Logo Ideias de Esquerda

Logo La Izquierda Diario

SEMANÁRIO

Militarismo, imperialismo e autodeterminação, debates marxistas sobre a guerra

Josefina L. Martínez

Daniel Matos

Militarismo, imperialismo e autodeterminação, debates marxistas sobre a guerra

Josefina L. Martínez

Daniel Matos

Alguns debates marxistas sobre a Primeira Guerra Mundial que nos permitem pensar sobre os problemas atuais.

A guerra na Ucrânia abalou muitos sensos comuns estabelecidos há anos. Em primeiro lugar, a ideia de que a “globalização” capitalista permitiu superar as agudas contradições entre as grandes potências. Foi-se a ideia de um Império global que anularia os confrontos entre Estados imperialistas, como Negri defendia; ou a aspiração a uma Europa onde o diálogo democrático ditaria a agenda, como aspirava Habermas. Com a queda do muro de Berlim em 1989, a desintegração da antiga União Soviética e a criação da zona do euro, muitos alegaram que os capítulos belicistas da história europeia haviam ficado para trás. E embora as guerras no Iraque, Afeganistão ou Síria já tivessem mostrado que isso não correspondia à realidade, o retorno da guerra no Leste Europeu acaba por quebrar as quimeras sobre um desenvolvimento harmonioso do capitalismo.

Com a guerra na Ucrânia, os debates na esquerda mundial sobre como definir o tipo de guerra em curso e sobre o caráter do imperialismo retornaram. Por um lado, há aqueles que se alinham com o campo das potências ocidentais contra o “totalitarismo russo”, sem se opor às sanções econômicas e ao fornecimento de armas a Zelensky por seus próprios governos imperialistas. Neste campo geral, a esquerda neorreformista propõe “moderar” a escalada belicista e, em troca, apelar a uma saída diplomática no âmbito das instituições europeias ou internacionais, como é o caso de Melenchon na França ou do Podemos no Estado Espanhol. Inclusive dentre os setores da esquerda anticapitalista ou que se reivindica socialista e revolucionária, há aqueles que se alinham com Zelensky e a OTAN contra a invasão russa.

Ainda que numa margem mais estreita, há quem insista em ver na Rússia e na China uma alternativa progressista ao imperialismo norte-americano e ocidental. Posições que, por um lado, ignoram o bonapartismo repressivo do regime de Putin, que hoje está sendo especialmente brutal com o ativismo contra a guerra. E que, por outro, tendem a avaliar todos os movimentos de sua política externa como “manobras defensivas” contra o imperialismo hegemonizado pelos EUA, justificando de forma aberta ou envergonhada a reacionária invasão russa da Ucrânia e sua opressão nacional.

Em vários artigos deste suplemento, como aqui, aqui e aqui [1], abordamos essas polêmicas a partir de diferentes ângulos, ao mesmo tempo em que propomos a necessidade de manter uma posição independente. Como contribuição, neste artigo propomos enfocar alguns dos ricos debates do marxismo sobre a guerra, de antes e depois da Primeira Guerra Mundial, o imperialismo e o direito à autodeterminação das nações oprimidas. Embora não se trate de situações análogas, recuperar algumas definições teóricas e metodológicas permite pensar sobre os problemas atuais [2].

*

Militarismo e imperialismo

Em 1907, o Congresso Socialista Internacional em Stuttgart aprovou resoluções condenando o militarismo e o colonialismo. Caso a guerra eclodisse, os socialistas tinham “o dever de agir para acabar com ela rapidamente” e “usar por todos os meios a crise econômica e política causada pela guerra para despertar o povo e assim obter o colapso da dominação capitalista.” Esta moção foi apresentada por Lênin e pela esquerda alemã. No entanto, a condenação do colonialismo foi aprovada apenas por uma estreita maioria. Uma forte tendência oportunista se expressou no Congresso, defendendo a política colonial dos Estados imperialistas. Sua ala direita propôs uma moção de apoio ao colonialismo com argumentos sem precedentes para um congresso socialista, assegurando que “a Europa precisa de colônias”. Por sua vez, Bernstein considerou que “uma certa proteção dos povos civilizados sobre os povos não civilizados” era “uma necessidade”.

