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Eleições na Argentina | Macri e Alberto Fernández: uma transição organizada sob controle do FMI

Em uma eleição hiper-polarizada, a Frente de Todos se impôs sob a Juntos por el Cambio.

segunda-feira 28 de outubro de 2019 | Edição do dia

Na madrugada deste domingo, com 98% das urnas apuradas, a Frente de Todos conquistava 48,1% dos votos frente a um 40,4% da Juntos por el Cambio. Em uma eleição hiperpolarizada, onde as duas forças monopolizaram quase 90% dos votos, Alberto Fernandez se transformou em presidente eleito. O apoio eleitoral à Frente de Todos, assim como aconteceu nas Eleições Primárias, expressou o enorme rechaço às consequências do ajuste implementado nestes quatro anos.

Neste marco, desafiando previsões, o macrismo conseguiu uma notória recuperação em relação aos resultados de agosto. Nesse crescimento eleitoral é necessário balancear a maior aproximação de votantes e ter avançado sob o espaço eleitoral de Lavagna, Espert e Gómez Centurión concentrando o voto anti-peronista.

Este crescimento não pode ser analisado apenas a partir da epopeia e das mobilizações das últimas semanas. Se olhamos para além da simples contagem eleitoral, a o resultado do Cambiemos expressa uma espécie de empoderamento das classes médias mais conservadores, aquelas que sustentaram as políticas mais reacionárias da gestão macrista desde 2015.

A Frente de Todos deu sua cota de ajuda a este empoderamento. Logo após as Eleições Primárias, longe de enfrentar a direita, moderou seu discurso na medida do possível. O objetivo foi garantir para si as simpatias do grande capital.

Nas semanas que seguiram aquele domingo de agosto, Fernández ratificou sua vocação de “pagador em série” da dívida externa. Fez isso frente à Fundação Mediterránea, a UIA e os empresários reunidos por Héctor Magnetto. Nesta tônica conservadora escolheu posar junto ao questionado governador de Chubut, Mariano Arcioni. Frente às reivindicações do movimento de desempregados e organizações sociais, insistiu com o pedido de “sair das ruas”, ao mesmo tempo que cumpria um papel ativo no fim de uma greve de pilotos.

Mais em geral, após a forte resistências nas ruas que a reforma da previdência encontrou em dezembro de 2017, o peronismo escolheu o caminho da contenção. Aqueles que reclamavam contra o crescimento da pobreza e o desemprego lhes propuseram a espera passiva de “Existe 2019”. Apostou na desmobilização, alentando como saída única o caminho das urnas. A direção sindical operou isolando as lutas em curso enquanto administrava, em doses homeopáticas, as medidas de força nacionais. Neste cenário, o kirchnerismo sustentou um discurso opositor enquanto chamava à unidade os antigos “traidores”.

Esse recorrente expediente político também permite explicar as tendências conservadoras que se expressaram neste domingo no voto em Macri.

Bipartidismo senil sob a tutela do FMI

Ainda que longe do que aconteceu na saída da ditadura, o resultado eleitoral indica a conformação de um destino de novo bipartidarismo. Trata-se, adicionemos, de um senil, débil, sustentado mais no rechaço ao rival que em um mérito próprio. Crença no "mal menor" puro e duro, para dizê-lo resumidamente.

Sob o que se insinua como um novo esquema político, neste domingo a noite Mauricio Macri anunciou sua intenção de cumprir o papel de “um oposição construtiva”. O discurso representa uma virada de 180° frente ao que foi dito nas últimas semanas, onde apostou na polarização extrema com o peronismo.

Estas declarações se completaram com o chamado a Alberto Fernández para um café da manhã nesta segunda-feira. De outro bairro na Cidade de Buenos Aires, o presidente eleito aceitou o convite. Propôs “começar a falar do tempo que resta” e sinalizou sua vontade de “colaborar com tudo que possamos colaborar”.

O discurso político de ambos representantes propõe uma “transição organizada” rumo a dezembro. No entanto, a mesma não coloca em discussão nenhum dos fatos que produziram a crise atual. Implica naturalizar o mais importante deles: a tutela que exerce o FMI sob a economia nacional.

Sob este controle, o endividamento externo pesa como um enorme carga sob os destinos da nação. Os pagamentos correspondentes aos próximos quatro anos superam os US$ 200 bilhões. Aceitar a continuidade dos mesmos, como o fazem Macri e Alberto Fernández- implica condenar as maiorias populares a um futuro sombrio.

