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49 ANOS DE STONEWALL | Néstor Perlongher: sexo e revolução de uma pena barrosa

"O pessoal é político", proclamava Kate Millet nos meados dos anos ’70. Néstor Perlongher sabia disso. Poeta e militante pelos direitos LGBT, marcou um fato na história argentina: participou ativamente da Frente de Liberação Homossexual (FLH), um dos primeiros da América do Sul.

sexta-feira 29 de junho de 2018 | Edição do dia

ilustrações: José arturo Peñaloza, Ana Laura
tradução: Virgínia Guitzel

"Falar de homossexualidade na Argentina não é apenas falar de gozo, mas sim de terror. Estes sequestros, torturas, roubos, prisões, zombarias, afrontamentos, que os sujeitos entendidos por "homossexuais", padecem tradicionalmente na Argentina - onde agredir putos é um esporte popular - antecedem e talvez ajudem a explicar o genocídio da ditadura".

El sexo de las locas, Néstor Perlongher (1984).

Em Junho de 1969 irrompe a revolta de StoneWall nos Estados Unidos, aquela noite em que as poc manifestaram seu cansaço ante a impunidade policial, que fazia invasões nos espaços limitados a que estavam destinados quem se animava a viver seu desejo com liberdade. Lutava, em termos de Lord Alfred Douglas, por este "amor que não se atreve a discutir seu nome". Estes dias de forte enfrentamento com a polícia inauguram uma nova época de luta e organização para a diversidade sexual. Porém, o que se sucedia no hemisfério Norte, pouco ou nada se sabia na Argentina já que a informação não corria com a fluidez a que estamos acostumados hoje em dia.

Um ano antes, em 1968, a juventude que protagonizou o Maio Francês havia influenciado a outros movimentos em todo o mundo com suas consignas, rompendo com as velhas engrenagens.

Na Argentina, a unidade operária-estudantil se mostrava um sucesso como o Cordobazo que irrompiam a cena política, revelando-se ante a Revolução Argentina de Juan Carlos Onganía.

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Neste convulsionado ambiente Néstor Perlongher começa sua militância estudantil e de esquerda na Política Operária. Por um lado, o peronismo havia criado um "Regulamento de procedimentos Contravencionais" que era concedido a polícia um marco de legalidade para castigar "delitos menores" como "vadiagem, prostituição, homossexualidade, embriaguez, travestismo, vestimenta indecente e outras diversas variantes do "escandalo", por outro lado, para a direita a homossexualidade era uma doença ou uma anomalia que havia que golpear, dar um pontapé, deter e encerrar.

Alguns partidos de esquerda não ficaram pra trás neste combate contra a homossexualidade argumentando que era "um selo do capitalismo". Assim, Perlongher decide afastar-se de Política Obrera, mas não de sua militância

A Frente de Liberação Homossexual

A Frente se funda em algum momento do ano de 1971. Sua perspectiva anticapitalista pode ser lida nos seus escritos da revista "Somos" que editaram no ano de 1976: "a ideologia sexual do sistema (...) estrutura suas pautas segundo seus interesses de dominação. Estes interesses militam contra o prazer, que debilitaria a reserva do trabalho alienado, e colocam a reprodução como objetivo único do sexo. Tudo além disso, é pecado".

Se bem que o valor desta Frente se concentra em fazer visível aquele que nestas épocas estava confinado aos bares das loucas, as teteiras e a obscuridade do armário, a militância da FLH esteve durante anos marcada pela clandestinidade.

Perlongher foi o primeiro a propor folhetos e adesivos conhecendo seus perigos e com a incerteza de sua eficácia. Em 1975, Lopez Rega escrevia na revista "O caudilho" que deveriam limpar o país de "canhotos e putos".

Com a detenção de Perlongher em janeiro de 1976 e com o começo da época mais obscura da história da Argentina, se dissolve a FLH.

O desaparecimento da homossexualidade

Na década de ’80, já liquidado na imensa cidade brasileira de São Paulo, Perlongher se afasta gradualmente da militância organizada, mas não abandona seus escritos, ensaios e poemas. Influenciado por Deleuze, Guattari e Foucault, seus ensaios giravam em torno da identidade sexual, o desejo e o biopoder. Entre suas obras mais destacadas se encontram "Prosa Plebeya", um livro que reúne diversos ensaios que Perlongher publicou durante anos em revistas argentinas e brasileiras. O polêmico texto "Evita Vive", que escreveu no ano de 1975 mas a revista Cerdos & Peces publicou em 1989, choca com a moral repressiva do peronismo, desenhando na narração a uma Evita drogada e prostituta. Em 1981 escreveu o extenso poema "Cadáveres" onde retoma a figura dos desaparecidos em épocas de terrorismo de Estado.

Na década de 80’ a "peste rosa", que arrasava os corpos (sobretudo dos homossexuais), se estendeu por todo ocidente. O movimento por diversidade sexual em todo o mundo, tendo protagonizado duras batalhas, passava a retaguarda. As loucas que irrompiam o cenário político com seus brilhos e penas eram fagocitadas pelos estados, adaptando-se a uma nova marginalidade. Com uma perspicácia mirada e afetada pela AIDS, Perlongher descreve em seus ensaios esta decadência nos últimos anos de sua vida. Em 26 de Novembro de 1992, Néstor Perlongher falece por uma infecção generalizada produzida pela AIDS.

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Por infâncias livres, diversas e respeitadas. Porque são as futuras gerações de um legado que segue a luta por uma vida que mereça ser vivida.

A apenas 49 anos da Revolta de Stone Wall, tendo múltiplas conquistas impensadas (como a lei de Matrimonio igualitária ou a Lei de Identidade de Gênero na Argentina) para aqueles militantes que saíram da obscuridade do armário para penetrar cada espaço da vida pública, é nossa tarefa retomar seu espirito valente e disruptivo para por à serviço de novas batalhas que se aproximam e, finalmente, liberar a sociedade de todas suas cadeias.

Tradução: Virgínia Guitzel




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