que, como existem aqueles que são tão milionários, como eles acumularam tanta riqueza, enquanto os trabalhadores se aglomeram nas cidades-favelas como Mike Davis as chamou - um planeta de favelas onde vivem mais de um bilhão de pessoas -… Piketty propõe que os capitalistas paguem mais impostos para dar algo às grandes massas.

O que nos torna revolucionários e não evolucionistas reformistas é que acreditamos que não há solução sem expropriar os meios sociais de produção dos capitalistas. Mas como isso é proibido para o pensamento acadêmico, Piketty chegou a propor o estabelecimento de alíquotas de 90% como alternativa para reduzir a desigualdade sem acabar com a propriedade privada capitalista. Agora, a suposição é que burgueses como Jeff Bezos, ou Bulgueroni, ou Rocca, aceitariam pacificamente impostos de 90%, o que é ridículo. Basta ver o que aconteceu na Argentina em 2008 simplesmente por causa de um pequeno aumento nas retenções nas exportações de soja quando era de US $ 600 por tonelada; a burguesia do campo quase armou uma insurreição. Para impor impostos de 90% aos grandes burgueses, uma revolução teria que ser feita, mas se uma revolução ainda deve ser feita, por que deixaríamos os grandes meios de produção e troca, fábricas, transporte, etc. nas mãos dos capitalistas Em vez de colocar tudo para produzir a serviço da classe trabalhadora, qual é a meta do socialismo?

Isso é muito importante para o PTS porque na Argentina os últimos anos foram de baixa luta de classes e o avanço da esquerda estava intimamente ligado à FIT, que é uma frente eleitoral que fala pouco de revolução porque a ideia de revolução ainda não é compreendida pelas grandes massas. Mas, como Marx e Engels disseram, os comunistas não podem esconder suas idéias e propósitos comunistas das massas; quem o faz deixa de ser comunista. Portanto, temos que quebrar nossas cabeças para ver como expressamos mais popularmente nosso comunismo, embora ainda não possamos transformá-lo em agitação em massa. Por exemplo, a campanha que fizemos sobre a “redução da jornada de trabalho para trabalhar menos e trabalhar tudo”, visava justamente colocar em cima da mesa a questão da redução da jornada de trabalho, a necessidade de que os avanços da ciência, da técnica e da cooperação do trabalho são arrancados do controle do capital para avançar em direção a uma sociedade livre da necessidade, do trabalho como imposição, etc. que poderia fazer maravilhas hoje impensáveis.

Obviamente há 1% de capitalistas com base em 20% da população de classe média alta - que na Argentina vota no PRO, junto com aqueles que se sentem identificados com este programa, que chegam a 40% e compram o ideia de progresso individual, de “quero acumular”, “quero ter”, etc. - para a qual essas ideologias são funcionais. As proposições de que há possibilidade de superação do capitalismo por meio de uma reforma, seja pela aplicação universal das máquinas dirigidas pelo capital, seja por meio da arrecadação de mais impostos, representam planos utópicos que se desviarão, em última instância, de uma perspectiva da revolução proletária.

Uma época de crise, guerras e revoluções

A guerra imperialista de 1914 marcou o início da "época de crise, guerras e revoluções", como a chamou Lenin. Agora, o marxismo revolucionário chega relativamente tarde a essa definição. Já entre 1899 e 1902 ocorre a chamada guerra Anglo-Boer, onde os ingleses matam os colonos holandeses e começa uma virada para a guerra. Entre 1904 e 1905 ocorreu a guerra entre os impérios russo e japonês, na qual ocorreria a Revolução Russa de 1905. Entre 1912 e 1913 ocorreram as guerras dos Balcãs, onde os eslavos se matam com a população muçulmana (Trótski será um cronista proeminente dessas guerras). A ala revolucionária da Segunda Internacional cruzou a lança com o revisionismo que vislumbrava um apaziguamento do capitalismo – similar aos atuais “pós-capitalistas” de que falamos. Porém, chega às principais conclusões sobre o tempo já com a guerra na ou na a própria guerra. Por exemplo, os escritos fundamentais de Lenin, como Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo, ou seus cadernos sobre Clausewitz, etc., são posteriores à eclosão de 1914. E estamos falando sobre os revolucionários mais proeminentes do século 20, com os quais tem que ser um alerta de como devemos aguçar a nossa visão, a partir de tudo o que o marxismo desenvolveu, para ter uma perspectiva completa do palco que estamos vivendo.

