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FRANÇA EM GREVE | Luta contra a reforma das aposentadorias na França: em qual ponto estamos?

Depois de quase dois meses de greves e manifestações, o Conselho de Ministros adotou nesta sexta-feira o projeto de lei para refundar o sistema de aposentadorias. Um longo período parlamentar é aberto, cheio de riscos para o Executivo. Uma análise objetivo da correlação de forças em curso.

Juan ChingoParis | @JuanChingoFT

terça-feira 28 de janeiro de 2020 | Edição do dia

Depois de quase dois meses de greves e manifestações, o Conselho de Ministros adotou nesta sexta-feira o projeto de lei para refundar o sistema de aposentadorias, pilar do modelo social francês. Vem agora um longo período parlamentar, cheio de riscos, ou dito de outra forma, para o Executivo a saída do túnel está ainda mais longe. No entanto, ver as dificuldades significativas pelas quais ainda deverá passar Macron e sua reforma não nos pode impedir de ver com objetividade estrita a correlação de forças em curso.

A política da Intersindical tem permitido que se afaste por hora a perspectiva concreta de greve geral

A perspectiva de uma greve geral se afastou por hoje, se se compara com o forte começo das greves indefinidas no transporte ou com a massiva paralisação nacional do dia 5 de dezembro, que tinham colocado como perspectiva concreta a tarefa de avançar rumo à greve geral política contra Macron e sua reforma.

Graças ao papel da Coordenação impulsionada pelos trabalhadores do transporte urbano (RATP) e da ferrovia (SNCF) na região parisiense e a enorme determinação dos grevistas, conseguiram passar pela trégua de fato decretada pelo conjunto das direções sindicais No entanto, na volta das atividades após as férias a greve não se generalizou.

Como temos discutido em outros artigos, a responsabilidade inteira recai na estratégia e no programa da Intersindical, particularmente sua voz ativa, a direção da CGT. Este se nega terminantemente a encarar um combate frontal contra Macron e suas reformas neoliberais considerando-o ainda um interlocutor que é possível de ser convencido. Por isso a CGT não faltou a nenhuma das negociações sobre a reforma.

Ligado a esta estratégia de pressão frente ao poder, a direção da CGT jamais levantou um programa sério operário e popular que permitisse soldar a unidade entre a classe operária e concretizar o Tous Ensemble, a unidade com outros setores, que se fizesse eco sobre o caráter nefasto das aposentadorias, mas também da realidade da precariedade, fatiga e adoecimento no trabalho e do desemprego sofrido pelos setores mais explorados da classe operária.

É por isso que, tanto pela sua estratégia, quanto pelo seu programa, a Intersindical para além de dizê-lo de forma exasperada jamais conseguiu incorporar à luta centralmente dos setores públicos e trabalhadores com estatuto (assim como certos trabalhadores do setor privado com cláusulas especiais, como os portuários ou os petroquímicos) os trabalhadores das grandes empresas (que se mobilizaram em 2016 contra a reforma trabalhista, diferentemente da grande maioria dos trabalhadores públicos naquele momento) ou os setores precários e das pequenas empresas que foram o componente central do levante dos Gilets Jaunes (Coletes Amarelos).

A este último fato é preciso adicionar o dano gerado pela direção da CGT em dezembro de 2018, naquela vez bem unida à direção abertamente colaboracionista da Central Sindical CFDT, quando condenou abertamente os Gilets Jaunes e chamou a reprimir a rebelião.

Nestes marcos e depois de bater todos os recordes de direção, por ausência da generalização e a falta de perspectiva séria de como vencer, os trabalhadores do transporte público, em especial a RATP, vanguarda inquestionável da greve, com amargura e por falta de dinheiro, decidiram voltar a trabalhar, especialmente a partir da segunda-feira, dia 20 de janeiro (ainda que uma parte minoritária mas significativa decidiu se manter em greve até o dia 24 de janeiro).

