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Escalada reacionária | O avanço do autoritarismo neoliberal e as forças para combatê-lo

As últimas semanas não foram boas para a classe trabalhadora e os oprimidos. Os últimos acontecimentos marcaram um aprofundamento da degradação bonapartista do regime político e uma escalada quase sem precedentes nos ataques contra as condições de vida do povo.

Thiago FlaméSão Paulo

quinta-feira 19 de agosto de 2021 | Edição do dia

A partir do golpe institucional temos visto o aprofundamento de medidas bonapartistas, primeiro com o judiciário assumindo a tutela do regime político, desferindo o golpe institucional e interferindo nas eleições de 2018 com a prisão arbitrária de Lula, apoiados e pressionados pelos militares, que até então sob o comando de Villas Boas participaram de toda a articulação golpista e deram apoio ao governo Temer se mantendo como apoiadores do bonapartismo judicial. Desde a eleição de Bolsonaro, talvez tendo como antecedente a intervenção federal no Rio de Janeiro, gradativamente as forças armadas têm se colocado mais no centro do governo e do sistema político, reivindicando para si o papel de poder moderador e de arbitro reacionário e dando apoio, até agora, aos fortes ataques de Bolsonaro ao STF. Desde a nota conjunta do ministério da defesa com os comandantes das três armas contra o presidente da CPI que havia falado de uma suposta “banda podre do exército” em referência ao general Pazuello, as forças armadas estão aprofundando sua participação política e avançando a degradação bonapartista do regime político.

A intervenção direta dos EUA nos assuntos internos do Brasil também aumentou significativamente após a visita do presidente da CIA e depois de representantes diretos de Biden. Toda a pressão que vem no sentido da “destrumpização” do governo Bolsonaro, diminuir o peso dos setores mais alinhados com Trump como Ernesto Araújo, dos setores mais facistizantes e pressionar sobre a política para a Amazônia, cujo último lance foi a prisão de Roberto Jefferson entra em rota de colisão com a agitação de Bolsonaro, apoiado pelos militares, pelo voto impresso e ameaçando um “capitólio” brasileiro em 2022.O maior peso do centrão no governo, principalmente com entrada de Ciro Nogueira na casa Civil dá uma base provisória para Bolsonaro no Congresso, mas não deixa de ser funcional também aos EUA e ao governo Biden, tendo em vista os acordos que vem sendo levados adiante com a Ericsson entre outros pelo próprio Ciro Nogueira e o posicionamento deste favorável ao Partido Democrata nas questões mais importantes: invasão do capitólio, pressão contra Ernesto Araújo, discurso sobre a pandemia e sobre Amazônia.

A própria administração Biden, que já vinha vendo suas margens de atuação contra Bolsonaro debilitadas pela crise do PSDB e dos seus aliados tradicionais e pelas necessidades estratégicas de conter o avanço da China na América Latina, que tem no próprio Bolsonaro um dos seus principais obstáculos, agora tem que lidar com uma crise importante no Afeganistão que certamente vai impactar na sua política para a América do Sul. No caso do PSDB essa crise ainda se agravou com saída de Alckmin e com a ida de Rodrigo Maia para o governo Dória e a declaração de apoio a sua pré-candidatura por parte de FHC, numa tentativa de tentar impulsionar seu nome que até agora não se mostrou competitivo para 2022.

A reabilitação de Lula e seu enorme crescimento nas pesquisas acrescentaram um componente complexo ao já instável arranjo político do bolsonarismo. Por mais que Lula dê todas as mostras de que está disposto a aceitar a obra econômica do golpe, não reverter as reformas e as privatizações e aceitar algum tipo de tutela militar, ele não é aceito pelas elites empresariais como um candidato da sua confiança. Seu enorme apoio de massas expressa uma vontade de volta ao passado, de volta às condições de vida dos tempos dos primeiros governos Lula, que se choca com as necessidades do grande capital de aumentar os níveis de exploração. Quando o consultor do Santander fala que existe no mercado financeiro um clima favorável a um novo golpe para impedir a eleição de Lula, não é apenas Lula que eles rejeitam, mas a expectativa nas massas populares e na classe trabalhadora de que é possível uma melhoria nas condições de vida.

