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TRIBUNA ABERTA | Não foi erro, foi contexto

Como podemos pensar um erro de arbitragem no Futebol, e a postura irrevogável do árbitro, a partir do contexto atual da justiça brasileira.

Gabriel BocchiAntropólogo

quinta-feira 23 de fevereiro de 2017 | Edição do dia

Crédito da imagem: Rubens Cavallari

Eduardo Galeano, no clássico de cabeceira (e de bolso), “Futebol ao sol e à sombra”, define o árbitro como “Arbitrário por definição”. Aquele que opera as regras do jogo, no dicionário do Futebol, tem como sinônimo “Juiz”, termo de seriedade ímpar, que designa “Aquele que diz o direito”, “Magistrado que tem por função ministrar a justiça”, definições do Dicionário Larousse. Poderíamos desenhar o “Juiz do futebol”, então, como um “Arbitrário da justiça”, que sempre penderá suas decisões, de maneira incontestável, para o lado certo, do “Direito”, conforme as atitudes dos jogadores.

Em tempos de golpes na democracia, é curioso que uma das principais máscaras vendidas para o Carnaval seja a do juiz que, ao delegar direitos específicos, partidários e com lado tomado, se tornou “Popstar”, capa de revista, “Herói nacional”. Trata-se do magistrado da justiça que não é lá muito justo, é arbitrário apenas no que diz respeito a seus próprios princípios políticos.

Voltemos ao Galeano, que, no mesmo parágrafo, sobre o árbitro, continua: “Este é o abominável tirano que exerce sua ditadura sem oposição possível e o verdugo afetado que exerce seu poder absoluto com gestos de ópera”.

É fato empírico que em uma partida de Futebol, o árbitro, ao surgir no gramado, é malquisto (e até ofendido) por ambos os lados da disputa. Antes de qualquer esboço de apito inicial sua índole já é colocada em suspeito pelos dois lados da peleja: a “Imparcialidade” que se espera daquele que irá “Ministrar a justiça”, se transforma em temor à parcialidade ao adversário. O árbitro é o inimigo comum, fator que polariza ainda mais os adversários.

Um juiz pode arquivar seguidas denúncias feitas a um comparsa seu, com o qual posa entre risos em uma festa de fim de ano. Igualmente, pode pedir que se realize, a todo custo, sob a prerrogativa de “Necessidade da justiça”, averiguações daquele de quem, simplesmente, se dissolveram as acusações, não há provas contrárias. Claro, aqueles que conduzem a ópera contemporânea tem bem marcados os papéis de cada sujeito: um é bom, o outro é ruim, e a justiça, os juízes, que arrumem meios, modos e provas de colocar cada um em seu papel.

A justiça no futebol é o árbitro, está no juiz, está em sua “Magistratura”, e em seus objetos de trabalho, como indica Galeano: “Cartão na mão, levanta as cores da condenação: o amarelo, que castiga o pecador e o obriga ao arrependimento, ou o vermelho, que o manda para o exílio”.

O juiz pode ter todas as provas esclarecidas de que não valem os esforços e os gastos para investigar determinado sujeito, o fazer com outros renderia melhores frutos para o bom exercício da justiça. No entanto, já foi decidido pelos patrocinadores da ópera que o primeiro é o culpado, e é necessário prová-lo, e os segundos, bom, sobre os segundos... publica-se uma nota de rodapé em algum site de notícias, nada de alarme em rede nacional, em horário nobre – e esse engavetamento também faz parte dos ritos de suposta imparcialidade.

O árbitro, no calor do jogo paralisado, pode ser alertado de que expulsou o atleta errado, e que está a tempo de reverter o equívoco. No entanto, ele está apitando uma partida no país dos golpes, onde filiado a partido megadenunciado é nomeado para cargo vitalício no Supremo Tribunal Federal, e onde procurador de justiça afirma: “Não temos como provar, mas temos convicção”.
O magistrado da partida, assim, amparado pelo contexto do que é justiça no Brasil de hoje, mantém sua postura, mesmo que seja contrária às provas – seus assistentes lhe informaram sobre qual atleta deveria ser condenado com qual cor de cartão – mas ele mantém a condenação àquele que sua “Convicção” indicara.

A imparcialidade da justiça tropeça nos papéis necessários à ópera, com o apito na boca ou um martelo na mão, todo e qualquer direito (na acepção ampla do termo) estão subjugados a “Convicções pessoais”, em um contexto de justiça cada vez mais parcial e partidário. Assim, nada melhor do que a definição de árbitro talhada por Eduardo Galeano – a do “Abominável tirano que exerce sua ditadura sem oposição possível” – para classificarmos o que é fazer justiça no Brasil atual, e entendermos que o erro do árbitro Thiago Duarte Peixoto, ao expulsar o atleta errado no último Corinthians vs. Palmeiras (22/02/2017), não foi propriamente um erro, mas sim um ato muito bem contextualizado.




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