Radicalidade nas palavras e nas ações para encobrir a impotência estratégica

Frente à ausência de uma estratégia e um programa para vencer, mas consciente da forte combatividade e determinação de uma parte importante dos trabalhadores e outros setores populares, a direção da CGT aumentou as ações espetaculares e a greve em outros setores. Mas o fez descompassada, ou seja, quando os bastiões da greve no transporte começava a desinchar, e sem mudar jamais a estratégia, ou seja, buscando que com o peso da opinião pública majoritária à favor dos grevistas, Macron cedesse e escutasse.

Mas Macron e a grande burguesia que seu governo representa jamais vão ceder se não temem perder tudo. Em vez de preparar e concretizar seriamente esta perspectiva, a direção da CGT continua brincando de se esconder com a greve geral, desgastando os ativistas de uma forma para evitar que a separação e a desconfiança da base com a cúpula sindical se expresse em uma tendência de perda de controle aberta da mesma, mantendo por sua vez uma aura de radicalidade que permita no final do conflito responsabilizar a base, a grande maioria do movimento de massas, pela sua não incorporação na batalha e se absolvendo da sua responsabilidade central de encabeçar e centralizar o combate político contra Macron e seu mundo.
Vejamos alguns exemplos do que dizemos. Uma das medidas mais efetivas até agora tem sido a greve nos portos. A patronal do setor começou a gritaria. No entanto, em vez de se transformar em uma greve ilimitada, como foi no grosso do transporte público por mais de 40 dias, são realizados apenas três dias por semana, provocando sim uma perda econômica e muitos inconvenientes temporais mas não uma paralisação total. Na principal central nuclear do Ocidente, Gravelines, em cuja entrada há um enorme piquete de grevistas, para qual se locomoveu o secretário geral da CGT Philippe Martinez na última quarta-feira (22), os dirigentes da central sindical FO, majoritários neste local, utilizam o argumento de responsabilidade para não radicalizar suas ações.

Frente a um eventual apagão do reator, eles defendem, segundo testemunha o Le Monde que “Isso não é possível, respondem os membros da Intersindical, desativar os reatores por meio do sistema de emergências faria, como mínimo, que a Hauts-de-France fosse submersa no escuro instantaneamente. Um ataque à segurança do Estado duramente reprimido pelo Código Penal. Não é uma fábrica de chocolate, sorri Franck Redondo, do sindicato majoritário FO (42%, frente à CGT, com 32%). Isso significa cinco vezes Chernobyl. Se isso explode, já não existiria mais Inglaterra. Somos profissionais acima de tudo.” Os agentes, com muita raiva contra o governo mas impulsionados por um sentimento de responsabilidade, escolheram então filtrar as entradas para impedir a entrada ao local. Há uma semana entram somente 250 a 300 pessoas em média por dia, em vez dos habituais 2500 a 3000 visitantes, prestadores de serviço ou membros dos 1800 agentes EDF (Eletricidade da França). Nesta usina de risco, não se trata de colocar em risco a segurança das instalações. As atividades tem diminuído por causa das filtrações, implicando baixas de tensão, mas a produção continua. Mas aconteça o que acontecer, esta diminuição é compensada em nível europeu. Em troca, todos os empregados concordam em dizer que, em Gravelines, este movimento é histórico, assim como também as baixas de tensão de 1400 megawatts (sobre 5600 megawatts)".

Mas esta greve, verdadeiramente histórica, serve apesar da determinação e das intenções dos agentes da EDF para mudar a correlação de formas? Duvidamos disso. Coloquemos o argumento técnico de lado, porque concordamos que a energia nuclear não é uma fábrica de chocolates. As refinarias tampouco. E a escassez de combustível daria um dano considerável, como aconteceu em 2010 ou 2016, abrindo-se, como foi anunciado várias vezes pela FD Chimie CGT, uma nova dinâmica na greve com a volta das atividades logo após as férias. Mas o diretor executivo da Total, Patrick Pouyanné, dizia no último 14 de janeiro: “A verdade é que diferentemente do que aconteceu quando se pautou a lei El Khomri em 2016 e durante outros movimentos, as refinarias no se detiveram”. No que tange o envio de combustível, Patrick Pouyanné admitia também uma diminuição da atividade: “Obviamente o fluxo diminuiu, estamos em uma média de 60 a 65%, mas funciona”. A responsabilidade frente a quem? O certo é que pela falta de um chamado claro à greve geral e a busca consciente e não anunciada da escassez do combustível, combinada com a ausência de uma coordenação dos grevistas em nível de ramo, os trabalhadores das refinarias não querem perder semanas de salário por nada no final, com 2010 e 2016 em mente.

