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ELEIÇÕES FRANÇA | Nem Le Pen nem Macron: a importância de uma posição independente

No segundo turno das eleições francesas do domingo, espera-se uma alta porcentagem de abstenção ou voto nulo: nem Le Pen, nem Macron.

Josefina L. MartínezMadrid | @josefinamar14

sexta-feira 5 de maio de 2017 | Edição do dia

Um artigo publicado no Washington Post, nessa quinta-feira, especulava acerca do que poderia acontecer com um triunfo de Marine Le Pen na França. “Esqueçam-se do Brexit no Reino Unido. Esqueçam-se de que em Novembro Trump ganhou. Se Le Pen ganhasse na França, isso seria o maior choque eleitoral no Ocidente neste século”. Uma candidata “oposta à globalização e à integração”, “amiga da Rússia” e “líder de um partido neofascista”, prefiguraria a “dissolução da UE”, abriria as portas a “um novo caos econômico e significaria o fim da ordem liberal”, disse seu autor.

O analista não oculta suas preferências por Macron e saúda que o candidato liberal esteja adiantado à Le Pen por 20 pontos nas pesquisas. Ainda assim, sua preocupação persiste, e adverte que “há muito o que temer” porque se espera uma altíssima porcentagem de abstenção ou voto nulo, que expressa uma desafeição política dos votantes com o sistema político.

No ano de 2002, Jean Marie Le Pen (pai de Marine) chegou ao segundo turno contra o candidato neogaullista Chirac. Imediatamente, formou-se uma “Frente republicana” entre os conservadores, os socialistas e a esquerda (PCF) para apoiar Chirac contra Le Pen.

Porém, a situação em 2017 é muito diferente. Por um lado, porque a FN conseguiu mais apoios do que antes, por outro lado, porque o regime político francês está em uma crise aguda sem precedentes - uma crise orgânica -, e, sem capacidade de se reconstituir com a mesma força que antes essa “Frente republicana”: centenas de milhares de trabalhadores e jovens não querem ter que escolher entre “a cólera e a peste” e se negam a votar no “mal menor” de Macron, um personagem das finanças que prepara novos ataques contra os direitos trabalhista e sociais.

A crise profunda do regime se expressa no fato de que Mélenchon não tenha chamado voto diretamente em Macron. Diferentemente de 2002, quanto todavia era parte do PS e não teve problema em chamar voto em Chirac, agora sua própria base está dividida e uma alta porcentagem se nega a votar em Macron, um político liberal do “centro extremo” e amigo de Bruxelas.

Uma pesquisa publicada nessa semana na internet, consultando os votantes do movimento França Insubmissa de Mélenchon, mostrava que 65% deles se inclinava ao voto nulo ou à abstenção, negando-se a somar-se à “Frente Republicana”.

O que estamos presenciando é a agudização de uma crise orgânica do capitalismo francês, uma crise da V República e seus representantes políticos tradicionais. Pela primeira vez em décadas há um segundo turno sem a presença de nenhum deles, nem o PS nem os conservadores.

Marine Le Pen combina um programa e um discurso de xenofobia e demagogia, pretendendo ser a representante dos “esquecidos”, os que perderam com a crise, a “candidata do povo”. Em um de seus últimos atos eleitorais em uma zona rural da França, Le Pen dizia que ela representava a “viúva do fazendeiro que cometeu suicídio porque não conseguiu sobreviver com seu negócio”, o “empresário que vê como uma oferta pública é levada pelo competidor estrangeiro” ou “o taxista que perdeu seu trabalho para a uberização”. Por trás de sua demagogia nacionalista, a candidata da FN defende um programa pró-patronal, xenófobo e repressor.

Por isso, a líder da Frente Nacional teve que suportar durante a campanha as expressões do rechaço que gera, mesmo nessas zonas rurais que são consideradas “bastiões” da FN. Nessa semana, em uma de suas paradas de campanha, foi “saudada” com um cartaz que dizia “a Frente Nacional não é bem-vinda”.

Como dois postais da política francesa atual, Macron se encontrava nesse mesmo dia fazendo campanha em uma zona próxima a Toulouse, quando foi vaiado por um grupo de trabalhadores de uma fábrica de vidro, protestando contra a Lei da reforma trabalhista, pela qual responsabilizam o próprio Macron, que foi ministro de Hollande.

Nem Pátria nem patrão, nem Le Pen nem Macron

A consigna “Nem Le Pen nem Macron” tem uma significação política profunda. Assim como a teve antes a candidatura de Poutou, expressão de uma perspectiva anticapitalista e de classe.

As manifestações do 1 de Maio e a alta porcentagem de abstenção ou voto nulo demonstram a existência de um fenômeno profundo de recomposição pela esquerda da subjetividade de amplos setores de trabalhadores e jovens, que já haviam se expressado nas grandes jornadas de greves contra a reforma trabalhista na primavera passada.

Frente a um provável governo de Macron, que tentará aplicar novas políticas liberais contra os trabalhadores e a juventude, essa subjetividade que se expressa hoje na campanha “Nem Le Pen, nem Macron”, é a base para a reemergência da luta de classes e o desenvolvimento de uma vanguarda anticapitalista entre os trabalhadores e a juventude.

Tradução: Vitória Camargo




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