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Eleições 2020 | Nas eleições em Campo Grande/MS, 10 dos 14 candidatos são milionários: qual alternativa?

Em um estado governado pelo latifúndio, com número recorde de assassinato e suicídio de indígenas, com papel crucial dos militares para reprimir e administrar as fronteiras - é fundamental batalhar por uma alternativa de esquerda, anticapitalista em Campo Grande e no Mato Grosso do Sul, a fim de conformar e participar ativamente de forjar uma aliança revolucionária da classe trabalhadora com os camponeses pobres e os povos originários

Rosa Linh Estudante de Ciências Sociais na UnB

terça-feira 29 de setembro de 2020 | Edição do dia

Começou neste domingo, dia 27, a campanha eleitoral em todo o país e na capital do Mato Grosso do Sul não foi diferente. Campo Grande conta com 14 candidatos à prefeitura, com direito à fascistas declarados, charlatões oportunistas de longa data e várias alternativas, algumas que se reivindicam de esquerda mas pouco contentam a maioria da classe trabalhadora campo-grandense.

Falando mais especificamente sobre as “regras do jogo”, devido à mudança na lei eleitoral, agora os candidatos à vereador não possuem coligação partidária e, além disso, os partidos só podem lançar um determinado número de candidatos à vereador, no caso 150% das cadeiras disponíveis na Câmara Municipal - no caso de Campo Grande, 44. Além disso, isso significa que as coligações não são para ter mais candidatos eleitos, mas pura e simplesmente se dão por questões de alianças políticas.

As atuais “regras do jogo” beneficiam, sobretudo, partidos burgueses, de direita, e com um alto grau de fisiologismo e corrupção. Para dar uma breve ideia: PSDB, MDB, Patriota, PSD, PP, Solidariedade, PTB, Podemos - todos tem 44 candidatos; PT, PDT, PV tem 43; Republicanos 34, REDE 32, DEM 31, Avante 30, PSB 29, PSL 29, PSC 28, PCdoB 28, Novo 7, PSOL 6; os demais partidos não têm candidatos. Isso apenas prova o argumento exposto acima.

Além disso, 65% dos candidatos à vereador são homens e a disputa para prefeitura da capital conta com, nada mais nada menos, 10 milionários disputando o cargo dentre 14 candidaturas. Isso apenas demonstra como as eleições, nos marcos desse regime golpista não são e não bastam para promover mudanças radicais na sociedade.

Vivemos em um estado governado pelo latifúndio, com número recorde de assassinato e suicídio de indígenas, com uma história de guerra e exploração da mão de obra imigrante e indígena, com papel crucial dos militares para reprimir e administrar a fronteira. No regime do golpe institucional, é fundamental batalhar por uma alternativa de esquerda, anticapitalista; uma esquerda que nessas eleições não se contente em administrar o legado desse regime podre. Precisamos de uma alternativa que, ativamente, possa ser uma força para forjar uma aliança revolucionária da classe trabalhadora com os camponeses pobres e os povos originários.

Entre fascistas e conservadores reacionários

Não é novidade que, no estado povoado sobretudo a partir da matança generalizada e roubo de terra dos povos indígenas por parte das forças armadas e na acumulação primitiva de capital a partir da Guerra do Paraguai - diante dessa história não é à toa que o Mato Grosso do Sul possua uma das burguesias mais reacionárias e podres do Brasil. Ela está diretamente subordinada aos interesses do capital financeiro internacional pela via do agronegócio que exporta alimentos envenenados enquanto nossa população morre de fome e os camponeses e indígenas não têm terra.

É nessa medida que as eleições contavam até pouco tempo com um candidato abertamente fascista, o reacionário “Tio Trutis”. Por determinação da justiça - algo que tem tudo haver com as disputas internas do próprio PSL e entre as diferentes frações da burguesia e nada tem que ver com um suposto democratismo do judiciário - a chapa de Lestor Trutis foi caçada, dando lugar a Vinícius Siqueira, e que antes era vereador pelo DEM até mudar para o PSL. Mas claro, trocar um fascista por um outro candidato do mesmo partido de um fascista… não ajuda em nada. É como, ao invés de passar dias e dias na seca do cerrado sem água, você tivesse direito a tomar alguns goles de água - o que na verdade é uma metáfora bem realista.

De toda forma, não podemos deixar de citar essa meia-dúzia de candidatos que representam o centrão fisiológico, oportunista e corrupto. Um liberal que morou nos Estado Unidos, Guto Scarpanti (Novo); o pior do fundamentalismo religioso com Paulo Mattos do PSC (coligado com o PROS) e Sérgio Harfouche do AVANTE (coligado com o DC e o PRTB); o centrão diretamente herdeiro da ditadura com Márcio Fernandes (MDB) e Esacheu Nascimento (PP); e outros partidos que apenas sobrevivem pelo fundo eleitoral e são verdadeiras sanguessugas, com a delegada de polícia Sidnéia Tobias (PODEMOS), o multimilionário Marcelo Miglioli (SOLIDARIEDADE, coligado com o PMN), o empresário João Henrique (PL) e Marcelo Bluma (PV). Vale citar: todos, com exceção de João Henrique com “míseros” R$ 166.858,15, possuem patrimônios milionários.

