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Moradia, comissões de moradores e luta urbana no Portugal revolucionário

Carlos Muro

Moradia, comissões de moradores e luta urbana no Portugal revolucionário

Carlos Muro

As potencialidades do movimento por moradia, as ocupações de moradias e as comissões auto-organizadas, em meio ao processo revolucionário.

A revolução portuguesa que ocorreu entre 25 de abril de 1974 e 25 de novembro de 1975 foi um aviso aos capitalistas de toda a Europa. As burguesias da Alemanha Ocidental, do Reino Unido e dos Estados Unidos se apressaram em fornecer todos os recursos disponíveis para impedir um processo revolucionário que questionava a propriedade em um dos países da Europa capitalista.

O protagonista indiscutível da revolução portuguesa foi a classe operária, que mostrou seu grande potencial e sua enorme criatividade. O crescimento econômico favoreceu o crescimento e a diversificação dessa classe, que pela primeira vez ultrapassou a população rural. O fortalecimento social foi acompanhado por novas experiências de organização, diante dos proprietários e das instituições da ditadura, como as comissões de trabalhadores e as de moradores. Organismos que representaram, de forma embrionária, alternativas de poder às instituições estabelecidas. De acordo com o relato de Phil Mailer, cerca de 4 mil comissões desse tipo foram criadas.

Movimento por moradia e classe trabalhadora com o início da revolução

O movimento operário representava a linha de frente do conjunto de movimentos de ruptura com o antigo regime. O movimento por moradia foi a expressão operária e popular nos bairros do gérmen de um duplo poder que disputava o futuro de Portugal.

As vizinhanças dos principais centros urbanos começaram a levar adiante a ruptura com o regime. Essa dinâmica levou a questionar a propriedade privada, as relações capitalistas e a propor formas democráticas de organização a partir de assembleias, elegendo comissões, com direito à revogabilidade a qualquer momento, nos principais bairros operários e centros industriais.

Apenas três dias depois de 25 de abril, os moradores de Boavista, em Lisboa, ocuparam casas vazias. No dia 29 de abril, mais de 100 famílias que viviam em favelas ocuparam um conjunto de moradias públicas nos arredores de Lisboa. Nas duas semanas seguintes, mais de 2 mil casas foram ocupadas em todo o país [1].

Em 30 de abril, os residentes de uma zona habitacional municipal do Porto reuniram-se em assembleia geral e elegeram uma comissão de “moradores” (vizinhos e vizinhas). No dia 31, todos marcharam juntos para comemorar o 1º de maio, apresentando ao governo uma lista de reivindicações para a eliminação dos controles repressivos e a melhoria das condições físicas dos bairros. Eles fizeram um chamado aos moradores de outros conjuntos habitacionais para que se organizassem, e muitos deles não demoraram em fazê-lo.

Em Lisboa, por volta de maio, reuniram-se em assembleia 300 moradores - representando 230 famílias -, que viviam em barracões há 50 anos. Elaboraram uma lista de reivindicações tão básicas como “ruas, água e um novo bairro”, elegendo uma comissão representativa. Eles também convocaram outros bairros de barracos para fazer o mesmo. Só nos primeiros dez dias da revolução, entre 1,5 e 2 mil moradias foram ocupadas na capital, o que dá uma pequena amostra do que esse movimento representou.

Este enorme fenômeno expressou, nada mais nada menos que a necessidade brutal de milhares de famílias trabalhadoras de ter uma casa ou de poder alugar um apartamento a preços acessíveis. Em Lisboa, Porto e Setúbal - nas três cidades em que nos concentraremos - existiam necessidades sociais semelhantes, assim como de organização e experiência. São cidades cujas populações cresceram exponencialmente até 1974. Lisboa atingiu 830 mil habitantes em 1970, Porto no mesmo ano 325 mil e Setúbal, 65 mil em 1974. Quase 30% do total das famílias portuguesas não tinham uma moradia minimamente digna em 1974.

A situação no final de 1974 era que, com 20 mil moradias na cidade, havia cerca de 3,6 mil famílias que precisavam ser realojadas; havia cerca de 450 casas velhas vazias e 3,5 mil casas novas prestes a serem concluídas; e cerca de 2 mil famílias da classe trabalhadora e da pequena burguesia que pagavam entre 25 e 40% de sua renda em aluguéis de até um salário mínimo. As infra estruturas básicas (estradas, esgotos etc.) também eram insuficientes [2].