Outra iniciativa. Segundo o Le Monde, "A CGT-Energie votou em assembleias gerais de segunda e terça-feira a paralisação de três usinas de incineração da Ile-de-France a partir da quinta-feira, 23 de janeiro. “Iniciamos as manobras de paralisação de seis dos sete fornos dos três centros, o sétimo permanece mantido, a partir da quinta-feira, as 22 horas, até a segunda-feira, as 22 horas”, declarou Julien Lambert, membro del escritório da Federação Nacional de Minas e Energia CGT. Os três centros de Ivry-sur-Seine, Issy-les-Moulineaux e Saint-Ouen tratam 6000 toneladas de resíduos por dia que chegam das lixeiras verdes (não recicláveis) dos parisienses e dos habitantes de Ile-de-France. ‘Temos levado adiante várias ações, como a redução do tratamento ou do vapor destinado à calefação urbana desde o dia 5 de dezembro (começo do movimento de greve contra o projeto de reforma das aposentadorias) mas se fala muito pouco de nós, constata o sindicalista. Agora vamos ir além com um movimento inovador, a paralisação coordenada das três fábricas segundo as mesmas modalidades”. A paralisação dura de seis a doze horas e a reativação, de uma a duas jornadas, ou seja “seis dias de paralisação de tratamento de lixo dos lares da região metropolitana parisiense prevê encher as fossas com os resíduos das três fábricas, e evacuar uma parte para outros centros. Por não reutilizar os resíduos como energia (o vapor permite aquecer 300.000 casas), estes evaporarão, “a pior solução para o meio ambiente”, indica o Syctom. A longo prazo, a indústria corre o risco de ficar “saturada” e os caminhões de lixo que recolhem o lixo poderiam para de recolhê-la, adverte o sindicato intercomunitário. Um cenário catastrófico a espera das assembleias gerais que se reunirão na segunda-feira para decidir se continuam ou não com este movimento”. Outra nova ameaça como a dos trabalhadores das refinarias? Esperemos que estejamos errados.

Último exemplo que tem o mérito de ser claro. Na sua live da manifestação do 24, Le Monde se encontra com Nicolas Joseph, da CGT, secretário do Comitê de Higiene, de Segurança e das Condições de Trabalho (CHSCT) de águas e saneamento do município de Paris e chefe do serviço de guarda, que intervém 24/dia nas emergências, que conta: “Entre nós, a taxa de grevistas aumenta. Passamos de 10% há 45 dias para 60% ontem. Sempre é necessário tempo para que nós façamos greve no nosso setor mas esta já começou. Neste semana todos depositaram suas ferramentas de trabalho frente ao Ministério de Finanças para protestar contra a reforma das previdências. Éramos muitos mais que a polícia, teríamos podido entrar no ministério! E se verdadeiramente tivéssemos bloqueado nossa ferramenta de trabalho, que consiste, os lembro, em recolher águas residuais, Paris, depois de 45 dias de greve, estaria feita de verdadeira merda, no sentido exato do termo. Mas posso dizer-lhes que como organização sindical, tivemos que frear os operários se não isso chegaria muito mais longe!”

Sem duvidar da palavra de nenhum dos interessados, quando em setores estratégicos tão variados do aparato produtivo francês cuja paralisação colocariam Macron de joelhos se repete o mesmo esquema, duvidamos que a questão seja apenas técnica ou de responsabilidade social, mas acreditamos que é fundamentalmente de estratégia:

a direção da CGT não quer derrubar Macron porque isso abriria uma crise inédita na V República que esta direção reformista do movimento operário francês se cuida de abrir como foge da peste.

O que fazer?

Se apesar da impotência estratégica da direção da CGT e da Intersindical, a luta persiste, isso se deve à debilidade política governamental e, sobretudo, à determinação e combatividade dos grevistas , que como no caso da RATP se colocaram em grande medida e fizeram greve na sexta-feira (24) mostrando que ainda não estão resignados.

