×

ONU | O aniversário da ONU por Zoom e as disputas de Trump com a China

A Assembleia Geral da ONU se reuniu via Zoom em seu 75º aniversário. A reunião discutiu a enorme crise global em curso, com a batalha entre Trump e a China como o ator principal.

Claudia CinattiBuenos Aires | @ClaudiaCinatti

sábado 26 de setembro de 2020 | Edição do dia

Por esses dias, a Assembleia Geral das Nações Unidas está em sessão. O evento coincide com a comemoração dos 75 anos da organização, embora pareça demais dizer “comemoração” à aquela chamada do Zoom parece exagerado. A burocracia da ONU nunca teria imaginado que a rodada de aniversário encontraria o mundo em uma pandemia. Sem festividades, sem os milhares de delegados, diplomatas e chefes de estado que buscam seus 15 minutos de relevância no cenário internacional, que obrigam o distrito de Manhattan a ser blindado ano após ano, a ONU não teve como esconder sua crise. Uma metáfora para o esgotamento da “ordem liberal” surgida após a Segunda Guerra Mundial, sob a liderança do imperialismo norte-americano.

Não é só a pandemia do coronavírus, que já deu a primeira volta ao mundo e vai para a segundo round na Europa sem ter saído dos Estados Unidos ou da América Latina. É tudo o que a Covid-19 acelerou: a pior crise econômica induzida pelos bloqueios desde a Grande Depressão dos anos 1930; a consequente crise social e polarização política; o aumento das tensões entre os Estados Unidos e a China; a incerteza diante das eleições presidenciais dos Estados Unidos e, sobretudo, o retorno ao cenário de várias formas de luta de classes, que podem mudar a direção da flecha em mais de uma direção.

Sem a "picância" dos encontros bilaterais nas margens e sem os gestos que acompanham os discursos na vida face a face - como por exemplo, quem se retirou com a delegação dos EUA quando o presidente iraniano ou outro membro do "eixo do mal" falou; ou aqueles que boicotam a potência do norte até a mais morna condenação contra o Estado de Israel por seus crimes - um clássico da vassalagem - o evento poderia ter terminado após os primeiros 90 minutos.

Naquela época, quatro dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança - Estados Unidos, Rússia, China e França - que têm poder de veto “falaram”. O quinto é a Grã-Bretanha que foi relegada para um dos últimos dias, que fala da perda de gravitação do antigo império pirata após o Brexit. Além da bizarra abertura de Jair Bolsonaro, o “trumpista” da primeira hora, que se dedicou a defender sua desastrosa política de saúde e denunciar que os incêndios na Amazônia foram uma campanha da mídia de oposição.

A Assembleia virtual foi sobredeterminada pelo conflito crescente entre os Estados Unidos e a China e suas possíveis derivações. Rodrigo Duterte, o presidente de direita das Filipinas, disse isso claramente com um provérbio: "Quando os elefantes lutam, é a grama que sofre".

O presidente da ONU, o português António Guterres, um dos poucos que falou ao vivo, fez declarações polêmicas. Ele disse que "o populismo e o nacionalismo falharam" e que suas estratégias de saúde em vez de conter o vírus pioraram as coisas.

Mas, acima de tudo, contribuiu com uma parcela de drama. Ele argumentou que a agência estava passando por seu "momento de 1945" em certo sentido, se você quiser "fundacional", comparando a devastação da pandemia com as ruínas da Segunda Guerra Mundial. E ele alertou que a rivalidade crescente entre os Estados Unidos e a China pode levar a uma nova Guerra Fria. Guterres afirmou que o mundo caminha "para uma direção muito perigosa", porque as rivalidades econômicas, comerciais e tecnológicas entre os Estados Unidos e a China se tornarão inevitavelmente "uma divisão geoestratégica e militar". Vladimir Putin usou seu tempo para vender a vacina russa contra a Covid-19. Ele se ofereceu para vacinar gratuitamente o pessoal das Nações Unidas, o que dificilmente serviu para dissipar as suspeitas de que seu governo ou uma das agências de segurança do estado estão por trás do envenenamento por Novichok do líder da oposição Alexei Navalni.