Surgem as comissões... Organização, reivindicações e ações

O movimento por moradia teve poucas experiências antes do 25 de abril em relação à organização de comissões, ao contrário do movimento operário. Com a queda da ditadura, comandada na época por Caetano, os primeiros a se lançar na forma de “comitês organizadores” foram os bairros pobres.

Em linhas gerais, esse movimento urbano abrigava diferentes classes e grupos sociais, tinha um caráter policlassista, mas com grande predominância de assalariados. Para Downs:

Este movimento foi muito maior do que poderia ter sido se organizado apenas através do local de trabalho, e incluiu homens e mulheres desempregados, jovens, empregados e trabalhadores de pequenas e grandes fábricas, profissionais e proprietários de pequenas lojas (...) No entanto, a composição concreta do movimento urbano policlassista variava de um lugar para outro. No Porto e em Lisboa, consistia basicamente em pobres, incluindo especialmente trabalhadores qualificados e não qualificados mal pagos, empregados, vendedores ambulantes e pequenos proprietários. Só em Setúbal estavam incluídos um grande número de operários das indústrias modernas e dos serviços profissionais da nova pequena burguesia [3].

O comitê organizador foi quem convocou uma assembleia de todo o bairro para discutir a lista de reivindicações e reclamações para as autoridades: os problemas do bairro, de moradia, infraestruturas, regulamentações governamentais repressivas ou problemas relacionados com ocupações habitacionais. E, por outro lado, eram eleitas as comissões - que normalmente elegiam o “comitê organizador” e os novos membros. Normalmente o mandato era de um ano e alguns membros eram substituídos por diferentes motivos, tais como: renúncia individual, substituição direta pela população ou término do mandato.

Ao contrário das câmaras municipais, nas comissões de bairro podiam votar os maiores de 16 ou 18 anos e reuniam-se a cada sete ou quinze dias. Nas comissões poderiam haver vários grupos de trabalho e um comitê coordenador que se reunia uma vez por semana com nove grupos de trabalho: moradia, infância e velhice, cultura e esportes, saúde e ajuda, controle de preços, arrecadação de fundos, associações, planejamento urbano e relações públicas. Dependendo dos bairros e de suas necessidades, as demandas podiam ser variadas, mas o conjunto de demandas reflete uma realidade, que a maioria eram demandas de setores assalariados. Demandas como moradia para todos, aluguéis mais baratos, infraestrutura física precária como esgoto ou eletricidade, consertos de ruas e equipamentos e serviços básicos como escolas, creches, transporte público, coleta de lixo, cabines telefônicas, centros sociais, farmácias ou clínicas com serviços gratuitos para todos.

Porém, a primeira necessidade era ter uma moradia. Multidões se lançaram à ocupação de casas, que consideraram legítima por considerarem a moradia um direito básico de toda a população. Nos primeiros meses, foram ocupadas as unidades habitacionais municipais e, a partir de 1975, as ações se radicalizam com ocupações de moradias particulares. A ocupação de moradias foi um fenômeno gigantesco, organizado por grupos de vizinhos, comissões de ocupação ou pelas comissões de moradores. Estima-se que pelo menos 30% das famílias viviam em domicílios precários, 40% não tinham água e esgoto encanado, 60% dos domicílios tinham pelo menos 40 anos ou, em Setúbal, que havia 1152 favelas.

Assim, no início apenas as moradias “públicas” do governo eram ocupadas, então pequenos e grandes proprietários de apartamentos começaram a se sentir inseguros. Esta insegurança foi agravada por algumas ocupações esparsas de antigas casas particulares durante o verão de 1974. Em 12 de setembro, o governo publicou o Decreto-Lei 445/74, que permitia ao proprietário 120 dias para alugar sua casa. Após este período, caso a casa não fosse alugada, era comunicado e alugada em nome do proprietário. A lei que não violava o negócio rentável que envolvia a venda ou aluguel de casas a preços elevados, fez com que muitos proprietários não prestassem atenção. Esgotados os prazos legais, muitos vizinhos (que haviam organizado comitês de vigilância) efetivaram a ocupação eles próprios e, a partir de 18 de fevereiro, teve início uma segunda grande onda de ocupações, mas desta vez mirando de moradias particulares. Estima-se que 2,5 mil apartamentos foram ocupados em Lisboa nos dias seguintes. O governo foi forçado a legalizar as ocupações, mas posteriormente estabeleceu exceções que tornaram 80% ou mais das ocupações ilegais. Esta lei foi imediatamente apelidada de “Decreto contra as ocupações”. A mudança de conjuntura ocorreu no final de 1975 com o golpe de estado e a recuperação pela burguesia da situação nas fábricas, no exército e nos bairros.