Mas o que dizer do atual prefeito, Marquinhos Trad, do PSD? Ele não passa de mais do mesmo - um administrador do capital, que governa com o agronegócio mais conservador e racista. Ele é um dos membros da família Trad, uma das famílias mais ricas do estado e de “tradição” (isto é, verdadeiros coronéis da cidade e região) que conta com Fábio Trad - deputado federal que apoiou a reforma da previdência - e Nelson Trad - ex-prefeito de Campo Grande, senador que também votou a favor na reforma da previdência, e que estava na comitiva de Bolsonaro por onde pegou COVID-19 no começo da pandemia. Importante também citar o parentesco próximo com o amante da saúde privada e higienista Henrique Mandetta, antigo ministro federal da saúde. E é nessas horas, percebemos que a “oposição” entre diferentes alas da burguesia - sejam elas o STF e a Lava Jato em relação à Bolsonaro e os militares - na verdade, são apenas disputas por fatias imensas de lucro capitalista.

Nesse sentido, sem dúvidas, a juventude de Campo Grande sabe bem que esse prefeito não representa nada a não ser um governo para a burguesia aristocrata e dos grandes fazendeiros da cidade, com direito a muito controle policial. Trad foi protagonista no fechamento sistemático de bares e restaurantes voltados ao público jovem - como o Drama, o Holandês Voador ou o antigo Resista -, seja pela lei do silêncio ou por desculpas policialescas “contra o uso de drogas”, mas que na verdade só servem à especulação imobiliária da capital. E é bom lembrar como a sua polícia reprimiu sem pudor nenhum o carnaval deste ano.

Isso porque ainda nem foi citada a desastrosa gestão da pandemia, na qual se combinou uma quarentena policial, se estabeleceu toque de recolher desde março deste ano. Ao mesmo tempo, não investiu em testes massivos para a população trabalhadora da capital. Muito menos defendeu uma quarentena racional, a partir da alocação dos doentes em hotéis e resorts expropriados pelo Estado para a recuperação dos infectados, tirando-os de suas casas, onde podem contaminar seus familiares - fora que boa parte da população precisa sair para trabalhar e mal possui condições mínimas para o tratamento desde suas casas. Mais de 1.200 pessoas morreram na cidade, sendo que boa parte da classe trabalhadora, sobretudo a mais precária, negra e indígena, não teve direito à quarentena e está tendo que arcar com o desemprego e a fome.

Fonte: https://www.midiamax.com.br/cotidiano/2020/acao-do-mpf-quer-garantir-saude-em-aldeias-urbanas-apos-fiscalizacao-mostrar-insalubridade

Fonte da imagem, Midiamax: https://www.midiamax.com.br/cotidiano/2020/acao-do-mpf-quer-garantir-saude-em-aldeias-urbanas-apos-fiscalizacao-mostrar-insalubridade

O partido de Trad está coligado com o pior dos partidos da ordem: representantes do latifúndio que queimam e matam o pantanal, tais como o DEM de Ronaldo Caiado, o PSDB de Reinaldo Azambuja; a extrema-direita do Patriota, com direito à vice na chapa; a REDE de Marina Silva que também votou a favor da reforma da previdência; o PTB fisiológico do corrupto Roberto Jefferson; o PSB que se diz de esquerda, mas está sempre com a direita; e o mais escandaloso e bizarro, o PCdoB - numa clara demonstração de que adora um vale-tudo eleitoral sem princípios de classe, aderindo diretamente à ordem dominante do estado e sepultando qualquer possibilidade de fazer nascer uma alternativa à esquerda.

Do PDT de Dagoberto Nogueira, infelizmente, não podemos esperar nada a não ser um gerenciamento do capitalismo para despejar a crise nas costas dos trabalhadores. Não podemos chamar de esquerda um partido que nas eleições para governador de 2018 tinha como candidato um ultra-privilegiado juiz Odilon, com uma intensa promiscuidade com as alas mais podres e golpistas do Estado como a Polícia Federal - sem falar que o mesmo APOIOU BOLSONARO nas eleições. Sim, foi isso mesmo que você leu. Então não, esse partido não é uma solução nem minimamente diferente de Trad.

É nesse contexto que precisamos avaliar o papel da esquerda em Campo Grande e as alternativas para combater a extrema-direita e o mais do mesmo da direita tradicional.

