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ESTADO ISLÂMICO | O Estado Islâmico está ganhando a guerra?

Com uma diferença de dias, o Estado Islâmico (EI) assumiu o controle de duas cidades de importância estratégica: Ramadi, no coração sunita do Iraque, e Palmira, na rota para o leste da Síria, estendendo, assim, as fronteiras móveis do seu califado. Estas conquistas compensam as perdas de Kobane e Tikrit, e inauguram uma nova fase na guerra dos Estados Unidos e aliados contra o EI.

Claudia CinattiBuenos Aires | @ClaudiaCinatti

quarta-feira 27 de maio de 2015 | 00:00

Como se sabe, uma coisa é ganhar uma batalha, outra muito diferente é ganhar a guerra. Mas há batalhas e batalhas. As que o EI acaba de ganhar em Ramadi e Palmira, seguidas de outras conquistas territoriais, como o posto de fronteira entre o Iraque e a Síria, que era controlado pelo governo de Al-Assad, podem mudar o curso de uma guerra com final ainda incerto.

Em entrevista na revista The Atlantic, o presidente norte-americano disse que a queda de Ramadi era apenas um “retrocesso tático”, mesmo porque em termos estratégicos o EI está na defensiva e em retirada.

A conquista quase simultânea dessas cidades pelo EI demonstra que após quase um ano de guerra aérea dos Estados Unidos, as milícias do Estado Islâmico mantêm sua capacidade de operação, o que no contexto da assustadora debilidade estatal do Iraque e da Síria constitui uma fortaleza. Cerca de 50% do território sírio e mais de 30% do iraquiano estariam sob seu controle.

Como ocorreu há pouco menos de um ano em Mossul, a primeira cidade importante do Iraque dominada pelo EI, o exército iraquiano fugiu em debandada diante do iminente avanço do EI sobre Ramadi, deixando para trás o equipamento militar – dado pelos Estados Unidos – e uma população aterrorizada.

Situação similar em Palmira, onde os oficiais do exército de Bashar al-Assad fugiram, abandonando não apenas as reservas de gás – vitais para a manutenção do regime – e as ruínas do período greco-romano que juraram defender, mas também seus soldados e os civis.

A perda dessas cidades multiplicou exponencialmente a catástrofe humanitária, com centenas de milhares de pessoas buscando fugir da violência do EI e dos bombardeios norte-americanos.

Essas conquistas do EI não se deram de um dia para o outro, nem eram inesperadas, já que são resultado de uma longa guerra de desgaste na qual o EI soube aproveitar a seu favor as grandes contradições das forças no conflito: o enfrentamento entre sunitas, xiitas e curdos que ocorrem na região muçulmana, as rivalidades entre as potências regionais e as contradições da política imperialista.

Esta é a segunda vez que Ramadi, no coração sunita do Iraque, cai nas mãos de islamitas radicais. Entre 2004 e 2007, após a sangrenta derrota de Faluja imposta pelas forças norte-americanas, se transformou em base de operações da Al-Qaeda. Nesse momento, o presidente Bush firmou acordo com os líderes tribais para entregar-lhes parte do poder estatal monopolizado pelos xiitas depois da queda de Saddam Hussein em troca de combater a Al-Qaeda. Porém, esse acordo foi rompido, levando a outra guerra civil entre sunitas e xiitas. Para muitos líderes sunitas, o EI seria um mal menor diante da prepotência do poder central iraquiano apoiado pelo Irã.

A estratégia dos Estados Unidos e do primeiro-ministro iraquiano Haider al-Abadi para recuperar Ramadi com a colaboração das milícias xiitas – conhecidas como Mobilização Popular – anuncia mais violência e instabilidade.

No caso de Palmira, a situação não é muito diferente. Esta cidade, de maioria sunita, não é apenas famosa por seus tesouros arqueológicos, mas também por ser a sede de um dos centros de detenção e tortura mais brutais do regime sírio. Localizada no estado de Homs, um dos epicentros da rebelião contra Al-Assad, estava ocupada pelas tropas governamentais. Diante do avanço do EI, os Estados Unidos viu-se diante do dilema concreto de cooperar com Al-Assad. Perante isso, optou pela não intervenção, diferente do que fez em Ramadi e, antes, em Kobane, onde apoiou com bombardeios aéreos.