Outra demanda foi a limitação dos preços de aluguel. Não apenas os setores mais pobres da classe trabalhadora tinham problemas de moradia, mas também as camadas superiores, tendo que pagar entre 25% e 40% ou mais de sua renda pelo aluguel. O debate nas comissões surgiu de imediato, entre aqueles que propunham estabelecer um teto para o aluguel ou aqueles que propunham que o aluguel deveria ser apenas uma fração da receita. Downs comenta que a primeira proposta limitava-se apenas “aos 10% ou 15% da população que tem uma moradia muito mais cara que a média e, geralmente, mais que a renda média”, e a segunda proposta “envolve potencialmente os moradores de favelas, bem como trabalhadores ou profissionais mais bem pagos, mas levanta problemas de controle e organização em um nível mais alto”.

Em Setúbal, os residentes de três novos bairros reuniram-se no final de maio de 1974 e definiram a sua posição dizendo que “a renda deveria ser de 10% do rendimento familiar”, mas “pela falta de condições para concretizar a proposta... aprovamos o pagamento de 500 por quarto e 300 por quarto se for na sótão, como primeiro passo”.

A necessidade da articulação estratégica entre comissões de moradores e de trabalhadores

O processo de urbanização e o fortalecimento social da classe trabalhadora geraram um duplo processo. Ao mesmo tempo em que os movimentos urbanos se tornaram protagonistas, surgiram novos setores produtivos (como serviços, comércio ou hotelaria) em estreita relação com as populações. Permitindo, de certo modo, não só que o movimento operário tivesse posições chave, mas também setores que, dada a sua posição, permitiam conquistar ou articular novos aliados na população (a maioria deles assalariados).

Podemos destacar as ações e reivindicações, conjuntas entre os vizinhos (principalmente da classe trabalhadora) e o movimento operário. A necessidade de infraestrutura, por exemplo, levou a ações como a ocupação de empresas do setor farmacêutico pelas comissões de trabalhadores e a venda de medicamentos para a comunidade com a colaboração deles. A necessidade de alimentos baratos, devido ao aumento da inflação pela crise, levou à venda de produtos agrícolas pelas mesmas comissões de bairro.

A venda direta de produtos agrícolas, conhecida como a “ligação cidade-campo”, era uma tentativa de vender diretamente os produtos das cooperativas aos consumidores, contornando os intermediários (que aumentavam os preços). Nesse sentido, também podemos citar como a equipe do Pão de Açúcar publicou diante dos vizinhos a contabilidade da empresa e as margens de lucro que o empresário tirou quando os preços foram aumentados injustamente. Uma multidão de vizinhos se manifestou (como em Labradio, distrito de Setúbal) perante os comerciantes exigindo a limitação dos preços, organizando comissões de controle de preços para os fiscalizar.

Existem outros exemplos interessantes como o dos trabalhadores do Hotel Francfort em Lisboa que o ocuparam e foi transformado num centro cultural público à disposição de todos os residentes. O motel Do Muxito (de origem duvidosa) foi ocupado pela população e transformado em centro de descanso e repouso para idosos. Muitos edifícios abandonados ou de empresários foram ocupados diretamente pelos seus trabalhadores ou pela própria população. A intersecção entre os dois movimentos ocorreu naturalmente, em primeiro lugar, porque centenas de trabalhadores eram vizinhos. As experiências nas empresas foram transferidas para o bairro e vice-versa.