O grande problema é não repetir as coisas mecanicamente. Na década de 1930, o desemprego era maior do que hoje e ocorreram grandes derrotas. Nesse contexto, havia grandes massas marginais porque o capitalismo tinha muita mão-de-obra barata, mas não podia valorizar o capital. No entanto, os capitalistas têm uma saída eficaz para isso, que é muito difícil de conduzir política e socialmente, mas que é eficaz: a guerra, incluindo a guerra nuclear. No segundo pós-guerra a hipótese de uma guerra nuclear entre os EUA e a Rússia foi discutida em termos de “Destruição Mutuamente Assegurada” porque se, por exemplo, os EUA bombardeassem e liquidassem Moscou, em minutos a URSS poderia lançar outra bomba e destruir Los Angeles, Califórnia. Os imperialistas discutiram muito como uma guerra nuclear poderia ser travada destruindo cidades e aproveitando as trocas nucleares que lhes permitiriam impor-se à URSS. Hoje pode parecer estranho, mas milhares e milhares de páginas foram escritas sobre essas discussões. Henry Kissinger argumentou que o problema com uma guerra nuclear não era a guerra nuclear em si - haveria algumas centenas de milhões de mortes, mas esse não seria o problema -, mas que as mortes ocorreriam muito rapidamente e não dariam tempo às pessoas assumi-los, dificultando muito o funcionamento de um sistema após uma guerra nuclear e impedir uma revolução que derrube o governo ou quebre diretamente o Estado. Em outras palavras, ele vê isso como um problema de como conduzir uma guerra nuclear, não como um problema por causa da tragédia que isso criaria.

Por que estou introduzindo o assunto da guerra? Porque o capitalismo pode inventar todas as contra-tendências, ele pode criar bolhas - como a da moradia que ruiu em 2008 - pode se espalhar para a China e fazer a revolução dar passos atrás e transformá-la em uma contra-revolução. Os capitalistas podem inventar muitas coisas, mas as possibilidades do capitalismo encontrar uma solução para suas crises não podem se desligar da organização do movimento operário, da luta de classes e das revoluções, da ação dos revolucionários. Se esses elementos fundamentais forem apagados, é obviamente mais possível que o capitalismo encontre uma solução para sua crise. Mas se você não consegue encontrá-lo e suas contradições internas o impedem de acumular capital, você tem à disposição a linha que aplicaram na Primeira e na Segunda Guerra Mundial, que é destruir as forças produtivas, destruir pontes, fábricas, edifícios, estradas, etc. e que essa destruição sirva para recriar um terreno fértil para a acumulação de capital. Isso aconteceu durante os 30 anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, onde havia pleno emprego e altas taxas de crescimento nos países centrais, razão pela qual aqueles anos foram chamados de "os 30 gloriosos" do capitalismo. Esses "30 gloriosos" acabaram no neoliberalismo, porque, não acabando em revolução, uma vez que a taxa de lucro começou a cair porque o impulso de reconstruir a Europa havia se exaurido definitivamente, eles começaram o ataque em larga escala por as conquistas dos trabalhadores.

Aquele que não entende que as tendências do capitalismo para a guerra mais cedo ou mais tarde prevalecem, e que a revolução e a guerra andam como espelhos uma com a outra, não pode entender completamente os tempos em que vivemos. Quando falamos em guerra, não significa que tenha de começar como uma guerra generalizada entre grandes potências. Pode começar como uma guerra de poder menor na qual as grandes potências se juntam. Por exemplo, já houve guerras entre a Índia e o Paquistão, onde a China é aliada do Paquistão e vende grande parte de suas armas a ele, e que na situação atual poderia se transformar em uma guerra mais ampla onde o imperialismo norte-americano e europeu não ficaria para trás. braços cruzados. Então, pensar que as contradições mais profundas que dificultam a valorização do capital podem ser resolvidas pelas próprias leis do capitalismo no médio e longo prazo, e não que essas tendências mais profundas nos levarão a guerras regionais que podem se transformar em guerras globais, é uma visão ingênua.

