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ANÁLISE | Macri, Dilma e a sociedade (não tão secreta) dos ajustadores

sábado 5 de dezembro de 2015 | 03:07

Mauricio Macri foi ao Palácio do Planalto nesta sexta-feira, 4. Fez isto para conversar com Dilma. Foi recebido de uma forma mais do que cordial. Falou durante mais de uma hora com a presidente do país irmão e teve a sua disposiçõa uma sala para falar com a imprensa. Em Brasília, o líder de Cambiemos (mudemos em espanhol) teve melhor sorte que na Quinta de Olivos. Coisas da vida e da política.

As razões de tanta cordialidade é preciso buscar-las nos números ruins da economia. Mas também na convergência numa agenda de ajuste que, no Brasil, começou mais cedo.

Comércio e ideologia

O diário O Globo, um dos jornais de maior alcance no Brasil, resumiu em seu portal na internet que “ apesar da distância ideológica, o governo do Brasil (...) dá as boas vindas a eleição de Macri. A avaliação foi de que qualquer mudança seria uma melhora em relação às dificuldades que atualmente se encontram com o governo de Cristina Kirchner, com quem as relações comerciais (entre Brasil e Argentina) estão em seu pior momento em 10 anos.”

A relação entre Argentina e Brasil sofre com os números da recessão em ambos os países. A isto devem ser somados os limites que são impostos às exportações brasileiras em direção aos territórios da chamada “ restrição externa”. As DJAI (Declaração Jurada Antecipada de Importação) são o nome maldito que coloca travas nas fronteiras para as mercadorias cariocas. O Mercosul sangra por sua ferida, com uma forte retração do comércio. Como afirma o mesmo jornal “desde 2011, quando alcançou seu ponto mais alto, a queda tem superado 30% em todos os setores, incluíndo o setor automobilísitico, de eletrodomésticos e de alimentos”.

O Globo representa o interesse da grande burguesia brasileira. Entre outras coisas é lembrado por seu apoio ao golpe militar de 1964 e sua relação com os governos militares que o seguiram, reivindicação que sustentou durante mais de duas décadas.

O diário afirma que “ a expectativa é que Macri possa desbloquear as barreiras comerciais impostas pelo governo argentino atual nos últimos anos.”
Se o relato da “Pátria Grande” - Mercosul e CELAC mediante - revestiam os governos latinoamericanos de marca progressista, os números da economia se impõem sobre os discursos. A linguagem do comércio afasta a da ideologia.

Agendas que confluem

A política é “economia concentrada” afirmou há muitas décadas, o revolucionário russo Lenin. A política aparece assim como uma condensação das tensões que envolvem o subcontinente. E isto se deve ao fato de que as tendências econômicas, de conjunto, tendem a confluir.

A América Latina vive um giro à direita no terreno econômico e político há muito tempo. Os mesmos governos que vingiram uma marca progressista são os mesmos encarregados de impulsionar uma agenda a serviço da rentabilidade capitalista. O ajute implementado no Brasil aparece como um exemplo a ser seguido. O esgotamento do “modelo” venezuelano corre em paralelo com o “modelo nacional e popular” local.

A crise que envolve os países semi-coloniais da América Latina evidencia a nunca superada dependência, agravada agora pela queda do ciclo de alta nos preços das commodities. Neste marco, a “saída” para o capital implica num ajuste sob as condições de vida do povo trabalhador. O ajuste brasileiro tem significado demissões, cortes no gasto público em setores como educação e saúde, restrições aos direitos dos trabalhadores e privatizações.

Esta agenda de ajustes é a que Macri tem anunciado para a Argentina, com um combo, que, até agora, inclui ainda aumento nas tarifas, desvalorização e redução do gasto público entre outras medidas, apontando também o aumento da produtividade do trabalho dos operários, como declarou há poucos dias seu novo ministro do trabalho.

“Ajuste mata a história” poderia ser um novo lema para a política latinoamericana. As diferenças ideológicas passam a segundo plano e as formas de gestionar o Estado capitalista tendem a se assemelharem.

Se Dilma se movimenta em direção à direita, Macri, o faz de maneira simétrica em direção à “sua” esquerda. Se há dias anunciou a ameaça de apelar à Cláusula democrática do Mercosul contra a Venezuela, nesta sexta, optou por um pouco mais de moderação. “ Estamos observando com atenção o que vai acontecer no domingo”, afirmou e ainda arrematou a ideia, dizendo que, “ há uma preocupação de que cada um expresse com seu estilo e sua maneira, mas no fundo compartilhamos os mesmos valores”. “Esperar e ver” também poderia ser uma tradução para esta frase.

Macri está obrigado a sustentar uma marca “anti-chavista” em função de obter o beneplácito imperialista para negociar com os Fundos Abutres e ter, mais rapidamente, o acesso ao capital internacional. Sua preocupação repentina pelos “direitos humanos” no país que conduz - ou tenta conduzir - Nicolás Maduro não tem mais sustentação. Mas, a aplicação desta cláusula requer um consenso dos países membros que Macri sabe que não terá.

Assim, o ciclo dos governos pós-neoliberais deixa o rastro de continuidade do atraso e da dependência. A perspectiva de um crescimento contínuo no tempo já ficou para trás. Para a classe dominante local e imperialista trata-se agora de ajustar os torniquetes para que a crise seja descarregada sob as costas dos trabalhadores e do povo pobre. Para esta tarefa pouco importa quem será a pessoa política. É indiferente já que se trata de políticos “ progressistas” do PT ou “liberais” do PRO. Os diversos partidos do subcontinente estão reduzidos a um só slogan de partido do ajuste. Dilma e Maurício são assim, sócios no ajuste em curso.

A resistência virá da mesma classe trabalhadora e do povo pobre. A esquerda classista, que se manteve nestes anos com posições independentes das diversas variantes capitalistas, será parte ativa desta resistência.




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