Institucionalização e burocratização das comissões

Os 6 governos provisórios formados após a queda da ditadura endossaram e desenvolveram o projeto SAAL (Serviço Ambulatorial de Apoio Local) desde sua aprovação no final de julho de 1974, que buscava “apoiar as iniciativas locais da população pobre” e “cooperar na transformação de bairros e promover associações e cooperativas de moradores”. Quando de fato o que a SAAL, formada por vários burocratas (arquitetos e universitários, muitos deles vinculados ao Partido Comunista) estava é tentando ser uma instituição governamental dentro dos movimentos por moradia, ou seja, um “elo” de controle das prefeituras e do governo (que até agora ninguém havia votado) para limitar as demandas do movimento de moradores e suas comissões. Sem nenhum grupo de esquerda questionando isso.

De certa forma, estabeleceu-se uma relação política entre burocracia, prefeituras e governos provisórios para evitar que as comissões de bairro adotassem funções políticas e de administração das cidades, uma forma embrionária de democracia direta, como foram os sovietes. Para Raquel Varela, enquanto as comissões de bairro eram órgãos locais de decisão que nasceram quase imediatamente como uma estrutura local de tomada de decisão, as câmaras municipais serviam “mais como fonte de pessoal e de financiamento para os principais partidos” [4].

Os principais partidos que lutaram para desviar o processo revolucionário e impor uma “democracia burguesa” do tipo “ocidental” lançaram-se a ocupar cargos e instituições “através de um movimento de substituição da densa rede de autoridades políticas e administrativas municipais e distritais (prefeitos, governadores civis, líderes corporativos etc.)”. Segundo Almeida [5], o Partido Socialista de Portugal teve 33 presidências e vice-presidências das Comissões Administrativas (CA) das Câmaras Municipais (38,8%), o Partido Popular Democrático, desde 1976 Partido Social-democrata, com 27 cargos (31,8 %) ou o Partido Comunista de Portugal com 22 cargos (25,9%). Em última análise, como diz Varela, as câmaras municipais - que estavam em decadência e falência política após a queda da ditadura - serviram ao PS e ao PC como fonte de financiamento e de posições, tentando a partir dessa posição controlar e moderar ações e reivindicações do movimento de habitação.

As novas prefeituras “democráticas” eram controlados pelo Conselho de Salvação Nacional e, portanto, pelos militares, outros pela eleição de um comitê de partidos de oposição nos bairros e, em outros casos, esses mesmos comitês partidários decidiam os membros das prefeituras. Em 38,5% dos casos, os Conselhos de Administração dos municípios duravam entre 2 anos e 3 meses e 2 anos e 7 meses e nunca foram substituídos e nenhum dos municípios teve eleições até 1976, ou seja, uma vez que o processo revolucionário foi derrotado.

Em outras palavras, os partidos contrarrevolucionários usaram as prefeituras como “fortes”. Ao mesmo tempo, eles usaram o SAAL e sua burocracia política como um “cavalo de Tróia” nos bairros (diante da enorme necessidade e escassez que existia) para desativar o potencial revolucionário. Ao contrário, as câmaras municipais não foram tomadas pelas comissões de trabalhadores e moradores, para tornarem-se verdadeiras “trincheiras revolucionárias” que unificaram todas as comissões da cidade, assumindo cada vez mais funções administrativas e políticas da cidade que ajudassem a organizar o “ataque final” para tomar o poder central.

Ao contrário da Revolução Russa, onde se desenvolveram sovietes com funções políticas, administrativas e de autodefesa das cidades, empresas e bairros, em Portugal foram pequenos embriões do que poderia ter se desenvolvido. John Reed relata de forma magnífica como estas organizações democráticas surgem na Rússia, num país economicamente atrasado e com a pequena classe operária da época, nada a ver com o desenvolvimento econômico de Portugal após a Segunda Guerra Mundial e onde a classe trabalhadora representava o maioria da população em quase todos os bairros da cidade.

Junto com o Soviete da cidade grande, havia também os Rayon, ou Sovietes distritais. Eles eram compostos por deputados eleitos para o soviete da cidade por cada distrito e administravam sua região da cidade. Naturalmente, em alguns distritos não havia fábricas e, portanto, nenhuma representação desses distritos, nem no Soviete da cidade nem no Soviete do distrito. Mas o sistema soviético é extraordinariamente flexível e, se os cozinheiros e os garçons, ou os garis, ou os carregadores, ou os condutores daquele distrito se organizassem e solicitassem representação, eles recebiam delegados.