Em geral, muitos marxistas são céticos de que haja uma época de crise, guerras e revoluções. As crises já são mais difíceis de negar, houve 2008, a crise atual. Sobre as revoluções, às vezes é aceito com relutância que elas podem acontecer. Mas as guerras, guerras em grande escala como a Segunda Guerra Mundial, parecem ser consideradas impossíveis, o que, como dissemos, é pelo menos uma visão ingênua e superficial do capitalismo da época.

Como disse Trótski, não pregamos a guerra, mas que as contradições do capitalismo estão agindo profundamente para gerá-la, não podemos esconder. Por exemplo: as crises atuais não atingiram o nível da crise de 1929, mas se transformarem em tal crise, se mais de 8 mil bancos caírem, então as tendências para a guerra vão se abrir nos Estados Unidos e Biden vai se transformar em um grande guerreirista. Ele já tem o antecedente de seu mentor, Obama, a quem Perry Anderson chamou de "o senhor dos drones" por realizar milhares de assassinatos seletivos durante sua presidência, o mesmo que criou aquele pivô que mencionamos para cercar a China, que se defende por sua parte criando ilhas de artilharia. Desse ponto de vista, as tendências mais profundas para a guerra e a revolução, e todas as dificuldades maiores do que o normal que o capitalismo cria, são questões que levam à revolução.

Hoje o capitalismo está em dificuldades crescentes. As contém por meio de concessões parciais, mas é incapaz de conter as contradições mais profundas que o atravessam. No caso das contradições interestatais, como aponta o artigo de Claudia Cinatti sobre a situação internacional, mesmo que Biden ganhe, não é possível voltar à situação anterior à posse de Trump. O conflito com a Rússia continuará, o conflito com a China continuará, os conflitos regionais continuarão. Temos um cenário com tensões interestaduais, aumentando as dificuldades para a acumulação de capital. Respostas revolucionárias e belicosas estão inscritas na situação. Nós revolucionários acreditamos que embora a situação seja muito complexa e que embora a revolução esteja cheia de dificuldades, é uma solução muito mais realista do que as soluções reformistas que em última análise não resolvem nada e que conduzem a massas cada vez maiores. à pobreza, porque o capitalismo encontrou um limite para sua acumulação desde os anos 1970 e suas crises são cada vez mais recorrentes e profundas.

Isso não significa que a crise atual seja a crise final, nem a guerra final, nem a luta de classes final, nem a revolução proletária final; dizer isso seria ridículo. Mas em cada um dos processos que surgem, podemos avançar na construção de um partido proletário e muitos deles podem nos abrir uma perspectiva revolucionária.

Por que e como lutamos

Se quisermos reduzir algumas dessas questões a um exemplo mais próximo, podemos pegar as imagens de Tartagal e General Mosconi em Salta em 2000-2001. Naquela época, os funcionários públicos recebiam seus salários com vários meses de atraso; A Repsol, que havia ganhado bilhões de dólares quando a YPF foi privatizada, deixou milhares de petroleiros nas ruas. Naquela época, petroleiros, funcionários públicos, professores emboscaram a polícia. Grandes manchetes na imprensa diziam "Emboscada à polícia". Esta não é a Revolução Russa, é a Argentina de 2000. Nas fotos da época você vê trabalhadores que assaltam uma fábrica, petroleiros e todos desempregados com os suprimentos retirados da gendarmaria. Em outras palavras, sofrer mais do que o normal muda a maneira de pensar e agir de pessoas que podem ser muito passivas e pacíficas. As pessoas não querem guerra, querem paz, mas se a alternativa é morrer de fome, muitas pessoas não aceitam. Com uma situação atravessada por confrontos deste tipo, veio dezembro de 2001, e depois veio o ataque da brutal desvalorização dos salários e da chamada “pesificação assimétrica”. Agora, depois disso, os preços das matérias-primas começaram a subir e a economia mundial começou a se recuperar e a situação foi salva, mas se houvesse mais 3 ou 4 anos de crise, a situação argentina poderia ter se tornado abertamente revolucionária.