Essas discussões mostram que a evolução social-chauvinista da Segunda Internacional que culminou, em 1914, com a aprovação dos créditos de guerra não caiu do céu. Lênin explica mais tarde que o social-chauvinismo foi a continuação direta e a culminação do milerandismo francês (ministerialismo) [3], do bernsteinismo e da política trabalhista liberal inglesa. Tanto Lênin quanto Trótski apontaram posteriormente que isso era a expressão da influência burguesa nas organizações da classe trabalhadora na época do imperialismo. Uma influência que se apoiava nas concessões que a burguesia imperialista podia fazer a um setor da classe operária (aristocracia operária) baseada na pilhagem das colônias.

Anteriormente, no século 19, Marx e Engels haviam lutado contra tendências sindicalistas e prouhdonianas dentro da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT) que menosprezavam a luta pela emancipação nacional no caso da Polônia e da Irlanda. A AIT incluiu em seu manifesto de fundação o apoio a essas lutas, bem como a reivindicação da luta antiescravista nos EUA, com a ideia de que “um povo que oprime outro povo não pode ser livre”. Mas isso foi produto das lutas políticas de Marx e Engels contra aquele corporativismo operário que tinha forte incidência entre os sindicatos ingleses ou nas concepções do anarcossindicalismo francês. Essas tendências corporativistas e nacionalistas em setores da classe trabalhadora deram um salto no último terço do século 19, com a formação do imperialismo.

O início da Primeira Guerra Mundial em julho de 1914 mostrou que a nova época imperialista aprofundou as tendências para crises, guerras e também revoluções. A guerra mundial e, mais tarde, a Revolução Russa foram dois pólos da disjunção histórica. A aprovação dos créditos de guerra no parlamento alemão com o apoio unânime do bloco social-democrata significou o colapso da Segunda Internacional. Um setor majoritário aderiu à defesa da pátria imperialista, traindo a classe operária. Os princípios do Congresso da Basileia (1912) estavam distantes [4]. Enquanto o setor majoritário da Internacional se tornava social-chauvinista, o centro cujo principal porta-voz era Kautsky cedeu oportunisticamente ao belicismo, subordinando-se à disciplina partidária e assegurando que a Internacional só era apta “para tempos de paz”. Esse setor oscilou entre o social-chauvinismo aberto e um questionamento passivo da guerra a partir de posições reformistas, propondo um entendimento diplomático entre os Estados imperialistas.

Somente uma minoria internacionalista da Internacional se opôs à guerra. A Conferência de Zimmerwald, em setembro de 1916, agrupou delegados de vários países, entre os quais havia um setor com posições pacifistas que não queria romper com as direções de seus partidos. A ala revolucionária estava representada pelos espartaquistas alemães, Trotski e Lenin. Se posicionando na extrema esquerda, Lenin propôs a consigna de “transformar a guerra em guerra civil revolucionária”, o que não foi aprovado pela Conferência. Ainda assim, se tratou de um encontro chave para retomar o fio histórico, depois da traição da Segunda Internacional e para assentar as bases para a nova organização mundial da classe operária. Se no começo da guerra os revolucionários reunidos em Zimmerwald eram uma pequena minoria, ao final desta, os sofrimentos inauditos das massas deram lugar a uma pequena onda de luta de classes que gestou a Revolução Russa e a fundação da Terceira Internacional [5]

A época imperialista e a guerra

Para os marxistas, o ponto de partida para definir o caráter da guerra em curso era a mudança de época, a transformação do capitalismo de livre concorrência no capitalismo imperialista. Em “O imperialismo e a cisão do socialismo”, Lenin sintetizava algumas destas transformações: 1) O surgimento dos monopólios; 2) O capital financeiro e os monopólios controlam a economia; 3) A apropriação de matérias primas pela oligarquia financeira; 4) A exportação de capitais e a extensão dos monopólios aos mercados mundiais; 5) A culminação da divisão do mundo entre as grandes potências, através das colônias e 6) As crescentes disputas e guerras por uma nova divisão dos mercados mundiais. [6]

O imperialismo é a opressão crescente das nações do mundo por um punhado de grandes potências, é a época das guerras entre essas grandes potências pela ampliação e a acentuação da opressão das nações, é a época da farsa das massas populares pelos hipócritas social-patriotas, ou seja, por gente que, com o pretexto da “liberdade das nações”, do “direito das nações à autodeterminação” e da “defesa à pátria”, justifica e defende a escravização da maioria das nações do globo pelas grandes potências. [7]

Os socialchauvinistas tinham abandonado por completo a perspectiva marxista, adotando a ideologia burguesa da “defesa nacional”, a “defesa à civilização” ou da luta da “democracia contra o totalitarismo”. No caso dos alemães, por exemplo, justificavam a guerra como uma luta progressista contra o “totalitarismo russo”. Contra esse argumento hipócrita, Trotski respondia em 1915 que só correspondia à classe operária russa ajustar contar com o czarismo, não aos fuzis alemães.