Há uma alternativa de esquerda para Campo Grande e se sim, qual?

Dentre os candidatos que se colocam como uma alternativa pela esquerda à Marquinhos Trad e à extrema-direita, temos Pedro Kemps do PT, Thiago Assad do PCO e Cris Duarte do PSOL.

Pedro Kemps não representa nada senão uma tentativa inglória do PT de se mostrar com um cara nova. O próprio governo de Zeca do PT no estado (1999-2007), sendo este ex-presidente do sindicato de bancários de Campo Grande, no final das contas não realizou uma reforma agrária no estado e também não defendeu a auto-determinação indígena na região - tanto é que ainda reivindicam a demarcação de suas terras as etnias Terena, Guarani Kaiowá, Ofayé-Xavante e Guarani Nhandeva; boa parte deles, inclusive, vive nas zonas mais perigosas e precárias da capital hoje, sem direito à terra. Pedro Kemps é desse mesmo partido que administrou o capitalismo por mais de 10 anos no país e deu passagem para a extrema-direita ao construir íntimas relações com o agronegócio, os fundamentalistas evangélicos e os militares - todos com grande peso na capital e que não querem perder suas “conquistas” do golpe institucional. Inclusive, o PT está na coligação eleitoral de Marcelo Iunes do PSDB em Corumbá, o mesmo partido do governador latifundiário Reinaldo Azambuja, por exemplo. Não preciso nem citar as promíscuas relações do próprio Lula com o latifundiário Bumlai, esse mesmo quem possui diversas fazendas em terras indígenas no estado. O PT, portanto, demonstrou não ser uma alternativa para a classe trabalhadora, pois sempre se alia com a direita e o próprio golpismo, esses que sempre despejam a crise nas costas da nossa classe.

Da mesma forma, o PCO suja o nome do trotskismo quando se diz um partido combativo e comunista, mas seu candidato apoia uma “frente única por Lula presidente para 2022”. A piada é tão crua e tosca que perde a graça na mesma hora. Uma alternativa da classe trabalhadora não passa por se colocar detrás de políticos da ordem que administraram o capitalismo (junto com a direita) por tantos anos. E o PCO ainda tenta dizer, enfaticamente, que é uma “oposição crítica ao PT”. Curiosamente, o PCO foi o único que apresentou candidatura, a do estudante Thiago Assad, mas que não consta no TSE.

Já pelo PSOL, temos a psicóloga Cris Duarte. Para os eleitores jovens e mais progressistas e que também já não se interessam em votar no PT, essa candidatura se apresenta como a mais viável, incluindo uma vice indígena na chapa - algo realmente progressista. Contudo, essa candidatura também se coloca desde o início com limitações profundas. Em seu plano de governo “A cidade é nossa”, as candidatas propõe elementos interessantes e fundamentais, como o enfoque nos direitos das minorias, das mulheres, LGBTQ+, negros e indígenas, do direito dos animais, da agroecologia, entre outros.

Contudo, essas propostas se mostram irrealizáveis na medida em que desenvolvem uma plataforma política que pretende: apenas auditar a dívida pública do município e não defender o não pagamento da dívida, visto que ela é uma dívida fraudulenta, que manda nossas riquezas diretamente ao imperialismo do capital financeiro e que o orçamento municipal está todo engessado para seu pagamento sistemático; recaem sobre o velho modelo de “participação mais democrática” no Estado que está à serviço da burguesia, mas bem sabemos que isso é impossível (pelo menos dentro desse atual Estado) se existe uma classe trabalhadora precária (e é importante citar, em sua maioria mulheres, negros e indígenas) e que tem seu tempo quase inteiramente tomado pelo trabalho; um plano para “valorizar os servidores da Guarda Municipal, garantindo um plano de cargos e salário digno, melhores condições de trabalho”, isto é, um plano contraditório para dar melhores condições à polícia de Trad matar sistematicamente jovens negros e indígenas. Não poderia estar mais na contramão da luta negra nos Estados Unidos que massivamente levanta o desfinanciamento da polícia em defesa das vidas negras.

A outra metade do programa é pautado apenas para discutir a questão indígena. E sim, é fundamental um plano de governo que esteja profundamente pautado na questão indígena - a questão é com que programa. Mesmo com a candidaturas sendo formadas apenas por mulheres e dentre elas uma indígena, elas chegam a colocar em seu programa: “Fortalecer policiamento nas aldeias urbanas de Campo Grande, somando esforços às tentativas das lideranças regionais em proteger as vidas indígenas”. Os povos indígenas não precisam de mais polícia e assassinato! Precisam sim é de uma esquerda que defenda seu direito à terra e sua auto-defesa independente de qualquer aparelho assassino e racista que só atende aos interesses do agronegócio.

