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Jonathan Goodluck, atual presidente da Nigéria, aprovou nos últimos dias uma lei federal que criminaliza a mutilação genital feminina no país. A medida aprovada também prevê punição a homens que abandonarem suas mulheres e filhos, o que foi encarado como mais um passo a contribuir para a diminuição da prática mutilatória.

quarta-feira 25 de julho de 2018 | Edição do dia

A mutilação genital feminina consiste na remoção de parte ou de todos os órgãos sexuais femininos e até hoje é realizada em mulheres, sobretudo crianças e jovens, entre seu nascimento e o início da puberdade, sendo comum em dezenas de países africanos, em alguns locais na Ásia e também no Oriente Médio. Suas implicações médicas incluem infecções recorrentes, dor crônica, dificuldade de urinar e escoar o fluxo menstrual, desenvolvimento de cistos, perda do prazer sexual, infertilidade e hemorragias fatais. Sendo associada a práticas ritualísticas, o ato mutilatório é historicamente realizado em mulheres há séculos, tendo sua origem no antigo Egito como uma forma de iniciação de jovens mulheres na sociedade, passando posteriormente a ser vinculada à escravidão e praticada para impedir que mulheres escravizadas fosse capazes de concepção. Até hoje, onde é realizada, a mutilação genital remete a valores sociais como honra, castidade e pureza, e levantamentos recentes apontam que 25% das mulheres nigerianas entre 15 e 49 anos tiveram seus órgãos sexuais mutilados.

A lei aprovada por Goodluck gerou um intenso debate na sociedade nigeriana, polarizando de um lado os defensores da manutenção das tradições sociais e, de outro, setores progressistas em defesa dos direitos das mulheres. A medida foi encarada como o último ato do mandato de Goodluck, que governa o país desde 1999 mas foi derrotado no último pleito eleitoral pelo também ex-governante militar Muhammadu Buhari.

No país mais populoso da África, com a maior parte de sua população de 170 milhões de pessoas vivendo em índices alarmantes de pobreza e desemprego, e uma expectativa de vida que não supera os 52 anos de idade, atua também o grupo fundamentalista Boko Haram que defende a ideologia reacionária de aplicar a “Lei islâmica” a toda a sociedade, por meio do terror, sequestros e assassinatos da população local. Desde 2014, manteve centenas de mulheres sequestradas e forçadas ao trabalho escravo, convertidas compulsoriamente ao islamismo, estupradas, torturadas, vendidas a redes de tráfico e “casadas” à força com integrantes do grupo.

Desde sua colonização pelas potências europeias até os dias atuais, a história da Nigéria é atravessada por profundos conflitos geopolíticos e sociais. Numa declarada “guerra ao terrorismo”, o governo nigeriano também praticou assassinatos à população civil e fuzilamentos em prisões – foram mais de 13 mil mortos e 1,5 milhão de pessoas forçadas a deixar seus locais de origem desde que se iniciaram os enfrentamentos entre o Boko Haram e o Exército nacional. Dentro deste cenário, as condições de vida precárias reservadas às mulheres na Nigéria não é nenhuma novidade, e a prática da mutilação genital feminina é apenas um exemplo da brutalidade misógina à qual são submetidas, negando-lhe o direito ao próprio corpo, controlando sua sexualidade e seus direitos reprodutivos.

A medida de criminalização da mutilação genital é, sem dúvida, um avanço nos direitos democráticos das mulheres na Nigéria, mas não se pode deixar de apontar seu caráter eleitoral, já que Gooduck optou por criminalizar a prática apenas no fim de seu mandato, após quase vinte anos no governo. Para além disso, é assustador que um país com tantas riquezas naturais – a Nigéria é o maior produtor de petróleo da África e o oitavo maior exportador do mundo, sendo a primeira economia do continente africano – seja assolado pela pobreza extrema e acometido por uma aguda crise social, ao mesmo tempo que se configura como um verdadeiro paraíso para multinacionais imperialistas como a Shell, Chevron, Texaco e Exxo Mobil. Tudo isso é um reflexo das políticas nacionais do governo nigeriano, afundado em numerosos casos de corrupção e reprodutor da lógica de opressão e exploração capitalista, seguindo de mãos dadas com os grandes imperialistas e permitindo o saque das riquezas nacionais do país. Não por acaso, também são grupos fundamentalistas religiosos como o Boko Haram que ganham força, fundamentam sua atuação como resposta aos ataques imperialistas e propõem a religião como uma alternativa frente ao desamparo de uma população que vive na linha da miséria, desamparada pela falta de políticas públicas e de perspectiva para o seu futuro.

A violência e a brutal opressão às mulheres nigerianas não se encerrará com o aprovamento da lei de criminalização de mutilação genital feminina. A verdadeira emancipação não só das mulheres, mas de toda a juventude, dos negros e do povo oprimido na Nigéria apenas se dará a partir do enfrentamento e da luta organizada dos trabalhadores e trabalhadoras contra todas as forças imperialistas que perpetuam, direta ou indiretamente, mecanismos de exploração e violência, para garantir não só direitos democráticos básicos às mulheres e a todos os setores oprimidos dessa sociedade, mas para pôr um fim a esse sistema de miséria e barbárie.




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