Por outro lado, Lenin apontava que a teoria do “ultraimperialismo” de Kautsky era a base para sua conciliação com os social-chauvinistas e se pacifismo pequeno-burguês. A ideia de que os choques entre os Estados imperialistas tinham sido superados graças à exploração de todo o mundo pelo capital financeiro unido a escala internacional. [8] Kautsky separava a base econômica do imperialismo de sua política “expansionista”, como se esta pudesse se “regular” mediante conferências de “paz”. Já em 1911, Rosa Luxemburgo tinha polemizado com posições deste tipo, que sustentavam que era possível frear a guerra por vias diplomáticas nos marcos da sociedade capitalista. Além disso, explicava que a luta contra o militarismo não podia se separar da luta antiimperialista. O militarismo, continuava, está “estreitamente ligado à política colonial, à política tarifária e à política internacional”.

A posição independente na guerra que sustentavam os espartaquistas alemães, Lenin e Trotski se baseava na concepção do imperialismo como fase superior do capitalismo. Esta abria caminho a guerras interimperialistas e também a guerras nacionais progressivas contra o imperialismo. No caso das primeiras, a única resolução progressiva era a mobilização revolucionária contra os governos de ambos os bandos, não à submissão ao “mal menor” de uma potência imperialista ou outra. No caso das guerras nacionais, estas podiam emergir como uma continuação dos movimentos de massas ou insurreições de liberação nacional. Na Europa também não podiam excluir este tipo de guerras, por parte das pequenas nações contra a opressão das grandes potências imperialistas. Nestes casos tinha que apoiar a luta de emancipação nacional, sendo parte do campo militar do país oprimido, sem dar nenhum apoio político a seus governos.

A luta contra a guerra incluía necessariamente a luta contra o próprio governo imperialista, mas também contra as burocracias operárias e reformistas que impunham a “paz social” e a trégua da luta de classes pela situação de “emergência”. Contra posições deste tipo, Trotski declarava que o centro da política revolucionária, em tempos de paz, como em tempos de guerra, era a luta de classes:

Se durante a guerra é preciso deixar de lado a luta de classes em benefício dos interesses nacionais, então também é preciso deixar de lado o “marxismo” durante uma grande crise econômica, que coloca “a nação” tão em perigo como uma guerra. Já em abril de 1915, Rosa Luxemburgo liquidou esta questão com as seguintes palavras: “Ou a luta de classes constitui a lei imperativa da existência proletária também durante a guerra (...) ou a luta de classes constitui um crime contra os interesses nacionais e a segurança da pátria também em épocas de paz”. [9]

Autodeterminação nacional e a política revolucionária

No marco dessa posição independente compartilhada, Lenin inicia uma importante polêmica com os espartaquistas e com a esquerda marxista polonesa sobre a questão da autodeterminação nacional e as guerras nacionais na época imperialista.

Na crítica de Lenin ao Folheto de Junius, redigido por Rosa Luxemburgo com um pseudônimo desde a prisão em 1916, Lenin estabelece os principais eixos do debate. Por um lado, questiona que o folheto não faz uma crítica aberta ao kautskismo como corrente oportunista. [10] O outro erro fundamental era uma posição equivocada sobre a questão da autodeterminação. Segundo Lenin, Junius acerta ao apontar o caráter imperialista da guerra, ao mostrar, por exemplo, que “atrás do nacionalismo sérvio, está o imperialismo russo”. Entretanto, hiperboliza essa verdade, sem realizar uma análise concreta das diferentes guerras e estabelece assim a errônea ideia de que na época imperialista já não há ligar para as guerras nacionais. [11]

Para Lenin, era necessário defender a autodeterminação, não só como forma de lutar contra o nacionalismo grã-russo, mas também para combater a influência do nacionalismo polonês na classe operária do país oprimido. Sua posição partia da luta contra a opressão grã-russa sobre os chamados povos alógenos que constituiam cerca de 57% da população (incluindo 17% de ucranianos, 6% de poloneses, 4,5% de russos brancos, etc.). Na medida em que as nacionalidades oprimidas representavam uma parte importante da população trabalhadora e camponesa, a classe operária russa não poderia se aliar com as maiorias oprimidas sem declarar, junto com a questão da terra e as reivindicações sociais da classe operária, o direito incondicional das nacionalidades oprimidas à autodeterminação, o que incluia seu direito à separação.