A importante votação conquistada por Macri repercutirá, necessariamente, no interior da Frente de Todos. Dentro deste conglomerado diverso, ganharão força os setores mais conservadores e direitistas, aqueles que durante estes anos deram seu aval para a continuidade das políticas de ajuste.

Entre estes ativos doadores de governabilidade é preciso contabilizar governadores, prefeitos, dirigentes como Sergio Massa e a direção sindical burocrática. O ajuste que levou à pobreza 35% da população não teria passado sem a colaboração daqueles. Macri, ao se propor como “opositor racional”, repete desde outro extremo o arco político deste mesmo esquema.

Em termos institucionais, os resultados da eleição também empurram para essa possível colaboração. A relativa paridade eleitoral encontrará expressão no Congresso. Ainda que o peronismo terá maioria no Senado, os números da Câmara de Deputados mostrarão um virtual empate, com ao redor de 120 deputados para a Frente de Todos e 119 para o macrismo. Ao observar o cenário do poder territorial, a continuidade de Larreta na Cidade de Buenos Aires também configura uma base para estas eventuais negociações.

A importante votação do macrismo constitui, ao mesmo tempo, um canal para pressão direta do grande capital imperialista e local. Cambiemos foi nestes anos representante aberto destes interesses. Dados os resultados eleitorais, esta relação conta com muitas possibilidades de continuar.

Um futuro de tensões

O voto massivo castigou as políticas de Macri e voltou a se expressar nas eleições gerais. Nele se concentrou o desejo de milhões de um amanhã melhor quanto às condições econômicas.

Isso constitui um limite pela esquerda às políticas de ajuste do FMI e das grandes patronais, que certamente tentarão empurrar uma nova coalizão de governo e o macrismo.

Na mesma chave precisam ser observadas as recentes rebeliões populares no Chile e no Equador. Estes levantamentos, que colocam em cena novamente o espectro da luta de classes, evidenciam os obstáculos sociais para uma nova agenda de ajustes. Seja a direita liberal chilena ou os restos do pseudo-progressismo equatoriano, as tentativas de continuar precarizando a vida de milhões são questionadas pelas manifestações nas ruas e o enfrentamento com a (brutal) repressão. Sem dúvida, isso também constrói limites pela esquerda no cenário político nacional.

Uma valiosa eleição da Frente de Esquerda - Unidade

Nos marcos da brutal polarização eleitora, a fórmula presidencial encabeçada por Nicolás del Caño alcançou 2.16% dos votos, retrocedendo levemente em relação às Eleições Primárias.

No entanto a simpatia com as ideias defendidas pela FIT Unidade supera as porcentagens eleitorais obtidas no domingo. Um dado que ilustra isso é a votação na categoria de deputados nacionais, onde as estimativas provisórias chega ao número de 800 mil votos. Nisso destacaram-se os resultados conquistados por Myriam Bregman (CABA), Néstor Pitrola (PBA), Raúl Godoy (Neuquén) e Alejandro Vilca (Jujuy).

Essa simpatia se sustenta na coerência de um espaço que, nestes anos de macrismo, não abandonou as demandas das ruas, nem negociou com os cúmplices do ajuste. Além disso, Nicolás del Caño foi uma das figuras com mais destaque nos dois debates presidenciais. Frente a milhões de pessoas trabalhou como quem deu voz às múltiplas causas que não encontraram voz nos outros candidatos. Para listar brevemente, podem ser sinalizados o rechaço ao pagamento da dívida externa, a luta contra a precarização do trabalho, o direito ao aborto legal, a denúncia de fracking e do uso de agrotóxicos, ou a legalização da maconha, entre outros.

No novo cenário argentino é urgente fortalecer a esquerda como força política. Frente às exigências do FMI e das grandes patronais, é necessário opor um programa anticapitalista e socialista, que ataque os interesses dos ganhadores destes anos. Somente uma perspectiva assim pode impedir que a crise siga recaindo sob as maiorias populares.

O futuro, como demonstram Chile e Equador, também se decidirá nas ruas. É necessário seguir avançando na construção de uma força política dos explorados e oprimidos, independente de todos os partidos patronais, capaz de impor sua própria saída da crise. Um partido capaz de mobilizar amplamente o povo trabalhador, as mulheres e a juventude frente às futuras tensões que a tutela do FMI imporá ao país.




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