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Eleições França | Macron e Le Pen vão para o segundo turno em eleição com clima de apatia e abstenção

A França realizou eleições presidenciais neste domingo em meio a um clima de apatia, falta de debate e a crise dos partidos tradicionais como eixos fundamentais. Macron (28%) e Le Pen (23%) passaram ao segundo turno, Mélenchon ficou pouco atrás (20%), com números parecidos aos de 2017. A abstenção foi de 26%, 4% a mais que em 2017. O que explica essa situação?

domingo 10 de abril de 2022 | Edição do dia

Uma eleição monótona, marcada pela abstenção

Há cinco anos, Emmanuel Macron foi eleito presidente com base na divisão ou enfraquecimento dos partidos tradicionais e após a sucessiva eliminação de seus principais adversários, prejudicada por repetidos escândalos. Os jornalistas do Le Monde chegaram a comparar a campanha a um filme de Tarantino. Este ano, a monotonia parece prevalecer em uma inédita "não campanha".

Campanha "estranha", em que "nada acontece", [...] "um encefalograma plano", que incentiva a "não seguir acompanhando mais nada" "com surpresa, decepção e um toque de fatalismo", comenta o site Mediapart sobre o tema. Além disso, os canais de televisão não nos deixam mentir: os produtores e outros donos de canais cancelaram a cobertura das eleições presidenciais na noite do primeiro turno.

Como explicar tal dinâmica? Em primeiro lugar, em um contexto conjuntural, a decisão de Emmanuel Macron de rejeitar qualquer debate, e os formatos bizarros de programas que essa situação gerou, não ajudaram a criar uma dinâmica em torno da campanha, que às vezes pode parecer ter sido uma "jogada de antemão". Essa situação é, por si só, indissociável da guerra na Ucrânia, que coincidiu com o começo da campanha e ofereceu uma posição privilegiada ao presidente, após dois anos marcados pela crise sanitária. Por fim, só se aumentou o abismo entre as questões racistas e de segurança que todo um setor dos candidatos quis colocar no centro da campanha e as preocupações de grande parte da população, centrada no poder de compra.

No entanto, a crise tem raízes mais profundas, na ruptura nos últimos anos do bipartidarismo que durante anos aplicou políticas neoliberais alternando governos conservadores e social-democratas (PS), o que resultou em uma crise não resolvida do regime. Este é o critério para entender as tendências eleitorais, como o nível de abstenção.

2022: Macron lidera, extrema direita com mais de 30% e Mélenchon na frente à esquerda

A política antissocial do ex-presidente François Hollande e o surgimento de Emmanuel Macron no cenário político nacional a partir de 2016 precipitaram o colapso do bipartidarismo. Isso segue sendo surpreendente nas eleições. Apesar de manter suas posições durante as eleições regionais, o Partido Socialista (PS) parece estar em fase terminal com sua candidata Anne Hidalgo, obtendo apenas 2% de votos, mostrando seu declínio desde a última vez que o partido governou, com a presidência de Hollande. Do lado republicano, a esperança suscitada pela unificação da direita tradicional pela candidatura de Valérie Pécresse (4,80 %) rapidamente desmoronou, e a direita tradicional já perdeu toda a esperança de chegar ao segundo turno das eleições presidenciais.

Na ausência de um concorrente credível à direita, Emmanuel Macron ficou em primeiro lugar na corrida com 28%. O atual presidente soube usar a guerra na Ucrânia e a crise do coronavírus para se colocar no centro do jogo, tentando esmagar o debate e ditar a agenda política. Como aponta o economista e sociólogo Stefano Palombarini, após ser eleito por um "bloco burguês" que reúne "as classes burguesas anteriormente ligadas à direita e à esquerda" e "parte das classes médias seduzidas pelas promessas de uma avanço possível graças à perspectiva de ‘modernização’ do capitalismo francês”, sua base social foi recomposta, tornando-se um “bloco de direita”. É marcado por sua estreiteza e pela incapacidade do projeto de "guerra social" de Macron de unir setores das classes trabalhadoras.

Comparado a Emmanuel Macron, o percentual que a extrema direita obteve é outro dos marcadores centrais da eleição, com um terço dos votos acumulados para seus três candidatos. Estes últimos aproveitam a virada autoritária, securitária e racista iniciada pelo governo desde o verão de 2020. Isso constitui uma resposta à dinâmica da luta de classes, expressa no movimento dos Coletes Amarelos ou nas mobilizações antirracistas de junho de 2020, e tem um caráter preventivo, com as classes dominantes preparando suas tropas para as futuras mobilizações sociais.

Neste contexto reacionário, a candidata da Agrupação Nacional, Marine Le Pen (filha do fundador do grupo de extrema direita Frente Nacional), também se alçou ao segundo turno com cerca de 23% dos votos. Se o fenômeno da candidatura do jornalista racista e islamofóbico Eric Zemmour (candidato da Reconquista, com 7% ) capturou parte de seu eleitorado aproveitando a crise aberta após as eleições regionais e as contradições da tentativa de "desdemonizar" a Agrupação Nacional (buscando separá-la do passado da extrema direita), sua escalada racista contribuiu para suavizar a imagem de Marine Le Pen.