Para Luxemburgo, levantar a autodeterminação era o oposto a uma política de classe e só podia resultar favorável à burguesia, fomentando o nacionalismo. Em resposta, Lenin era categórico: negar o direito de autodeterminação só equivalia a defender o ponto de vista do Estado opressor.

Enquanto o proletariado de uma nação qualquer apoie no mais mínimo os privilégios de “sua” burguesia nacional, este apoio provocará inevitavelmente a desconfiança do proletariado da outra nação, debilitará a solidariedade internacional de classe dos operários, os desunirá para o prazer da burguesia. E negar o direito à autodeterminação, ou à separação, significa inevitavelmente, na prática, apoiar os privilégios da nação dominante.” [12].

Defender a autodeterminação era a única maneira de buscar a fusão voluntária do proletariado do país opressor com o proletariado do país oprimido e, assim, combater o nacionalismo de sua própria burguesia. Foi uma batalha em duas frentes. [13]

Por sua vez, Lenin deixa claro que a defesa do direito à autodeterminação também aponta contra as falsas proclamações que as burguesias dos países oprimidos usam para manipular o sentimento nacionalista em favor de seus privilégios ou garantir seus próprios direitos nacionais em detrimento de outras nações oprimidas.

Em nome da "praticidade" de suas reivindicações, a burguesia das nações oprimidas apelará ao proletariado para apoiar incondicionalmente suas aspirações. O mais prático é dizer um categórico "sim" à separação desta ou daquela nação, e não ao direito de todas as nações, sejam elas quais forem, à separação! (...) O proletariado se opõe a tal praticidade: ao reconhecer a igualdade de direitos e o igual direito de formar um Estado nacional, valoriza e coloca acima de tudo a união dos proletários de todas as nações, avalia todas as demandas nacionais e todas as separações nacionais com um olho na luta de classes dos trabalhadores.

No quadro de uma Europa marcada pela disputa entre diferentes potências imperialistas pelas nações mais fracas, onde cada estado imperialista procura submeter a sua influência e articular-se com diferentes setores da burguesia nativa dos países oprimidos, Lenin reforça a necessidade da independência política da classe trabalhadora no quadro da luta contra a opressão nacional.

A burguesia sempre coloca suas demandas nacionais em primeiro lugar. E ela as cria de forma incondicional. O proletariado as subordina aos interesses da luta de classes. (...) O que mais interessa à burguesia é a "possibilidade de satisfação" da pretensão dada; daí a eterna política de compromisso com a burguesia de outras nações em detrimento do proletariado. Em vez disso, ao proletariado importa se preocupar em fortalecer sua classe contra a burguesia, educando as massas no espírito da democracia consequente e do socialismo. [14].

Finalmente, a defesa do direito à autodeterminação não implicava para Lenin e os bolcheviques que a propaganda devesse ser feita em favor dele em todos os momentos e lugares, nem que em todas as circunstâncias essa palavra de ordem tivesse um papel progressista. O que orientou a política para a questão da autodeterminação, do ponto de vista socialista, não foi apenas a satisfação da demanda nacional, mas a busca pela unidade entre a classe trabalhadora do país opressor e a classe trabalhadora e os oprimidos do país da nação oprimida. Portanto, não se tratava de defender a autodeterminação de forma abstrata, muito menos se ela se opusesse diretamente a esse objetivo. A luta pela autodeterminação e as guerras nacionais eram progressivas para Lenin como parte da luta contra o imperialismo. Mas se eles se transformassem em seu oposto, a política mudaria.

Lenin insiste, portanto, que é necessário analisar cada guerra específica para estabelecer seu caráter, porque as potências imperialistas também usam os movimentos nacionais das “pequenas nações” para seus próprios fins. Durante a Primeira Guerra Mundial, isso pôde ser visto de forma mais aguda no caso das nações balcânicas, na Europa Oriental e em outros lugares.

Por exemplo, no caso da Polônia, quando o exército alemão expulsou a Rússia daquele país, a palavra de ordem da "independência polonesa" foi instrumentalizada pelo czarismo para seus próprios fins imperialistas. Lenin afirmou então que o slogan abstrato de "independência polonesa" ou "paz sem anexações", nas mãos do czarismo, se opunha aos interesses da luta de classes. A chave era desenvolver a mobilização revolucionária da classe trabalhadora alemã contra seu próprio governo, enquanto na Rússia os revolucionários defendiam o direito à autodeterminação de todos os povos oprimidos pelo czarismo, como explicado aqui.