Então, a necessidade de construir um partido revolucionário enquadra as discussões que temos que fazer nesta conferência porque crises como a que estamos vivendo agora, que leva ao desemprego, os precários que vêem sua renda cair repentinamente, mudam seus modos de pensar e agir sobre as pessoas, numa situação cada vez mais difícil de conter. Isso como eu disse, não significa que seja a crise final ou o confronto final. Não sabemos quando, mas seja o que for, seja em 2 ou 3 anos, já temos que nos preparar. Isto é, se avançarmos para um partido de 10.000 ou 20.000 trabalhadores que por sua vez tem um peso em 10 ou 15% da classe trabalhadora, desde os empregados formais, aos trabalhadores estatais, professores e precários, é que demos um salto de gigante para se preparar para esta ou a crise futura.

Ao mesmo tempo, sabemos que esses processos não se esgotam a nível nacional, por isso somos internacionalistas e lutamos juntamente com os grupos FT-CI, pela reconstrução da Quarta Internacional. Como aponta a teoria da revolução permanente, a revolução começa em nível nacional, continua em nível internacional e termina por unir as forças produtivas em nível mundial para usar toda a técnica e ciência a serviço da redução da jornada de trabalho. Em outras palavras, faça uma associação de produtores livres.

Lutamos por uma sociedade socialista onde cada um dá de acordo com sua capacidade à sociedade, e tira da sociedade o que precisa para viver. Não apenas o básico, mas todos os bens (de ciência, cultura etc.) de que você precisa para viver. Como disse Trótski, não somos ascetas, não somos monges, não somos contra produtos de “luxo”; O que somos contra é que 1% tenha produtos de luxo e o resto não tenha que comer. Não somos contra a propriedade privada no sentido de que as pessoas tenham casas, não somos contra as pessoas que tenham carros, não dizemos aquelas coisas ridículas que nos atribuem. Somos pela nacionalização dos grandes meios de produção e troca, da expropriação dos latifundiários que possuem dezenas de milhares de hectares e, junto com o capital financeiro internacional, levam todo o dinheiro para o exterior. Somos contra as grandes fábricas - feitas até com contribuições do Estado, como Techint ou Aluar - ou todas as grandes fábricas de automóveis com capital estrangeiro, que levam para a sua sede tudo o que explora o trabalhador. Somos contra isso; nosso ideal não é ridículo, infantil ou pobre, ou seja, não queremos ser todos pobres, mas distribuindo melhor a escassez – embora a revolução tenha que passar por momentos de pobreza no início; nosso objetivo é desenvolver a revolução na arena internacional, e sabemos que esse processo não pode ser concluído se o proletariado dos EUA não conseguir desarmar a loucura de armas de todos os tipos - incluindo armas nucleares - nos EUA.

Nos Estados Unidos quase 750 bilhões de dólares por ano são destinados em gastos militares, para fazer submarinos nucleares, mísseis Tomahawk, aeronaves invisíveis ao radar, armas nucleares, etc. O Estado não pode oferecer seguro saúde universal, mas gasta na Defesa quase o dobro do que produzem 45 milhões de argentinos em um ano. Os setores populares americanos, por exemplo, mostraram vitalidade na luta contra o racismo na resposta ao assassinato de George Floyd. Não só na esquerda em geral suscitado pelo fato de votarem em Sanders, que era reformista, mas também na luta direta, nas mobilizações ocorridas, algumas pacíficas e algumas violentas. O proletariado norte-americano também pode ser abalado por uma onda de revoluções que não necessariamente começará nos Estados Unidos, mas pode começar em países mais fracos e se espalhar, como aconteceu, por exemplo, com a Revolução Russa, que entre outras coisas inundou a Argentina e a América Latina de comunistas - o comunismo deixou de ser marginal para ser um movimento importante na América Latina graças à Revolução Russa. Esta é a norma: as revoluções se espalham, geram simpatia e, por exemplo, se conseguissem diminuir a jornada de trabalho e garantir que todos pudessem viver mais com dignidade, seria um grande exemplo para os trabalhadores de todo o mundo eles vão desarmar a loucura de suas classes dominantes.