Zemmour tem mantido uma estratégia de direcionar seu discurso reacionário para as classes populares, insistindo nas últimas semanas na questão do “poder de compra”, com essa demagogia ele procura esconder a verdadeira identidade de seu projeto, de cunho neoliberal. Neste plano, Marine Le Pen tem buscado "credibilidade" multiplicando sinais aos empresários: compromissos no pagamento da dívida pública, abandono da saída do euro e até, mais recentemente, aposentadoria aos 60 anos.

Por fim, do lado da esquerda institucional e da extrema esquerda, a fragilidade geral (cerca de 21% dos votos acumulados) atesta a incapacidade de dialogar com demandas políticas mais radicais que vêm sendo expressas desde 2017, e de forma ininterrupta, na rua. O movimento dos Coletes Amarelos, contra a reforma previdenciária e as mobilizações feministas, antirracistas e ambientalistas não encontraram uma solução política real. Os projetos mais distantes dessas aspirações - ou neoliberalismo verde na Europa Ecologia - Os Verdes (EELV) e a candidatura chauvinista do Partido Comunista (PCF) que acompanhou a virada reacionária do regime, bem como a tentativa fracassada de unir a esquerda em torno da ex-ministra da justiça Christiane Taubira - acabaram colapsando. Por sua vez, os dois candidatos de extrema-esquerda, Phillipe Poutou (NPA - 0,8%) e Nathalie Arthaud (Lutte Ouvrière - 0,7%) padecem de um certo rotineirismo e a impossibilidade de se expressarem nos debates.

À frente da esquerda aparece Jean-Luc Mélenchon que capitaliza apenas parcialmente essa dinâmica. O candidato da França Insubmissa está muito à frente, com cerca de 20% dos votos, permanecendo em níveis similares aos de 2017. Neste contexto, parte da esquerda acreditou que a candidatura de Mélenchon expressaria uma certa dinâmica de “voto útil” capaz de vingar. No entanto, o fato é que essa tendência de “voto útil” beneficia seus oponentes de direita (notadamente Marine Le Pen) e que, apesar de seu desejo de mobilizar as classes trabalhadoras e a juventude, o problema central se expressou no nível de abstenção inédito: a incapacidade de expressar essas demandas radicias pela esquerda.

Uma abstenção que alimenta o medo das classes dominantes da luta de classes que se aproxima

O abstencionismo avançou ainda mais nas urnas: 26%, 4% a mais que em 2017. Apesar de os analistas terem apontado para cenários entre 28 ou 30 por cento, levando em conta o precedente das eleições regionais em que o nível de abstenção foi subestimado (dois terços dos eleitores no final), trata-se de uma abstenção histórica nas presidenciais.

Esses índices se expressaram sobretudo entre a juventude e nos trabalhadores, beneficiando Macron e desfavorecendo a esquerda e a extrema direita. No contexto desta "estranha" eleição presidencial, alguns não escondem preocupação com esta perspectiva. Há algumas semanas, o presidente do Senado e figura histórica dos republicanos, Gérard Larcher, alertou para o risco de "crise de legitimidade" que um segundo mandato de Macron poderia enfrentar, caso ele ganhasse as eleições presidenciais. “Temos que ter cuidado, já estamos a cinco semanas e meia do prazo para o primeiro turno, se não houver debate, se não houver relatório, não há projeto, imagine o Presidente da República sendo re-eleito, porque estará numa situação de omissão do debate democrático, com risco de legitimidade durante o mandato”, explicou na Europa 1 .

Cécile Cornudet, colunista do jornal de negócios Les Echos comenta “é em momentos de indiferença política que acidentes democráticos podem acontecer. É na rua que a raiva se instala quando a política deixa de ser reguladora”. Enquanto Marc Lazar aponta para o fato de que “[Macron é] odiado pela esquerda, pela direita e pelas classes trabalhadoras”. Se ele fosse reeleito sem um debate real sobre questões econômicas e sociais, a situação pós-eleitoral poderia ser "muito problemática", um perigo insiste o Financial Times.

Como o colapso dos partidos do regime e o enfraquecimento dos órgãos intermediários, a abstenção é de fato a expressão de uma crise de hegemonia e da capacidade do regime de organizar o consentimento. Seu corolário é a radicalidade das lutas e a dificuldade de controlá-las. Com a guerra na Ucrânia, o aumento dos preços e as reformas exigidas pelas classes dominantes, começando pelas pensões, esses elementos anunciam um futuro potencialmente explosivo de cinco anos.

Dada essa vitalidade potencial da luta de classes que pode marcar os próximos cinco anos, é urgente preparar as lutas que estão por vir e construir um bloco de resistência capaz de enfrentar a situação que se avizinha, seja qual for o resultado do segundo turno. Isso implica a independência do regime a recusa absoluta de participar da menor tentativa de uma frente republicana de apoio a Macron, mas também uma batalha contra as ilusões colocadas em uma vitória eleitoral que substitui a auto-organização e as lutas por vir. Foi nesse sentido que convocamos a apoiar as candidaturas da extrema esquerda que, apesar de seus limites, contém uma vontade de transformação social de baixo para cima e uma luta intransigente contra os patrões. Agora, a questão é preparar as bases para o terceiro turno na luta de classes.




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