As eleições para delegados eram baseadas na representação proporcional, o que significa que os partidos políticos são representados na proporção exata do número total de eleitores na cidade. E são os partidos políticos e os programas que votam, não os candidatos. Os candidatos são nomeados pelos comitês centrais dos partidos políticos, que podem substituí-los por outros membros do partido. Da mesma forma, os delegados não são eleitos para um determinado período de tempo, mas podem ser revogados a qualquer momento [6].

Portugal não atingiu o nível alcançado na Rússia, mas mostra o enorme potencial que pode ser desenvolvido em um país moderno, não só em 1974, mas hoje ainda mais. Com o desenvolvimento capitalista, o processo de assalarização da população aumentou nas últimas décadas e foi se entrelaçando com os bairros populares e as demandas urbanas. Dessa forma, essa interconexão ajuda a questionar a propriedade privada capitalista, ou, explicado de outra forma, a urbanização capitalista transferiu em grande parte a questão da terra para as cidades e, portanto, fez com que os movimentos por moradias, no calor das lutas, exigiam demandas, como direito à moradia, aluguéis mais baratos e infraestrutura nos bairros. Essa dinâmica de luta pelo direito a condições mínimas de vida inevitavelmente colidiu com a propriedade privada da terra.

Por exemplo, o Comitê de Luta de Setúbal, órgão de coordenação da cidade organizado pelos habitantes da cidade, aprovado em 1 de setembro de 1975:

1. Nacionalização e municipalização dos terrenos urbanos com a socialização das grandes e médias empresas de construção civil. Essas nacionalizações são feitas sem qualquer indenização.
2. Eliminação total de novas licenças para construções de luxo.
3. Desenvolvimento imediato da construção social.
4. Socialização imediata das moradias, com exceção das residências próprias. [7]

Em nenhum caso, nem nas prefeituras, nem os seis governos provisórios, nem a assembleia constituinte discutiram ou decretaram uma das reivindicações mais elementares do processo revolucionário, como a expropriação de terras urbanas e rurais e a elaboração de um projeto estadual e comunitário sob o controle de comissões para garantir moradias acessíveis para a população, bem como garantir a infraestrutura necessária.

Além disso, os governos provisórios de que o PCP e o PSP faziam parte, mantiveram, durante a sua participação nos governos, a lei de terras de 1965, da ditadura, que favorecia a grande propriedade. Ou seja, não usaram o exemplo de Setúbal para aprovar leis que permitiam a expropriação de grandes construtoras e de moradias particulares, muito pelo contrário. O que eles estavam tentando fazer era garantir a inviolabilidade da propriedade privada capitalista para que anos depois, na pós-revolução, os grandes magnatas da construção fizessem negócios “garantindo” moradia e infraestrutura a um “preço razoável”.

Após o golpe de estado de novembro de 1975, as mobilizações desaceleraram, iniciando um processo de institucionalização de todos os organismos. Ou seja, um processo de expansão, integração e subordinação ao Estado burguês. Esta será uma das principais conquistas das elites políticas e econômicas de Portugal, conseguindo alargar as áreas de influência do Estado e assim dominar e controlar aqueles organismos gestadas na revolução, tanto as comissões operárias como de moradores. No caso das primeiras, a institucionalização é dada pela burocracia sindical da Intersindical liderada pelo PCP (à qual o PSP posteriormente se filiará), seja por integração nos sindicatos ou por terem se transformados em comissões de representação dos trabalhadores nas empresas. No caso das comissões de moradores, elas acabaram ou foram dissolvidas, ou reconvertidas em meras associações de bairro ou cooperativas de residentes.

A revolução em Portugal mostrou que é possível ver processos revolucionários em um país capitalista moderno “ocidental”, e evidencia a necessidade de uma tarefa consciente como a construção de uma direção revolucionária que tire lições de processos tão ricos em experiências.


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FOOTNOTES

[1Downs, C. Comissoes de Moradores and urban struggles in revolutionary Portugal. Urban praxis, 1980, p. 1.

[2Idem

[3Ibidem, p.26

[5Pires de Almeida, M. A. Poder popular y poder local: las comisiones administrativas de los consejos municipales en el período revolucionario, 1974-1976, p. 64.

[6Reed, John. Los Soviets en acción.

[7Varela, R. História do Povo, p. 264.
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