Fonte da imagem, Midiamax: https://www.midiamax.com.br/cotidiano/2018/aldeias-urbanas-a-dificil-missao-de-viver-na-capital-e-manter-a-cultura

Alguns podem dizer que o Mato Grosso do Sul é um estado tipicamente conservador, com uma classe média bastante reacionária. Isso não deixa de ser um fato. Mas isso encobre uma problemática mais profunda: a de que não existe hoje uma esquerda anticapitalista que se coloque como uma alternativa viável para a classe trabalhadora e os oprimidos de Campo Grande.

É a partir desses elementos, daqueles que percebem que o PT não oferece uma saída para atender as necessidades dos trabalhadores de Campo Grande e que é preciso avançar e muito nas propostas políticas da candidata do PSOL num sentido explicitamente anticapitalista, convido todes a lerem a próxima parte desse texto para que possamos construir uma alternativa para Campo Grande.

Pela construção de uma esquerda anticapitalista e combativa para além das eleições

Diante de uma falta de alternativas eleitorais para a juventude, para as mulheres, LGBTQ+, para os povos indígenas da região e da classe trabalhadora como um todo, é fundamental a construção de uma esquerda alternativa e à altura dos desafios que impõe a crise econômica do capitalismo internacional.
Nos inspiremos em nossos irmãos e irmãs de classe, nos povos originários e camponeses pobres na Bolívia - onde enfrentam bravamente o golpe de Estado - país com o qual dividimos fronteira. Nos inspiremos no levante dos colombianos contra a polícia e na fúria negra que sacudiu o coração do império capitalista mundial, nos Estados Unidos - inclusive com a juventude e a classe trabalhadora batalhando para expulsar os policiais de seus sindicatos e até mesmo lutando pela abolição da polícia.

E é nesse espírito de época, da decadência do capitalismo é que, sem vergonha alguma, nos colocamos pela reforma agrária radical, com a total e completa expropriação do latifúndio, com a distribuição das terras para aqueles que nela produzem, estimulando a auto-organização dos pequenos proprietários. Defendemos a autodeterminação de todos os povos indígenas da região com pleno direito sobre sua terra e à uma organização independente, se assim o quiserem. É imprescindível também o estímulo à agroecologia, preservação e convívio sustentável com o cerrado e o pantanal a partir de uma mudança radical da produção, das técnicas, do manejo da terra e da agroindústria tóxica dos agrotóxicos, partindo da gestão dos recursos naturais pela classe trabalhadora e pelo povo pobre, assim como universidades voltadas aos interesses da classe trabalhadora e de seus aliados.

Diante da atual crise, é fundamental batalhar pela igualdade salarial entre negros, indígenas e brancos, homens e mulheres - bem como combater toda e qualquer forma de opressão. Para gerar emprego e renda, fomentar um plano de obras públicas para acabar com o desemprego e construir em toda capital saneamento básico, acesso à luz e água; isso só poderia ser possível a partir da estatização e unificação de todos os bancos sob controle dos trabalhadores e o não pagamento da dívida pública fraudulenta e que saqueia nossas riquezas mandando-as direto para o capital financeiro imperialista.

Tomo por base aqui a candidatura à vereador da Bancada Revolucionária de Trabalhadores em São Paulo, bem como a de Flávia Valle em Contagem/MG e Valéria Müller em Porto Alegre. As batalhas eleitorais do MRT se dão na medida em que é fundamental colocar a necessidade de conquistar sim cargos no parlamento, mas para fazer deles palanques ativos da luta de classes, para denunciar o regime de conjunto do golpe institucional e fortalecer e fomentar a organização independente para que os capitalistas paguem pela crise.

É por isso que, nacionalmente, defendemos uma Assembleia Constituinte livre e soberana imposta pela luta da nossa classe e dos oprimidos, num sentido claro de ruptura com o capitalismo e rumo a um governo dos trabalhadores; sem nenhuma confiança nos “democratas burgueses” do STF, da Lava Jato e dos governadores - que tentam passar uma postura “crítica” à Bolsonaro. Em uma Assembleia como essa, poderíamos batalhar ativamente em todo o país e em Campo Grande também, pela legalização do aborto de forma segura e gratuita; pelo não pagamento da dívida pública; pela auto-determinação dos povos indígenas - e todas as outras propostas expressas aqui. É isso o que nos diferencia. Não temos ilusões nas instituições do golpe. Queremos organizar nossa classe para lutar, se auto-defender e garantir as liberdades e direitos fundamentais que nos são negados.

É nesse contexto que o Movimento Revolucionário de Trabalhadores faz um amplo chamado a todes para construir esse partido conosco e batalhar por uma nova esquerda anticapitalista e revolucionária.

Para entrar em contato com o MRT na região centro-oeste, envie um email para: [email protected]




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