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Estados Unidos | O ataque a uma escola no Texas: as causas em um país armado até os dentes

Por conta do ataque, até o momento, morreram ao menos 21 pessoas. Entre elas, 19 crianças, além de dois professores e o assassino. Segundo informou o governado do Estado, o republicano Greg Abbott, o assassino, um jovem de 18 anos identificado como Salvador Ramos, foi abatido pela polícia.

quarta-feira 25 de maio de 2022 | Edição do dia

Este tiroteio é um dos ataques em centros educativos do país mais mortíferos dos últimos anos, o maior ataque em uma escola primária desde o massacre de Newtown (Connecticut). Naquela ocasião, um jovem de 20 anos, Adam Lanza, depois de atirar em sua mãe, matou 26 pessoas no colégio Sandy Hook e depois se suicidou. Em 2018, no instituto de Parkland (Florida), um aluno antigo de 19 anos que havia sido expulso matou 17 pessoas, na maioria adolescentes.

O ataque desta terça-feira (24), é o tiroteio de número 200 em 2022 no país e volta a colocar em debate a questão do controle mais forte do direito de portar armas, que nos EUA está contemplado na Constituição (ainda que existam muitas leituras encontradas sobre a famosa Segunda Emenda, que habilita os cidadãos a se armar).

O governador do Texas qualificou o fato como um "crime sem sentido", uma resposta similar a muitas que foram dadas às autoridades em casos parecidos. Entretanto, a mesma não é suficiente para explicar as causas profundas por trás do ataque brutal de ontem.

O presidente, Joe Biden, se pronunciou por uma mensagem nacional sobre o ocorrido. "Como nação nós temos que perguntar quando, em nome de Deus, vamos enfrentar os grupos que fazem pressão em defesa das armas, quando em nome de Deus vamos fazer o que no fundo sabemos que temos que fazer", disse Biden em um discurso na Casa Branca, depois do massacre em Uvalde, Texas.

"Estou cansado. Temos que agir. Todos sabemos o que temos que fazer", disse o presidente, em um discurso que repetiu frases comuns de administrações anteriores, sem apontar as causas profundas.

Armados até os dentes

O presidente estadunidense perguntou nesta terça-feira, em um discurso à nação, quando seu país se colocará contra o "lobby" das armas, logo após o ataque na escola primária do Texas.

Os dados sobre o porte de armas nos EUA são impactantes. Se estima que há aproximadamente 310 milhões de armas de fogo disponíveis para os civis estadunidenses, segundo informe do Instituto Nacional de Justiça (NIC), de 2009.

A venda e compra de armas de fogo é um fator chave. Segundo dados de 2013, os registros do FBI indicam que foram vendidas 16,8 milhões de armas, o dobro dos dez anos anteriores.

Porém o que Bidem não fez referência é sobre quem compra mais armas. Segundo o estudo do Pew Research Center indica que a maioria (61%) dos proprietários de armas de fogo são homens brancos. Esse mesmo estudo indica que ao consultar sobre a sensação de possuir uma arma, a proporção é inversa: mulheres, latinos e negros se sentem, em sua maioria, inseguros e preferem não ter uma arma.

Isso tudo não se reduz em um dado demográfico, a realidade mostra que estes grupos são brancos com muito mais probabilidade de ataques com armas de fogo. No sábado (14/05), o supremacista branco, Peyton Grendon, dirigiu várias horas até um mercado em um bairro afroamericano e abriu fogo. Seu rifle de assalto teria escrito a palavra Nigger, uma forma depreciativa e racista de se referir a comunidade afroamericana.

Outra pesquisa do Pew Research Center, realizada em abril deste ano, mostrou que cerca de 1/3 dos adultos negros (32%) estão preocupados todos os dias ou quase todos os dias de que possam ser ameaçados ou atacados por ser negro. Cerca de 1 a cada 5 estadunidenses de origem asiática (21%) desse o mesmo, e 14% dos adultos hispanicos e 4% dos adultos brancos.

Quando se fala de "um problema com as armas", não se pode tratar como um problema em geral. O que existe é um problema com quem possui as armas, em sua maioria pessoas brancas, em uma sociedade racista, onde os policiais brancos assassinam jovens negros e, inclusive nos últimos anos, especialmente durante a presidencia de Donald Trumo, os setores que reivindicam aberta e legalemnte a supremacia branca se fortaleceram.

A guerra e a militarização do Estado

Segundo o Pew Research Center, os incidentes com armas de fogo diminuíram a partir da década de 1990. Entretanto, essa diminuição parou em 2001, contrastando com a baixa da década anterior. Esse ponto de inflexão se relaciona com a "guerra contra o terrorismo", desatada depois dos atentados do 11 de Setemro desse ano. Essa "guerra" teve uma expressão interna: vigilância estatal, fortalecimento das polícias, delação e vigilância civil e o crescimento do papel da SWAT e do FBI. Quanta legitimidade tem um Estado armado até os dentes para restringir a posse de armas da população civil?

Nos últimos anos o debate sobre o controle das armas começou a incluir a brutalidade policial, produto das manifestações contra a violência institucional. A polícia se transformou no principal foco de violência armada, especialmente para a juventude negra, algo que os protestos contra o assassinato de George Floyd colocaram em primeiro plano.

Segindo um estudo conjunto das Universidades de Michigan e Washington e a Universidade Rutgers, a brutalidade policial é a sexta causa de morte entre jovens negros. É quase 3 vezes mais provável que um homem negro seja assassinado pela polícia do que um homem branco.

Justamente a explosão de manifestações contra o racismo incluíram demandas contra a militarização das polícias locais. As cenas de cidades invadidas por tanques blindados e efetivos armados para a guerra, desnudam o mecanismo do Estado federal para reciclar o armamento militar. O programa 1033 do Departamento de Defesa (hoje suspenso) estabelecia a transferência do material militar que sobra do Exército para a polícia. Segundo esse mesmo órgão, durante 2013 foram transferidos 449 milhões de dólares em equipamentos militares. Os mesmos recursos utilizados na "guerra contra o terrorismo", são utilizados pelo Estado em seu território.

As políticas de guerra para fora e vigilância para dentro, "em defesa da democracia estadonidense", penetraram profundamente em uma sociedade atravessada pela crise social e pela decadência. O Estado enfrenta o dilema de ter que desarmar, entre outros, a milhares de ex-combatentes da "guerra contra o terrorismo", que regressaram depois de invadir, assassinar e violar em nome da "liberdade". Como desarmar as milícias e bancos de supremacistas brancos que estão convencidos de atuar em legítima defesa dos "valores americanos" que o Estado defende além de suas fronteiras?

O Partido Democrata reduziu a questão ao debate sobre o controle do direito individual de portar armas e aumentar as restrições para a compra de armas. O mesmo partido que desde o governo gasta milhões para financiar o abastecimento de armas à Ucrânia.

Ao reduzir a questão a essa dicotomia, a favor ou contra de um maior controle das armas, fica de lado as raízes da violência em um país cujo Estado se fundou no racismo e na guerra imperialista. Os EUA é uma sociedade profundamente polarizada, onde uma minoria detém o poder econômico e político, concentrado em um punhado de empresas e grandes bancos, e a polarização social e política somente se aprofundou com a pandemia.




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