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TRANSPORTE | Muita treta no busão de Marília, todos à reunião da Frente de Luta pelo Transporte dia 23/09!

Um relato vivo sobre o dia-a-dia do transporte público em Marília, e um chamado à reunião da Frente de Luta pelo Transporte para construir a luta contra o aumento da tarifa e contra a demissão dos cobradores.

domingo 20 de setembro de 2015 | 00:52

Em Marília a tarifa do ônibus foi aumentada no dia 16/09 de R$2,85 para R$3,00, como noticiamos aqui. É o segundo aumento no ano de 2015. No dia 17, logo após a tarifa ser aumentada foi realizado um importante ato no centro da cidade. Agora a Frente de Lutas pelo Transporte chama nova reunião dia 23/09 para pensar os próximos passos, às 19h.

Sou morador da Zona Oeste da cidade, e utilizo o transporte público desde 2007. Em 2012 passei o ano trabalhando na Zona Sul, no bairro Nova Marília, quando tive um uso diário do transporte em horários de pico, em uma linha bastante lotada. De lá pra cá a tarifa só aumenta, e está cada vez pior andar de ônibus. Por mais que tenha continuado a depender do transporte público, nesta época vivi muitas situações que me ficaram na memória, que marcaram a minha experiência, compartilho aqui um pouco delas para refletir sobre a situação do transporte em Marília.

Pegava todo dia o ônibus próximo de minha casa até o terminal, e no terminal fazia a baldeação pegando o “Nova Marília 2º Grupo”, o famoso “segundão”, uma das linhas mais lotadas da cidade. Como é comum em Marília os ônibus em vez de ligarem diretamente um bairro a outro passam antes pelo terminal. Com a má organização dos trajetos, atendendo a interesses alheios aos da população, muitos trabalhadores acabam demorando de quarenta minutos a mais de uma hora para fazer trajetos que de carro ou moto levariam cerca de 10 a 15 minutos.

No terminal pouca gente a passeio. Tristes trajetos. Semblantes marcados, corridos, sérios. Aquele amontoado de gente no segundão me lembrava aqueles fornos com frango assando à mostra. Aquela gente doente, cansada, apertada, jamais estaria ali se pudesse. Nenhum riso, nenhum respiro tranquilo no horário de pico. Imaginava os chamados navios negreiros vindos da África. Talvez seja incomparável. Mas nos ônibus de hoje estão os descendentes dos sobreviventes, sobrevivendo, amassados, sufocados, suados no calor. Inegavelmente quem mais padece com a situação do transporte em Marília tem a pele preta, é muita treta. Da janela nada de oceano, são os carros poluindo, e outdoors comendo as mentes.

O ônibus corria o quanto podia, o motorista era cobrado a cumprir horário, senão pela empresa, pelos usuários do coletivo. As pessoas olhavam no relógio apressadas, assim como eu. Qualquer paradinha a mais poderia significar atraso, aquela corrida do ponto até a porta do trampo. Teve dia que quebrou! Porque é que eles faziam isso com a gente? Então aflitos esperávamos na rua passar outro, má manutenção, superlotação, dá nisso. Minutos parados com a gente apertado dentro, sem o arzinho da janela do ônibus em movimento, até descermos e esperarmos outro passar. E o pior, quem tem horário no serviço sabe que no trampo não ligam para o que acontece no seu ônibus, atraso é atraso.

O tempo é o da produção, nenhum segundo para respirar. O que mais me deixava angustiado eram as senhoras que entravam no ônibus, com suas peles marcadas pela vida de trabalho, o andar lento, o corpo com um tempo que não cabe ali. Era “o som, a cor e o suor, uma dose mais forte e lenta de uma gente que ri quando deve chorar e não vive, apenas aguenta”. Lembrava da minha avó. Ainda bem que ela andava a pé e não tinha que passar por aquilo. Elas não passariam se houvesse outro jeito. A pressão do horário no emprego, do patrão, impõe certa indiferença no ar. A cabeça da gente tem hora que fica longe, fugindo dali. Essa hora do ônibus é roubada da gente. Não ganhamos nada por ela no serviço. É inútil. E numa dessa às vezes não vemos as necessidades especiais que as pessoas estão tendo ao redor, sobretudo aquelas mulheres idosas. Perdi a conta de quantas vezes aconteceu o trágico no trajeto, aquela história se repetia: as senhoras se apoiavam e com dificuldade desciam com cara de afoitas o mais rápido que podiam. Era tanta gente que impedia a visão do cobrador, devia ser tanta pressão ao motorista que ele ia fechando as portas e saindo com ônibus antes que delas conseguirem descer. O pior quase acontecia, até que alguém gritava. As senhoras saíam constrangidas ou irritadas. Não foi uma nem duas vezes que aconteceu... Ás vezes nem prestamos atenção, mas eu prestava...