É por isso que lutamos. Na forma como se luta estão os maiores erros do trotskismo do pós-guerra. O que os trotskistas propuseram no período pós-guerra? Na URSS, eles não tentaram construir um partido; eram poucos e a situação da construção ali era muito difícil. Agora, no Ocidente, por causa do sucesso que a União Soviética estava tendo, por causa do prestígio que a derrota dos nazistas havia lhe dado e porque estava crescendo economicamente, os partidos socialistas e comunistas tornaram-se enormemente massivos, tantos trotskistas se tornaram "assessores" desses partidos - para dizer todo o Secretariado Unificado - procuravam assessorar a burocracia em como lutar, o que era um disparate. Essa orientação foi proposta por Michel Pablo em 1951 no documento “Para onde vamos?”. A partir daí, eles implementaram o que foi chamado de “entrismo sui generis” para esses partidos. "Sui generis" porque não era tática de um movimento entrista conquistar os elementos de vanguarda para construir um partido revolucionário independente, mas sim o objetivo era permanecer dentro desses partidos comunistas. Eles acreditavam que uma guerra mundial aconteceria entre a URSS e os Estados Unidos e que, quando esse momento chegasse, a burocracia stalinista teria que virar para a esquerda, e então, estando dentro desses partidos, eles poderiam ganhar a liderança. Isso não aconteceu. Em competição com o capitalismo, o capitalismo venceu. Não havia possibilidades objetivas para os trotskistas liderarem qualquer processo revolucionário nos países centrais. Mas o que dependia subjetivamente do trotskismo era a possibilidade de construir correntes trotskistas em nível nacional e internacional, mesmo que fossem de vanguarda. Ao se dedicarem a ser "assessores" dessas burocracias do Ocidente, os setores agrupados em torno do "Secretariado Unificado" abandonaram essa perspectiva. Ao mesmo tempo, os setores do trotskismo que se opunham a essa orientação, os chamados “antipablismo”, não eram uma alternativa consistente para a construção dessas correntes, o que fez com que o trotskismo como um todo fosse muito mal aos grandes acontecimentos históricos decisivos.

Desse ponto de vista, acho que nossa conferência deveria ter como lema: basta de viver do capital político histórico acumulado. No vídeo que fiz em homenagem a Trótski em agosto deste ano, comentei como os trotskistas morreram nos campos de concentração da URSS gritando “Viva Trótski!”, como lutaram contra os fascistas, contra o stalinismo e contra os imperialistas "democráticos". Essa afirmação é boa, mas há correntes que ao longo do ano colocam todas as suas energias na rotina dos diferentes cenários eleitorais (político e sindical), e até na gestão assistencial do Estado, e uma vez por ano a homenageiam Trótski. Isso é viver emprestado do trotskismo. E nós também, camaradas, temos que pensar profundamente sobre isso: se há uma crise, que não é necessariamente "a última", mas que agrava as condições anteriores, e não estamos tentando construir um partido revolucionário que dobre ou triplique os membros que temos agora, o que entre muito mais nos sindicatos, que organiza os trabalhadores sindicalizados, que organiza os precários, que participa das ocupações de terras - isto é, não apenas do movimento dos trabalhadores formais e do movimento estudantil - se não fizermos tudo isso, vivemos da herança emprestada do trotskismo. Se fizermos tudo isso, se lutarmos com consistência suficiente para que o método de auto-organização prevaleça onde um líder não vem e envia você, etc. então nosso caminho está aberto para não mais tomar emprestado da herança de Trótski e começar a acumular nosso próprio capital político revolucionário. Temos que construir um partido revolucionário, operário e socialista, temos que transformar e colocar em ação essa acumulação primitiva que fizemos muito lentamente ao longo de longos 30 anos.

