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FEMINICIDIO | Mais uma vítima de feminicídio: mulher morre após empalamento e estupro na Argentina

Traduzimos a nota escrita pelo movimento de mulheres argentino Ni Una a Menos a respeito do assassinato brutal de uma mulher após ter sido estuprada.

quinta-feira 22 de dezembro de 2016 | Edição do dia

Irma Ferreyra da Rocha, 47 anos e mãe de 7 filhos, não resistiu à violência que sofreu no último sábado (17) na província de Misiones, na Argentina. Mais um caso brutal da violência machista que assola a Argentina, onde uma mulher é vítima de feminicídio a cada 30 horas.

Irma estava em uma festa em Garupá, no nordeste da Argentina, na qual supostamente se encontrou com Alejandro Esteche, 27 anos, pedreiro apelidado de "El Porteño", com quem mantinha relacionamento há meses. Ele a levou a um túnel e a violentou com uma tora de madeira. A moça foi encontrada por um morador local, ensanguentada, pedindo ajuda em uma estrada pelas redondezas de Villa Bonita.

Segundo um porta-voz da polícia: “tinha as calças baixadas na altura dos joelhos e um ramo enfiado em uns trinta centímetros por via anal”. Seu corpo também dava sinais de estupro e agressões físicas.

Submetida a três cirurgias, os sangramentos foram fatais e Irma faleceu no domingo à tarde, em decorrência de uma parada cárdio-respiratória. Sua irmã relatou ao jornal Misiones On Line: “Gritava de dor como um animal. Isso não vai sair nunca [...] Tinha sangue no rosto, todo machucado. Eu lhe disse ‘irmã, eu te amo, tenha força’. Ela me disse ‘não aguento mais”.

Traduzimos abaixo nota do Ni Una Menos sobre mais um caso da violência machista que assola a Argentina todos os dias, contra qual as mulheres paralisaram no último 19 de Outubro e tomaram as ruas:

Outra vez a crueldade. Irma Ferreyra Da Rocha foi torturada, empalada com o tronco de uma árvore e assassinada na noite de sábado na localidade missionária de Garupá. Recentemente se soube por comunicado policial na tarde do domingo, porém faltam dados. Essa descrição aberrante, contudo, já circula e não é possível ignorá-la.

Diante da reiterada pergunta sobre se há mais feminicídios ou mais visibilidade, aqui se repete a cena de um corpo torturado e partido: há crueldade. Não basta violar, não basta matar. Disciplinar é ir mais além, é aplicar sobre as vítimas o terror do agressor com uma violência que não é destinada somente a matar, mas também a aterrorizar. Chama a atenção um “método” da inquisição, uma prática colonial aplicada sobre o corpo das mulheres? Que fazemos frente à reiteração de um modo de matar?

Estamos diante de uma guerra contra as mulheres. Contra todas as nossas formas de autonomia. Não em vão se repete em Posadas que a vítima quis ir com seu algoz. Porque contra esse desejo da mulher também há disciplinamento, há imposição de outro desejo que se sente ameaçado: um desejo de dominação. Ameaçado pela possibilidade de uma mulher em particular ir atrás do que quer. Ameaçado pela aliança entre milhares de mulheres que no 19 de Outubro, em Posadas, saíram às ruas para fazer da Paralisação de Mulheres um dia de luta, de mobilização, de raiva e indignação pelo crime de Lucía Perez, mas também contra a trama social e econômica que torna possíveis os feminicídios como fato cotidiano, que precariza nossas vidas.

Essa guerra que denunciamos exibe a crueldade contra nossos corpos e seu ensinamento é produto do medo de perder os privilégios que outorga aos opressores o pacto patriarcal.

Os femicidas não são enfermos nem são animais, não são “bestiais” ou “loucos” como se apressam a dizer a imprensa, o direito e a medicina. Patologizar os femicidas é esconder a trama comum que une a todos e cada um dos casos. Esses rapazes são filhos sãos de um sistema heteropatriarcal que nos oprime diariamente através de distintas formas de abuso. Esse femicida não aprendeu apenas a matar, aprendeu seus métodos do espetáculo midiático.

Vimos faz alguns dias outra cena patética: os empresários chilenos presenteando o ministro da economia com uma munheca inflável como alegoria do “empurrão” que se necessita para superar a crise. Constatamos na América Latina uma ofensiva eclesiástica, judicial e empresarial que identifica a “ideologia de gênero” como seu principal inimigo. Nessa chave se lê tanto o golpe no Brasil como a campanha da igreja contra o “sim” no referendo pela paz na Colômbia.

No 3 de Junho deste ano, dissemos em alto e bom som em nosso país e muitos outros “Ni Una Menos, Vivas nos queremos”, no 19 de Outubro nos colocamos com o mesmo grito cruzando as fronteiras dos continentes e dissemos também: “Nós paramos”. Desde então, não deixamos de nos encontrar, de estarmos alertas e mobilizadas. Também dissemos “que não nos peçam calma ou silêncio”, porque as crescentes reações machistas que buscam ensinar as centenas de milhares de mulheres que começamos a sair às ruas a dizer “Basta” nas camas, nas praças, nas cozinhas e nas ruas, nos levam a levantar uma mesma bandeira. Uma comunidade feminista, transversal, diversa que hoje diz: “Estamos por nós”. Porque estar uma pela outra, sustentando-nos em nossos desejos e em nossa rebeldia, é a maneira de carregar de sentido as consignas de sempre: Ni Una Menos! Vivas nos queremos!

Há anos as mulheres nos organizamos, pensamos e lutamos contra a violência estrutural machista. Há 31 anos, nos reunimos nos Encontros Nacionais de Mulheres. Há dois anos, saímos às ruas de maneira multitudinária, com exigências concretas.

As respostas do Estado não estão à altura da crueldade que o patriarcado imprime sobre nossos corpos, da revanche machista diante de nossa valorização. A linha 144 não é uma ação à altura das circunstâncias, construir refúgios é necessário, porém não pode ser a única política com orçamento, a Educação Sexual Integral não se implementa em todo o país e se desmantela a formação docente, o patrocínio jurídico gratuito para as vítimas não foi posto em marcha.

Não faltam medições para saber que há uma insubordinação em nossos modos de sermos mulheres, de sermos lésbicas, de sermos trans ou de sermos travestis.

Nossas práticas vitais têm se modificado, cada vez mais resplandece a consciência nas pequenas coisas que antes fazíamos sem duvidar: cuidar dos outros e das outras, adiar-nos, olhar-nos entre nós como rivais. Agora o que há é desacato mesmo à “identidade” como classificação e norma. Nós estamos por nós, planejando as próximas ações, dando giros, gerando alianças exclusivas.

Contra a crueldade, nós temos umas as outras.

Temos nossas autonomias e formas de organização, temos auto-defesa e cumplicidade.

Diante da crueldade, organização, diante da morte, feminismo, porque são nossas vidas autônomas as que estão em risco.

Temos a nós e é quase o único com quem contamos.

Mais organização, mais feminismo.

O Estado é responsável por cada uma das mortes por violência machista, seu silêncio, sua inoperância se torna cúmplice e legitimador das práticas mais cruéis e femicidas.

#NosotrasNosTenemos e vamos juntas a uma Paralisação internacional de mulheres neste 8 de Março, contra a crueldade e a favor das vidas livres.

Ni Uma Menos, Vivas Nos Queremos!

O texto original pode ser lido aqui

Tradução: Vitória Baggio




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