Em última análise, tratava-se de manter uma posição independente e socialista contra a guerra, com o centro colocado no desenvolvimento da luta de classes contra o imperialismo e as burguesias nacionais.

Por um grande movimento contra a guerra com uma posição independente

A viagem pelos debates dos marxistas na Primeira Guerra Mundial que abordamos neste artigo permite-nos recuperar posições de princípios e métodos, embora a situação obviamente não seja a mesma. O caráter de cada guerra só pode ser definido concretamente na situação histórica particular.

A atual guerra na Ucrânia não é uma guerra interimperialista, como vimos no exemplo da Primeira Guerra Mundial, mas também não é um caso clássico de guerra de libertação nacional contra o imperialismo, como muitos casos que se desenvolveram ao longo do século XX, seja na guerra do Vietnã ou, mais recentemente, no Iraque ou no Afeganistão. Pois, embora estejamos diante de uma invasão reacionária de uma potência militar como a Rússia contra um país semicolonial como a Ucrânia, com terríveis consequências para milhões de pessoas, do outro lado encontramos uma frente composta pelo governo ucraniano e por todas as potências imperialistas da OTAN.

Nestas semanas, a ideia de defender a soberania da Ucrânia ou a sua “autodeterminação” foi formulada por vários atores da política mundial. As potências imperialistas a levantaram para justificar uma escalada militarista como não se via há décadas. Putin, por outro lado, questionou abertamente o direito à autodeterminação da Ucrânia que os bolcheviques levantaram, ao mesmo tempo em que reivindicou a defesa dos ucranianos de língua russa para justificar a invasão. Como apontamos no início, parte da esquerda apela à ideia de “autodeterminação” para justificar seu apoio a Zelensky, enquanto setores próximos a Putin o negam ou o utilizam de forma discricionária. Alguns promovem ilusões reformistas sobre seu próprio imperialismo, retomando os velhos argumentos kautskistas sobre as supostas consequências "benevolentes" da interpenetração dos capitais. Outros nutrem esperanças em um novo multilateralismo global encabeçado pelo eixo Rússia-China, reciclando as tendências do “terceiro mundo” de conciliação de classes. E há quem negue qualquer direito à autodeterminação com o argumento de que já seria uma "guerra interimperialista não declarada" [15], facilitando assim o trabalho das classes dominantes, sejam pró-OTAN ou pró-Putin, de manipular a opressão nacional em favor de seus negócios com as potências em conflito.

De maneira mais geral, muitas dessas posições têm algo em comum, são céticas de que uma solução independente possa ser desenvolvida para os explorados e oprimidos diante da guerra e em geral diante das crises e guerras a que o capitalismo conduz.

Nestas semanas, houve manifestações massivas contra a guerra como as da Alemanha, mas ali os sindicatos e a maioria das organizações convocadoras estão empenhadas em reforçar as sanções contra a Rússia, seguindo a política do estado imperialista alemão. Por isso não questionam decisivamente a política de rearmamento militar, ainda que queiram negociar uma maior cota "social" nos orçamentos. Em outros lugares, como Inglaterra e Itália, algumas manifestações levantaram slogans mais progressistas, contra a invasão russa e também contra a OTAN, com maior participação de setores da juventude. E embora a política dos setores reformistas seja liderar o movimento rumo a ilusões pacifistas na diplomacia, essas manifestações mostram que é possível o surgimento de um movimento contra a guerra com uma posição independente.

No nosso caso, dos diferentes grupos que fazem parte do FT em nível internacional, estamos comprometidos em desenvolver um movimento massivo contra a guerra com uma política independente, junto com setores de trabalhadores, mulheres e jovens. É por isso que temos promovido ações em vários países e convocado a organização de espaços unitários contra a guerra nesse mesmo sentido. O que é urgente é promover um movimento massivo que combine a luta contra a invasão reacionária russa com a luta contra o próprio imperialismo. Desta forma, um importante impacto progressivo poderia ser alcançado nas massas oprimidas da Ucrânia e da Rússia.

Do nosso ponto de vista, um programa independente contra a invasão russa e contra a intervenção imperialista da OTAN, inclui a defesa do direito à autodeterminação do Donbass e das regiões orientais juntamente com outras reivindicações democráticas e sociais. Trata-se de promover a unidade entre a classe trabalhadora e os oprimidos de diferentes regiões da Ucrânia. A luta pela efetiva realização das demandas democráticas e sociais não pode ser separada da luta contra os diferentes setores das oligarquias nacionais e do imperialismo e, nesse sentido, está vinculada à luta por uma Ucrânia operária e socialista.