Contrariamente ao que esperava o governo, o acordo de reforma alcançado entre o governo e a CFDT, chamado de “compromisso Philippe-Berger” (pelo qual se retirou provisoriamente e sob restritas condições para uma futura Conferência de Financiamento uma idade pivô para receber a aposentadoria plena maior que os 62 anos de hoje) não mudou sua visão sobre a reforma. Se produziu todo o contrário. Segundo as pesquisas, o apoio e a simpatia pelo movimento vieram mais bem em altas. 61% dos franceses pensam que Emmanuel Macron deveria “levar em consideração a mobilização e retirar o projeto da reforma”, segundo Elabe-BFM. Ligado a isso se impõe uma visão de um presidente autoritário para 72%. Pelas categorias sociais, a oposição à reforma é tanta que apenas 9% dos operários a apoiam.

Neste marco de rechaço majoritário de Macron, seria suicida embarcar em uma estratégia minoritária que afaste os ativistas da maioria do movimento de massas. Se existe algo que no movimento atual já mostrou é que é possível fazer greves majoritárias de ramo ou setor, e que se a mesma afeta os setores estratégicos, pode paralisar a economia e, com isso, deixar o governo no ar. Se a greve de transporte urbano, apesar de não ser totalmente efetiva, provocou tamanho caos na região parisiense, imaginemos o dano que provocaria ao aparato produtivo capitalista se os caminhoneiros que transportam 88% das mercadorias da França se declarassem majoritariamente em greve.

Por ora, somente a atitude corporativa do setor o tem impedido. É sobretudo a ausência de um plano para vencer da Intersindical o que não permite utilizar até o final a força e a combatividade dos setores que inclusive estão ou estiveram em greve. Tampouco existe um plano ou programa consequente para incorporar a força da maioria do movimento operário, especialmente os setores mais explorados da classe, sobre os quais pesam muito mais riscos e implica maiores sacrifícios que sob os setores protegidos da classe operária, que se só entrariam na luta se vissem uma perspectiva diferente da presente e do futuro de precarização e desemprego que os persegue, e uma decisão na direção que lhes permita acreditar que dessa vez é sim possível dobrar o governo burguês da vez.

Os setores mais avançados da classe, os melhores ativistas do atual conflito que ainda estejam em greve reconduzível minoritária ou tenham retomado o trabalho, deveriam aproveitar os “momentos fortes” (assim são chamadas as jornadas de ação para além dos setores que estavam em greve indefinida que inclui chamado à paralisação e manifestações e das quais existiram sete até hoje) não apenas para se mobilizar neste dia, mas fundamentalmente para fazer grandes assembleias de setor, que por sua vez coordenem, como mostra a Coordenação da RATP/SNCF, denunciando o radicalismo de opereta das direções sindicais e exigindo-lhes que deixem de julgar de esconde-esconde e se coloquem à altura do combate em curso, votando uma lista de reivindicações que abarque o conjunto do movimento operário e um plano de luta de acordo.

Isso significa que frente à tática de “momentos fortes” da Intersindical, que nos leva a um impasse, assim como os trabalhadores da RATP e a paralisação massiva de um dia no último 13 de setembro (neste dia os trabalhadores decidiram que começariam uma greve por tempo indeterminado a partir do dia 5 de dezembro, arrastando consigo os ferroviários e demais setores) imponha um novo começo na luta em curso, ou uma continuidade em nível superior, aproveitando seguramente as crises políticas que vão se abrir ao longo do trâmite parlamentar que aparece como um calvário para a era macroniana e que estará tentado em utilizar o 49.3 (uma medida autoritária que encerra em bloco o debate parlamentar) para evitá-lo, abrindo possivelmente um forte choque político e democrático no país que pode ser utilizado para remobilizar os grevistas, ao passo de incorporar novos setores da classe trabalhadora massivamente, junto à juventude estudantis dos banlieue (subúrbios).

A luta atual, como mostrou a manifestação do 24, não está vencida, na condição de que, mediante a auto-organização de base, imponhamos uma nova estratégia e programa às direções “opositoras”. Uma vez mais, como no começo, a greve para os grevistas.




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