Quando falamos em centrismo, queremos dizer que até o nosso próprio movimento está contaminado pela lógica da burocracia sindical. Há algum tempo tivemos uma grande discussão com um grupo chamado Liga Revolucionária da Quarta Internacional: dissemos que existe centrismo, e eles responderam que não, que não existe centrismo trotskista, que se cristalizou e não poderia evoluir para a esquerda. Recusamo-nos a fazer essa caracterização. A experiência que estamos fazendo na França, por exemplo, nos mostra que ao aderir ao NPA, com quem tentamos chegar a acordos de princípio com as esquerdas daquele partido para lutar pela constituição de um verdadeiro partido revolucionário na França, conseguimos avançar na aproximação e ganhar para o trotskismo um setor dos melhores trabalhadores de vanguarda e agora temos mais de 200 camaradas, com camaradas como Anasse Kazib, que é um grande dirigente ferroviário, que discute com políticos burgueses na televisão, entre outros camaradas. que são referências importantes de suas fábricas e sindicatos - claro que o NPA não administra os planos sociais do Estado, se fosse assim, uma política como a que tínhamos na França seria muito mais difícil. Vejamos outro exemplo: na Conferência Latino-americana que organizamos com as forças da FIT - que serviu para politizar os debates, mas onde se mostraram grandes diferenças na política internacional dos diferentes países entre as forças que participamos - houve camaradas que criticaram o PSOL do Brasil especialmente porque seu programa não é socialista. Tudo bem, mas o principal problema que o PSOL tem é a relação com o Estado, o que faz com que prevaleçam as correntes mais de direita dentro dele. O novo MAS diz que o voto de Guillerme Boulos no segundo turno da eleição para a prefeitura da cidade de São Paulo fortalece a esquerda no Brasil, quando para essa eleição Boulos fez um acordo com todas as correntes burguesas contrárias ao Bolsonaro tentando obter mais votos. Nós, que fomos com candidaturas democráticas nas listas do PSOL – legenda que é usada no Brasil para correntes que não obtêm legalidade própria devido ao regime proscritivo que prevalece no país, e que nos permite apresentar um programa próprio nas listas de outra organização - nos recusamos categoricamente a apoiar a candidatura de Boulos em aliança com todas as correntes burguesas, que não é um avanço da esquerda, muito pelo contrário.

Voltando à Argentina, temos a FIT, que é uma ótima ferramenta para fazer agitação política e concorrer às eleições; Isso é bom, mas temos que ter muito claro que esta não é nossa estratégia, nossa estratégia é construir um partido revolucionário. A luta parlamentar está por trás da luta extra-parlamentar. Viemos de anos em que participamos dos principais combates da vanguarda operária, mas no marco de baixa luta de classes. Temos que aproveitar os fenômenos da luta de classes que começam a surgir para intervir com ousadia e nos preparar para a situação que se abre. É isso que vamos discutir na Conferência.

Mas quero enfatizar que o que está escrito nos documentos nacionais não é "a exceção argentina" porque na Argentina está se desenvolvendo uma situação revolucionária e estamos a caminho de tomar o poder. Não estamos dizendo isso; estamos dizendo que existe uma situação incipientemente pré-revolucionária. Procuramos ser o mais sóbrios possível em nossa caracterização, e não como o centrismo onde tudo passa por competir por quanto mais à esquerda cada um vê a situação - por exemplo, no MAS dos anos 1980, desde o início da crise a partir da ditadura fez a caracterização de que existia uma situação revolucionária que continuou a ser mantida, mesmo após a ascensão de Alfonsín ao governo. E eles não mudaram isso em mais de uma década. Quando é assim, as palavras perdem o significado. Estamos discutindo com a maior precisão possível quais são os elementos da situação, propondo a definição de “incipientemente pré-revolucionário” para definir como estamos localizados.