Entre o bonapartismo militar e o judiciário

Duas ordens de acontecimentos merecem toda atenção, pois significaram um salto de qualidade no intervencionismo das forças armadas e do judiciário.

O patético desfile da Marinha, que foi antecedido na escalada autoritária pela nota conjunta dos comandos militares ameaçando o presidente da CPI. Pela primeira vez desde a constituição as forças armadas se valeram do art. 142 para ameaçar exercer uma tutela direta sobre o parlamento, no caso a CPI. Ao dizer que a investigação sobre membros do exército poderia criar uma crise institucional, está implícita a ameaça de que Bolsonaro poderia usar o artigo 142 para chamar as forças armadas a dar a última palavra. O desfile militar da Marinha em Brasília no dia da votação do voto imprenso, apesar da pouca força militar demonstrada e dos risos que provocou, é um passo muito significativo no apoio dos militares da ativa ao governo. E ainda sobre a força militar ainda preciso que se considere que se se demonstrou patética como força de defesa ou de agressão contra outro país, já a história é bem diferente se o inimigo em vista for uma revolta popular numa favela ou bairro de periferia.

É um agravante que frente a essa escalada militarista as direções sindicais e dos movimentos sociais tenham mantido a completa passividade e paralisia. O desfile militar, seguido da aprovação da reforma trabalhista de Guedes e Bolsonaro, mereceria uma resposta contundente do movimento operário organizado, dos sindicatos, das correntes de esquerda, do MST, do MTST. Nada se viu além de tíbias notas de repudio. A resposta ainda poderia vir na paralisação do dia 18/08, mas o nível de preparação nas categorias mais organizadas beira o zero, quando o nível de ofensiva da burguesia exige uma atividade enérgica dos grandes sindicatos. O PT e o PCdoB colocaram a classe trabalhadora na expectativa alimentada pela Globo de que a resposta ao desfile militar viria na votação contundente contra o governo, mas daí veio só uma maioria simples para Bolsonaro, que precisava de dois terços e a maioria ampla para aprovar todos os ataques e privatizações.

Uma resposta mais contundente veio do STF, com a prisão do indefensável Roberto Jefferson, através do mecanismo mais inquisitório já estabelecido pelo STF, em que este é ao mesmo tempo vítima, promotor e juiz do processo. Através de um mecanismo bonapartista e inquisitorial o STF responde a escalada do autoritarismo militar, colocando mais uma pá de cal sobre a constituição de 1988, que só existe no papel. Não é casual que em meio a tudo isso, Galo tenha ficado tanto tempo preso acusado de colocar fogo na estátua de Borba Gato e que um ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, o Macapá, tenha sido preso por atividades sindicais, o que significa uma grande escalada do autoritarismo do judiciário. Como sempre alertamos, as armas autoritárias do judiciário sempre acabam se voltando contra a esquerda e a classe trabalhadora.

Essa disputa reacionária entre diferentes formas e atores bonapartistas vem sendo a marca do governo Bolsonaro. A falência da chamada alternativa de “centro”, o que em si é uma falácia por que se trata da direita tradicional, em constituir um candidato viável para 2022 é um sinal para os principais setores da burguesia brasileira da grande dificuldade de impor por vias eleitorais normais um candidato seu e é também um termômetro da sua decadência histórica. Presa entre dois “mal menores” os setores burgueses buscam fortalecer os poderes sem voto, das camarilhas militares e judiciais e a disputa entre esses dois poderes, o executivo com protagonismo militar e o STF são expressões dos fracionamentos que atravessam as elites empresariais do país, entre os que estão dispostos a avançar pelo caminho da gradativa militarização bolsonarista e os que buscam algum tipo de arranjo judicial/parlamentar, que no caso da terceira via da direita tradicional não emplacar, torne palatável um novo governo Lula e tenha uma legitimidade institucional que garanta que qualquer setor do movimento de massas inconforme com esse arranjo reacionário seja punido com todo o rigor da lei e além dela.