O presidente francês Emmanuel Macron reclamou em uma longa mensagem de 48 minutos (o tempo concedido foi de 15 minutos) que a rivalidade entre Estados Unidos e China estava dominando o cenário internacional, condenando potências menores como a França a uma certa irrelevância. Ele falou principalmente para os líderes da União Europeia, a quem chamou para não serem espectadores indefesos, embora sem nenhuma ideia clara de como eles enfrentariam a hostilidade americana em face de um eventual segundo mandato de Trump.

Ao contrário de seu colega francês, Trump usou metade de seu tempo. Enviou um vídeo que, mais do que a intervenção de um chefe de Estado perante um fórum diplomático internacional, foi mais próximo de um spot de campanha dirigido ao seio do seu eleitorado, centrado na doutrina "América First".

Em apenas 7 minutos, o presidente dos EUA protestou contra os acordos climáticos de Paris, voltou à acusação contra o acordo nuclear com o Irã e mencionou a China mais de 10 vezes. Não disse nada muito novo. Falou do "vírus chinês".

Ele responsabilizou Pequim pela pandemia do coronavírus, acusando a Organização Mundial da Saúde de ser pouco mais do que uma fachada para o Partido Comunista Chinês. E ele instou as Nações Unidas a cobrar da China os custos econômicos e políticos da Covid-19.

Apesar de os Estados Unidos já terem atingido a marca fatal de 200.000 mortos e de Trump ser um promotor ativo da negação e da militância “anti-quarentena”, o presidente afirmou que a Casa Branca havia lançado “a mobilização mais agressiva desde a Segunda Guerra Mundial" para combater o coronavírus.

Mas o cerne de seu discurso foi exibir o poderio militar imperialista, o enorme orçamento do Pentágono e as armas de última geração - "Eu só rezo para não termos que usá-las", disse ele.

O presidente chinês Xi Jinping aproveitou o flanco hegemônico. Ele falou contra o protecionismo, em favor dos benefícios da globalização e da cooperação internacional. E ele disse que não iria lutar nenhuma guerra, quente ou fria. É claro que hoje a China é mais afetada pela guerra comercial declarada por Trump, que tem a Huawei e o setor de tecnologia como alvo privilegiado.

A administração Trump combina iniciativas imperialistas ofensivas e unilaterais com uma cota de isolacionismo para enfrentar o declínio hegemônico dos Estados Unidos. A política agressiva para reforçar o controle imperialista na América Latina, desde a hostilidade contra Cuba, Venezuela e Nicarágua até a imposição de um falcão de sua administração à frente do BID. As renovadas sanções contra o Irã e o avanço do "redesenho" do Oriente Médio com os acordos entre Israel, Emirados Árabes Unidos e Bahrein, para conseguir uma aliança anti-iraniana. A crescente militarização do Mar da China Meridional, para além da motivação eleitoral, deve ser lida dentro dessa lógica.

Quem aposta que o triunfo de Biden revive o "multilateralismo" e a ilusão de uma espécie de "governança mundial" esquece as guerras na Coréia, Vietnã ou as guerras imperialistas no Oriente Médio, muitas das quais tiveram participação direta ou a cobertura “humanitária” da “comunidade internacional” por meio das Nações Unidas.

A ascensão da China como concorrente representa um problema estratégico para o imperialismo dos EUA, embora hoje esteja longe de ser um desafio para a liderança mundial. Foi exatamente isso que ocorreu com a mudança na estratégia de segurança nacional que trouxe à tona o conflito entre as grandes potências - China e Rússia mais para trás - relegando para segundo plano a “guerra contra o terrorismo”.

Além das diferenças metodológicas - se for com guerras comerciais, unilateralismo ou vitória de aliados, conter o avanço da China é para os Estados Unidos uma questão de Estado, compartilhada por democratas e republicanos. Consequentemente, a campanha eleitoral se tornou uma competição entre Trump e Biden para ver quem é mais anti-chinês. Isso não significa que a guerra está chegando. Mas a natureza estratégica da disputa inerente ao sistema capitalista imperialista atualiza essa perspectiva, a menos que a revolução ataque primeiro.




Comentários

Deixar Comentário


Destacados del día

Últimas noticias