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LIBERDADE DE RELIGIÃO PARA QUEM? | Na Bahia, religiosos pedem ao MPF-BA investigação de grupo ‘Gladiadores do Altar’

Val LisboaRio de Janeiro

sexta-feira 27 de março de 2015 | 00:00

Foto: Divulgação/Ascom MPFB

Notícia do jornal A Tarde, da Bahia, creditada ao jornalista Yuri Silva, informa que na segunda-feira, 23, religiosos de candomblé e umbanda baianos protocolaram na sede do Ministério Público Federal da Bahia (MPF-BA) uma carta aberta em que pedem a investigação da criação do grupo Gladiadores do Altar pela Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd). Com características de grupo paramilitar – disciplina e hierarquia – os Gladiadores do Altar fazem prever o crescimento de práticas violentas dos evangélicos contra outras religiões, tendo como foco principal nas de matriz africana, deixando claro seu caráter reacionário e racista.

Na carta, o babalorixá Sivanilton Encarnação da Mata, o babá Pecê, líder espiritual da Casa de Oxumaré, exprime preocupação e medo dos religiosos de matrizes africanas diante da criação de um grupo com características militares pela igreja evangélica. “Ficamos receosos porque fiéis dessa igreja vêm atacando nossa religião diretamente ao longo dos anos, sem disfarces, com invasão de terreiros e violência física”, declarou babá Pecê à equipe de A Tarde.

Em 26 estados brasileiros e no Distrito Federal se organiza a Mobilização Nacional do Povo de Santo, unindo religiosos e militantes do movimento negro. Luiz Paulo Bastos, coordenador do Coletivo de Entidades Negras (CEN), informou que cerca de 1.500 pessoas compareceram aos atos realizados nas sedes estaduais do MPF. Em Salvador, 200 pessoas participaram da entrega da carta ao chefe do MPF-BA, Pablo Barreto, que afirmou que será aberto um inquérito civil público para apuração do caso, centralizado pela Procuradoria Geral do Direito do Cidadão, órgão do MPF na área de cidadania. “Esperamos chegar a um resultado de conciliação dos interesses, garantindo a promoção do direito fundamental à liberdade religiosa”, disse Paulo Barreto. Com essas palavras conciliadoras, a Universal e outras instituições evangélicas podem ficar tranquilas para continuar a perseguição religiosa aos cultos afro sem risco de qualquer punição por ferir até mesmo as leis nacionais.

Diversos casos de intolerância religiosa estão sendo investigados pelo órgão, como o caso de expulsão de mães de santo das favelas cariocas por traficantes ligados a religiosos evangélicos. São muitos os casos de mães de santo expulsas das comunidades no Rio de Janeiro. A ligação reacionária entre traficantes “convertidos” e líderes evangélicos não apenas serve para essas igrejas “arrebanharem fiéis”, hegemonia e muito dinheiro, claro, mas demonstra que o grupo criado pela Universal não é novidade, mas a continuidade “institucional” de grupos “clandestinos”, violentos, como os “guerreiros de Deus” que, no Rio de Janeiro, engloba líderes religiosos, traficantes de diversas facções, milicianos e autoridades policiais.

A perseguição religiosa que a minoria evangélica – apenas 22% da população – aplica impunemente contra os cultos afro se apoia no “silêncio” da Igreja Católica – deixando para os evangélicos o “trabalho sujo” – e na cobertura política de “autoridades” como o presidente da Câmara de Deputados, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e a “bancada evangélica”, que pretendem impor valores morais “evangélicos” (cristãos) como “valores universais da democracia” obrigatórios a todos os cidadãos e sua consciência.

Na cidade do Rio, seguidores da religião afro sobrevivem como “refugiado de guerra”

Muros das comunidades cariocas delimitam territórios a partir da orientação religiosa, impondo aos filhos de santo e aos espíritas uma vida de “refugiados” em sua própria cidade. Muros pichados com lemas evangélicos como “Só Jesus Salva” ou siglas da juventude da Universal e outras associações evangélicas indicam territórios hostis aos praticantes do candomblé e da umbanda. Aí dominam os evangélicos em aliança reacionária com traficantes (muitos deles, negros) ou milicianos, apresentando-se muitas vezes como “guerreiros de Deus” que atuariam em nome de Jesus.

No Morro do Amor, Complexo do Lins, zona norte do Rio, uma filha de santo teve que se mudar porque foi “descoberta” pelos traficantes que dizem não tolerar a “macumba”. Como “refugiada”, vivendo uma vida clandestina, ela saía da favela para o seu terreiro, na Zona Oeste, sem roupas que denunciassem sua crença. Por descuido, um dia deixou a vestimenta religiosa no varal. Na semana seguinte foi ameaçada pelos traficantes e expulsa da comunidade. Resignada, diz: “Não dava mais para suportar as ameaças. Lá, ser do candomblé é proibido. Não existem mais terreiros e quem pratica a religião, o faz de modo clandestino”.

A Associação de Proteção dos Amigos e Adeptos do Culto Afro-brasileiro e Espírita denuncia que pelo menos 40 pais e mães de santo foram expulsos de comunidades da Zona Norte pelo tráfico. Na Serrinha, em Madureira, um dos berços da negritude carioca, do jongo e do samba, e no Lins (alguns morros foram quilombos), comunidades essas dominadas por facções “rivais”, prevalece a “lei” de fechamento dos terreiros e da proibição do uso de colares afro, roupas brancas, atabaques e cânticos. A negação da liberdade religiosa para os negros e pobres, e a perseguição aos cultos africanos, são comuns também nas comunidades controladas por outra facção conhecida como “milícia” – formada por policiais, bombeiros e traficantes –, configurando uma verdadeira “caça” contra a cultura negra.

O presidente do Conselho Estadual de Direitos do Negro (Cedine) do Rio de Janeiro, Roberto dos Santos, declara que “Já temos informações desse tipo. Mas a intolerância armada só pode ser vencida com a chegada do estado a esses locais, com as UPPs”. Ou seja, em vez de investigar e punir por perseguição religiosa, começando pelos líderes evangélicos que agem abertamente e “dão as ordens” aos seus “guerreiros de Deus” – traficantes e milicianos –,o presidente do Cedine só tem a propor as UPPs, a mesma polícia que nas comunidades é vista por muitos como mais uma facção que inferniza a vida dos trabalhadores, principalmente negros, negras e pobres.

Leia aqui texto de opinião sobre a luta pela liberdades democráticas.




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