Que hoje as forças armadas estejam coesas em torno de Bolsonaro, em que pese os enfrentamentos com Mourão, que também conta por ora pela primeira vez com maioria no Congresso depois de colocar Ciro Nogueira na Casa Civil, não significa que darão apoio a aventuras militares por fora da correlação de forças e sem o apoio do governo dos EUA ou que irão até o fim com Bolsonaro caso esse demonstre que não tem condições de ganhar a eleição.

A passividade das direções sindicais é um fator decisivo da situação e para que os ataques passem sem luta

Apesar de todos os ataques dos últimos anos a classe trabalhadora não sofreu uma derrota física como no golpe de 1964. Os enormes ataques econômicos, que já se equiparam e em alguns aspectos superam o imposto pelo governo FHC, pode ser levado adiante sem uma ditadura aberta, assim como nos governo de FHC, graças ao papel de conciliação e amortecimento da luta de classes cumprido pelo PT. A nova reforma trabalhista de Bolsonaro aprovada pela Câmara, se termina se impondo, é um golpe profundo aos direitos trabalhistas que nem FHC conseguiu aplicar. No campo das privatizações Bolsonaro avança sobre o que até então a burguesia não tinha conseguido, como os Correios e a Elebrobrás e ainda podem vir outras importantes, além da aceleração da venda das refinarias da Petrobras. Também os ataques aos povos indígenas e as já débeis medidas de demarcação de terras e de proteção ambiental que existiam estão sendo atacadas.

Um dos maiores favores que o PT fez para a burguesia a para a direita foi trair a luta contra Temer na conjuntura pré-revolucionária que se abriu em 2017 e permitir que o governo Temer tivesse condições de se estabilizar. Depois da paralisação nacional de abril, a maior em décadas e da enorme divisão burguesa com o ataque da lava jato e da Globo contra o governo Temer, se colocou como uma possibilidade política concreta derrubar o governo e barrar as reformas com uma greve geral. Existia disposição de luta na classe trabalhadora em todo o país, o governo Temer havia perdido o apoio das classes médias e se apoiava diretamente no mercado financeiro e na casta política mais abjeta e odiada e só pode sair da crise com a ajuda das direções sindicais.

Para ganhar a confiança dos banqueiros em 2018, as direções petistas esfriaram a luta contra Temer em 2017. Adiando uma nova greve geral, se negando a convocar uma greve até Temer cair, dando tempo para o governo respirar, o PT mais uma vez mostrou seu compromisso com a ordem burguesa. Nem assim, fazendo todas as vontades das classes dominantes, o PT escapou do aprofundamento do golpe em 2018 com a prisão de Lula.

Em 2021 estamos vendo essa história se repetir, num momento muito mais perigoso. A queda de popularidade de Bolsonaro, o rechaço popular passivo às reformas neoliberais, a disposição de luta demonstrada em alguns setores operários como correios, o metrô ou agora a construção civil, como a luta da MRV em Campinas, e a disposição para se manifestar contra Bolsonaro entre setores amplos da juventude, tudo isso seria um caldo de cultivo importante para fomentar a resistência organizada à escalada autoritária e neoliberal que vivemos. No entanto, mais uma vez o PT cumpre o papel de desarticular as lutas de resistência, evitar sua unificação, mais uma vez para se mostrar como confiável para os banqueiros mirando nas eleições do ano que vem, enquanto a burguesia passa com o trator sobre nossos direitos e sobre o nível de vida do povo. A vida do governo e dos militares seria muito mais difícil e o país seria outro, se se enfrentassem com um movimento operário, sindical e social, incluindo a juventude, combativo e aguerrido.