Para ir concluindo, as tendências mais profundas à guerra e à revolução – que mais cedo ou mais tarde vão se impor – e às crises recorrentes, em última instância, não têm saída senão por meio de revoluções que parem a guerra ou por meio de guerras que acabam com uma parte da humanidade. Com isso me refiro às alternativas de solução para a crise de um capitalismo que não encontra seus próprios motores de acumulação. Não estou falando de que existe uma data para a revolução, mas sim que essas são as tendências mais profundas em um tempo de crise, guerras e revoluções. O boom do pós-guerra acabou na década de 1970, começou o neoliberalismo, que foi um desvio reacionário feito pelo capitalismo; várias bolhas se seguiram. Agora podem estourar bolhas que duram dois ou três anos - ninguém diz que não vão conseguir sair dessa crise e que portanto no ano que vem a revolução virá inevitavelmente na Argentina, por exemplo. O que estamos dizendo é que não aproveitar as oportunidades que a situação apresenta e viver da herança emprestada do trotskismo nos tornaria não revolucionários, nos tornaria um grupo de propaganda não revolucionário. Não podemos viver de empréstimo e dizer "nós, trotskistas, sempre tivemos razão porque sempre denunciamos os crimes de Stalin, Hitler e nossos camaradas morreram heroicamente na Alemanha nazista, na França de Vichy, na União Soviética". Nesse sentido, temos que construir não só o PTS, mas toda a FT-QI. Temos que quebrar a cabeça não só para tornar desejável o objetivo de uma sociedade socialista e em uma perspectiva comunista, em que o trabalho humano seja libertado das restrições impostas pelo capitalismo e possa ser reduzido ao mínimo, e permita o desenvolvimento da cultura, da ciência e tudo o que faz o ser humano, mas também articular as formas de consegui-lo.

Variantes reformistas de longo prazo não existem e não podem existir; só pode haver articulações de curto alcance. Os projetos de longo prazo de que a técnica, atuando como fator independente, consiga superar as contradições do capitalismo não são cientificamente verdadeiros e nem apostamos nisso. Apostamos que as mobilizações, que se partem de um programa mínimo que têm, podem ir elevando-se até que os trabalhadores conquistem o poder operário em cada país, e em perspectiva a nível internacional e global. Este é o marco em que teríamos que fazer as discussões da conferência PTS. Em outras palavras, não estamos discutindo no marco de um mundo cercado de potências capitalistas em ascensão e a Argentina é a exceção. Estamos cercados por essa situação, grande parte do mundo, inclusive as grandes potências vivem essa situação. Até que haja golpes contrarrevolucionários que nos deixem isolados, esta é uma situação muito promissora para nós. Queria colocar isso para servir de base aos documentos que vamos discutir seriamente, com sobriedade, nestes dias de conferência, para ver como podemos seguir em frente.


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FOOTNOTES

[1O capital é definido por Karl Marx como um "valor em processo", ou seja, está em crescimento permanente a partir da extração da mais-valia da força de trabalho explorada (única fonte de todo lucro), que é o que permite que o valor original se valorize (aumentar seu valor graças à mais-valia que extrai da força de trabalho). O capital também é um valor em processo porque é compelido a aumentar a escala em que opera, graças ao reinvestimento da mais-valia. Esse reinvestimento, que Marx chamou de "acumulação de capital", exige que haja sempre uma massa suficiente de força de trabalho adicional disponível e mercados para as mercadorias produzidas. Mas mesmo quando essas condições são satisfeitas, a própria acumulação de capital atua contra a possibilidade de continuidade da valorização: para Marx, um dos resultados dessa acumulação é a tendência à queda da taxa de lucro.

[2León Trótski, Los primeros 5 años de la Internacional Comunista, Buenos Aires, Ediciones CEIP-León Trótski, 2016, p. 203.

[3Marx, Karl, El Capital. Crítica de la Economía Política, Tomo I / Vol. 2, México, Siglo XXI, 2001, p. 537.
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Emilio Albamonte

Dirigente do PTS, membro do Staff da revista Estratégia Internacional
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