Pior está hoje, com diversas linhas sem o cobrador, com o motorista tendo que fazer o papel de motorista e de cobrador ao mesmo tempo, atrasando os horários, sobrecarregando os motoristas de trabalho, e aumentando os riscos de acidente, uma vez este não consiga acompanhar a dinâmica de saída dos passageiros.

Nem falar dos assédio às mulheres. Aquela educação violenta cumprindo seu papel. Todos vivendo quase na mesma condição, da mesma classe social, vivendo a mesma situação, mas uns se sentido no direito de abusar das outras, e a classe dominante contente em nos dividir. Gente se incomodando com a sexualidade alheia. Maltratando. Pessoas cujo visual questiona padrões de gênero obrigadas a conviver com agressões, com olhares mutiladores. Desencorajando a ter vida pública. Não basta a violência nas escolas, os baixos salários, ainda mais essa na hora de voltar para casa. Sem contar o perigo do ponto de ônibus até o destino nos horários noturnos.

Convivia com meninos que problemas com escola tinham mil, “mil fita”, no Nova Marília. Alguns curtiam andar de skate no Tatá. Conversei com um jovem que praticamente nunca tinha saído do bairro. Fiquei intrigado. Para as empresas de ônibus e para a prefeitura, que só interessam os lucros, ônibus só serve para transportar trabalhador ao trabalho. Para os jovens negros da periferia é negado o direito à cidade, o acesso a áreas de lazer. Além das taxas abusivas, a verdade é que existem pouquíssimos horários de ônibus em fins de semana. Além do mais, existem barreiras invisíveis. Tem role da cidade que só se encontra negro servindo e limpando. Companheiros me contaram várias vezes que levaram enquadro indo para o Esmeralda em final de semana. Para chegar ali não é com qualquer roupa. Tem roupa de casa, mas tem passaporte de classe. Não dá pra andar de chinelão e de “qualquer jeito”. Sem roupas bem passadinhas, imitando marcas famosas, perfume, o direito a alguns lugares de lazer está negado. Dizem que o shopping, que restaurante, que hipermercado é público. Mas basta olhar nos corredores as cores de pele, a origem social de classe, os bairros que moram. O ônibus, por ser o trânsito entre bairros, é trânsito de classe, marcando o apartheid, a segregação. E a diferença dos empacotadores da área toda... O trajeto de ônibus é um divisor. Na entrada das quebradas tem um muro que não se vê.

Por essas e outras a gente vê quem mais sofre com a situação do transporte público. Quem é que sente na pele? E quem é que lucra com isso? O interesse das empresas de ônibus é o lucro, e não boas condições de trabalho a motoristas e cobradores, ou um trajeto melhor na vida dos trabalhadores, das mulheres, dos LGBTs. Os únicos interessados em mudar essa situação são os trabalhadores e usuários do transporte público, que devem controlar o serviço. Enquanto o transporte estiver nas mãos das empresas quanto pior, melhor para eles, por isso o transporte deve ser estatizado. Chega de sufoco, chega de opressões, chega de superlotação, chega de tarifa abusiva, chega de não ter direito a transitar pela cidade, chega de demorar tanto, e chega de precarização do trabalho nos transportes, é o nosso dia-a-dia, é a nossa vida! São milhares aguentando, todo dia, para sustentar os privilégios dos capitalistas da Grande Marília, e da Sorriso de Marília, que ainda reclamam de não estarem lucrando o quanto gostariam. Dizem sobre a crise... Crise é busão lotado pra trabalhador levar ganha pão para casa. Crise é pagar o gás esse mês, é a inflação. Que culpa têm esses que usam os transportes nessas condições?

Após a manifestação ocorrida no dia 17 é necessário organizar discussões nos locais de estudo e trabalho e tentar fazer aumentar essa luta. Está marcada para o dia 23/09 na uma reunião da Frente de Luta Pelo Transporte de Marília que irá pensar os próximos passos, quem sabe um novo ato. Gostaria de convidar todos aqueles afetados e interessados a comparecerem nesta reunião e construírem essa luta, às 19h do dia 23 na Avenida Santo Antônio, 783 (sede da APEOESP).
A sede fica no quarteirão de baixo da Igreja, sentido Zona Norte.




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