Vários analistas perguntam se o Estado Islâmico está ganhando a guerra. Talvez não seja a pergunta adequada. A guerra contra o EI é um dos muitos conflitos e guerras civis que envolvem não somente forças locais, mas interesses de potências regionais e dos Estados Unidos que provavelmente se prolongarão pelos próximos anos.

A guerra civil na Síria é um símbolo destas contradições. Os Estados Unidos adiaram a luta contra Al-Assad para combater o Estado Islâmico. Isso incomodou seus aliados tradicionais, principalmente a Arábia Saudita, que é um dos principais patrocinadores da queda de Al-Assad, seja por intervenção militar ou indiretamente armando grupos “rebeldes” para combatê-lo.

A Arábia Saudita tem especial interesse em livrar-se de Al-Assad, um dos principais aliados do inimigo Irã. Este interesse obriga a monarquia saudita a procurar aliados entre seus rivais, o que resultou num acordo com a Turquia e Catar para unir todas as forças sírias contra Al-Assad e o EI, financiando-as e dando-lhes apoio militar.

Deste acordo surgiu o Exército da Conquista, uma aliança composta fundamentalmente por grupos islamitas, incluindo até a Al-Nusra, braço sírio da Al-Qaeda do qual nasceu o EI, e que agora se enfrentam.

Ao regime de A-Assad, que sobreviveu a quatro anos de enfrentamentos, agora está, talvez, em seu momento de maior vulnerabilidade. No norte está fustigado pelo Exército da Conquista que se estabeleceu no estado de Idlib e tomou o lugar do Exército Livre Sírio como principal força de oposição a Al-Assad. No leste o Estado Islâmico avança reorientando sua estratégia para o estado de Homs, expulsando outros grupos “rebeldes” rivais e aproveitando que o regime tenha retirado suas unidades militares de elite para concentrá-las na frente norte. Agora o EI ameaça Alepo e Damasco, o núcleo do poder da ditadura de Al-Assad.

Espera-se em pouco tempo o choque destas duas facções islamitas radicais que disputam o controle do território.

A Operação Resolução Inerente, nome dado pelo governo Obama a sua última aventura militar no Oriente Médio, já custou aos contribuintes norte-americanos cerca de US$ 2,1 bilhões – US$ 8,6 milhões por dia –, segundo dados do Pentágono. Calcula-se que nestes nove meses a coalizão dirigida pelos Estados Unidos efetivou mais de 4 mil bombardeios no Iraque e na Síria.

No entanto, os êxitos são poucos: apenas uma vitória simbólica em Kobane, ao preço de legitimar um setor radical do movimento curdo. E a retomada custosa e ainda instável de Tikrit com o auxílio de milícias aliadas do Irã.

Tudo indica que Obama, por política ou, com maior probabilidade, pela lógica dos acontecimentos está numa dinâmica de escalada gradual.

Na semana passada os Estados Unidos enviaram um grupo de forças especiais para uma arriscada operação secreta no território sírio que resultou na morte de um dirigente de escalão médio do Estado Islâmico, considerado um especialista no financiamento do grupo.

Nesta semana Obama anunciou o envio de mísseis de longo alcance para o governo do Iraque. Não se pode esquecer que já estão no terreno entre 2 mil e 5 mil efetivos em tarefas de treinamento das tropas locais. Em editorial, o New York Times se queixa de que o presidente sequer tem autorização formal do Congresso para empreender uma guerra de final incerto. Enquanto um colunista do Washington Post adverte que mediante o caminho gradual os Estados Unidos terminaram na guerra do Vietnã. Não necessariamente a história se repete. Mas no Oriente Médio, talvez, se mostre mais evidente a perda de liderança da grande potência do Norte.

(Tradução: Val Lisboa)




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