A luta pela unidade dos explorados

Esse é o papel que o PT tem cumprido, a cada momento, desde a sua fundação: conservar a estabilidade burguesa e tentar conseguir em troca algumas melhorias. Hoje essas melhorias seriam menores do que nunca. Antes do golpe, depois de junho e no início do segundo governo Dilma o movimento de massas passou por um momento de ruptura com o PT, mas a esquerda não esteve à altura de se constituir como uma alternativa. Isso facilitou o caminho para o próprio golpe. Porém o golpe também interrompe esse processo de experiência de massas com o PT e hoje, na falta de outra ferramenta à mão para enfrentar o governo Bolsonaro, as massas populares de agarram aquela que que ilusoriamente parece ser a única possível: o voto em 2022.

Depois de desaproveitar muitos momentos, e no caso de uma parte da esquerda inclusive ser a quinta roda do golpe contra Dilma, a esquerda chega na atual situação com forças muito debilitadas, mas mesmo assim poderia ser um fator da situação se levantasse uma política de independência de classe, isso é, uma política independente de todos os setores burgueses e do próprio PT e sua política de conciliação e perdão aos golpistas com a qual tenta se viabilizar frente as classe dominantes para 2022.

O impeachment e a frente ampla são o instrumento político que o PT utiliza para evitar que se construa uma unidade dos explorados contra os ataques em curso e ao aceitar essa política a esquerda de antemão se condena a impotência.

Contra Bolsonaro nos juntamos todos. Com essa caricatura da política de frente única da III Internacional de Lenin e Trótski a esquerda se subordina ao PT e a “burguesia democratica”. O PSDB, cuja presença nos atos foi reivindicada por quase todas as organizações de esquerda, do PSTU ao PSOL, passando pelos estalinistas da UP e do PCB, tem aprovado todos os ataques do governo Bolsonaro contra a classe trabalhadora no Congresso. No lugar da frente de todos os explorados para combater todos os exploradores, que é o sentido da tática da III Internacional, a esquerda brasileira aplica a política do estalinismo das “ Frentes Populares”, a aliança da classe trabalhadora abrindo mão dos seus interesses e métodos de luta com um setor da burguesia. Nunca na história esse tipo de frente ampla, ou “popular” serviu para enfrentar uma ofensiva reacionária.

É preciso buscar centralizar todas as correntes que participam do movimento operário e de massas através das assembleias de base e dessa forma comprometer as direções dos sindicatos petistas com medidas efetivas de luta, com um plano concreto de luta contra Bolsonaro e Mourão, contra as reformas neoliberais, em greves econômicas e na defesa dos ativistas presos. É preciso golpear efetivamente com atos combativos e não só atos festivos, com greves, cortes de rodovia, respondendo à altura as agressões bolsonaristas quando ocorrem, nos reunindo nas delegacias às centenas para que libertem nossos presos, realizando ações unitárias em apoio a greves como a da MRV. O “golpear juntos” a que se refere Lenin é golpear mesmo, os manifestos, as reuniões diplomáticas entre entidades e organizações, os discursos, não golpeiam nada nem ninguém.

É urgente que se constitua um pólo para organizar a greve geral contra Bolsonaro e Mourão e abrir o debate sobre qual a saída independente que podemos dar, que na nossa visão é a luta por uma Assembleia Constituinte livre e soberana para que a classe trabalhadora possa chamar o povo a decidir sobre os destinos do país.

Mas a construção dessa greve geral não se dá somente com panfletos e discursos. Aliás, se dá sobretudo de outra forma. Cercando cada luta por menor que seja de toda solidariedade ativa, mostrando que quem se mobilizar não estará sozinho. Os atos contra Bolsonaro precisam ser atos combativos, construídos em cada local de estudo e trabalhado, unificando as demandas políticas, o Fora Bolsonaro e Mourão e a luta contra as reformas com cada demanda local. Unificando todas as demandas da classe trabalhadora e apoiando as lutas das mulheres, do povo negro e dos LGBT podemos constituir uma unidade poderosa, capaz de derrubar Bolsonaro e Mourão e ir muito além. É preciso, no entanto, que se dê o primeiro passo, que é romper com a política de conciliação e a frente ampla pelo impeachment (que aliás perde força quanto mais se aproximam as eleições) e começar a batalhar pela verdadeira unidade da classe trabalhadora e de todos os oprimidos.




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