Tradução: Pedro Pequini


veja todos os artigos desta edição
FOOTNOTES

[1Os dois último encontram-se ainda em espanhol, língua original das publicações [NdT].

[2Veja Marxistas na Primeira Guerra Mundial: Lenin Vladimir Ilich, Liebknecht Karl, Luxemburg Rosa, Mehring Franz, Trotsky León, Edições IPS.

[3Em referência a Alexandre Millerand, que entrou para a história como o primeiro socialista que se juntou a um governo capitalista como ministro. Nomeado Ministro do Comércio e Indústria no governo do radical Pierre Waldeck-Rousseau, ocupou esse cargo entre 1899 e 1902.

[4Em seguida, havia sido indicado que os trabalhadores dos diferentes países deveriam fazer todo o possível para impedir a corrida à guerra. E no caso de não poder evitá-lo, seu dever era “intervir para acabar com isso rapidamente, e usar por todos os meios a crise econômica e política causada pela guerra para despertar o povo e assim obter o colapso da dominação capitalista”.

[5Guillermo Iturbide, COM 102 ANOS. A Conferência de Zimmerwald, em https://www.laizquierdadiario.com/La-Conferencia-de-Zimmerwald

[6Lenin, O imperialismo e a ascensão do socialismo, dezembro de 1916, em Sbornik Sotsial-Demokrata, no. 2. Disponível em: https://www.marxists.org/espanol/lenin/obras/1910s/10-1916.htm

[7Lenin, O proletariado revolucionário e o direito das nações à autodeterminação

[8Lenin, Imperialismo, o estágio superior do capitalismo, em Obras Completas, Volume XXIV, Akal

[9Leon Trotsky em "A Guerra e a Quarta Internacional", disponível em:https://ceip.org.ar/La-guerra-y-la-Cuarta-Internacional,136

[10Isso, do ponto de vista de Lenin, expressa a maior fraqueza da esquerda alemã, a falta de uma organização legal consolidada independente do kautskismo.

[11Note-se que a posição de Rosa Luxemburgo contra o slogan do direito à autodeterminação é muito anterior à guerra. Ele considerou que, dada a integração da economia capitalista polonesa com a russa, a ideia de independência polonesa não fazia mais sentido, que era utópica e reacionária. Lenin argumentou várias vezes com essa posição e sistematizou seus argumentos em 1914. Lenin, O Direito das Nações à Autodeterminação, escrito entre fevereiro e maio de 1914, publicado nos n. 4, 5 e 6 (abril a junho de 1914) da revista Prosveschenie, disponível em:
https://www.marxists.org/espanol/lenin/obras/1910s/derech.htm

[12V.I. Lenin, "O Direito das Nações à Autodeterminação", 1914

[13Nesta passagem, Lênin alude a esta questão: “Tal estado de coisas apresenta ao proletariado da Rússia uma dupla tarefa, ou melhor, bilateral: lutar contra todo nacionalismo e, antes de tudo, contra o nacionalismo russo; reconhecer não apenas a completa igualdade de direitos de todas as nações em geral, mas também a igualdade de direitos em relação à construção do Estado, isto é, o direito das nações à autodeterminação, à separação; e, ao mesmo tempo e precisamente no interesse do sucesso na luta contra todos os tipos de nacionalismo de todas as nações, advogar a unidade da luta proletária e das organizações proletárias, sua fusão mais íntima em uma comunidade internacional, apesar da burguesia tendências ao isolamento nacional.” VI Lenin, "O Direito das Nações à Autodeterminação", 1914.

[14O nosso sublinhado, V.I. Lenin, "O Direito das Nações à Autodeterminação", 1914

[15Julián Asiner, A troca do PTS antes da guerra da OTAN e Putin, 17/03/2022 na Politica Obrera.
CATEGORÍAS

[Guerra na Ucrânia]   /   [Autoritarismo]   /   [Guerra]   /   [Anti-imperialista]   /   [Imperialismo]   /   [Vladímir Lênin]   /   [Leninismo]   /   [Marxismo]   /   [Ucrânia]   /   [Internacional]

Josefina L. Martínez

Madrid | @josefinamar14

Daniel Matos

São Paulo | @DanielMatos1917
Comentários