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TRANSFOBIA NA IMPRENSA | Laerte vence em ação judicial contra posições transfóbicas de Reinaldo Azevedo

Revoltado com charge da cartunista Laerte Coutinho em que ela denuncia a associação dos policiais com chacinas e ironiza a posição de apoio dos manifestantes pró-impeachment de exaltar a polícia, o colunista da Veja e da Rádio Bandeirantes escreveu texto onde chama a artista de "baranga moral" e diz que sofre de "exibicionismo doentio", entre outros insultos.
Ele foi condenado a pagar indenização de R$100 mil reais, que a cartunista irá doar para o combate à transfobia.

sábado 17 de dezembro de 2016 | Edição do dia

A tirinha que indignou o reacionário Reinaldo Azevedo e fez ele destilar suas pérolas de transfobia foi essa:

Reproduzimos abaixo o texto do advogado Paulo Iotti, que representou a cartunista em seu processo contra Azevedo, acerca da vitória de Laerte:

Vitória! Ano passado, o colunista de revista Veja (argh) Reinaldo Azevedo (ARGH!) publicou coluna atacando moralmente a querida Laerte Coutinho. Isso porque ela publicou uma charge ironizando aqueles(as) que apoiaram o golpe (que chamavam de "impeachment") na qual pessoas com camisas da CBF abraçavam policiais e, ao fundo, havia sangue deixado por chacina recente em outra cidade, atribuída pela mídia à PM. Tudo estaria em conformidade com a liberdade de expressão e crítica (que, afinal, permite o reacionarismo e a defesa de ideias tolas, apenas vedando discursos de ódio e afins) SE ele não tivesse apelado a verdadeiras ofensas e ataques morais à Laerte. Chamou-a de "baranga moral" (sic), "fraude de gênero" (sic) e outros impropérios mais.

Em razão disso, Laerte processou Azevedo, Veja e Rádio Jovem Pan (esta por ele ter dito os mesmos impropérios ofensivos nela, pois empregadores são responsáveis por atos de seus empregados e funcionários em gera, daí a Veja também). Representada por mim e pelas queridas Márcia Rocha e Ana Carolina Borges, que coescrevemos a ação em seis mãos.

Fomos acusados pelas defesas de "descontextualizar" a fala (!). Eu queria entender em que "contexto" expressões como "baranga moral" (sic) e afins não teriam o intuito de ridicularizar e humilhar moralmente a pessoa. E FELIZMENTE O JUIZ DO CASO TEVE O MESMO ENTENDIMENTO, julgando totalmente procedente a ação, para condenar Veja, Azevedo e Rádio Jovem Pan em danos morais, no valor de CEM MIL REAIS, exatamente o valor pleiteado na Inicial! Que Laerte doará ao movimento Mães pela Diversidade, como mencionado na petição inicial.

Transcrevo os seguintes trechos da Petição Inicial, que citam todas as ofensas usadas para que possam entender o ponto aqui explicado:

“Ato contínuo [à charge de Laerte], no dia 20/08/2015, o primeiro-Réu, ao comentar a charge da Autora, não se limitou a criticar a ideia defendida por aquela, mas atacou a pessoa da Autora, ofendendo-a, em inequívoco animus injuriandi. Logo, esse deve ser um pressuposto na análise da ação: não se está questionando o direito do primeiro-Réu em discordar da crítica da Autora nem se o está processando pelas críticas que fez (por mais simplórias que o sejam). Está-se apontando que ele, ao fazer a sua análise crítica da charge da Autora, ofendeu a honra e a dignidade desta, senão vejamos:

[...] [transcrição da íntegra da coluna de Reinaldo Azevedo e alguns comentários nossos]
Ou seja, Excelência, o primeiro-Réu chamou a Autora de "baranga na vida", quase no fim do texto a chamou de "baranga moral", falou em "exibicionismo certamente doentio” da Autora, acusou-a de "insaciável compulsão", a chamou de "falsa senhora" (uma ofensa indiscutível à identidade de gênero de uma pessoa transexual), tratou a Autora no masculino menosprezando a identidade de gênero dela ("Em suma: o sujeito é esquerdista, gay, “transgênera” (seja lá o que isso signifique)"), chamou a Autora de "homem-mulher" (novamente desrespeitando a identidade de gênero da Autora), a chamou de "homem que se finge de mulher" (idem), a chamou de "fraude de gênero" (idem) e "fraude moral" (ao passo que, se alguém aqui seria uma "fraude lógica”, esse alguém é o primeiro-Réu).

Logo, Excelência, o primeiro requerido, atacou a requerente por diversas vezes, o que não nos resta dúvida de que ele cometeu um ato ilícito o que por consequência gera um dano moral passível de indenização.

Ora, mesmo abstraído o deliberado ataque transfóbico à identidade de gênero da Autora questionamos: que “debate de ideias” é esse que visa destacar a identidade de gênero, qual seja, transgênera da Autora para menosprezá-la? Sem falar na deliberada ignorância do primeiro-Réu sobre o tema (um formador de opinião, como lamentavelmente o primeiro-Réu é, por boa-fé objetiva, tem obrigação de pesquisar sobre transgeneridade para tratar do tema, mas o primeiro-Réu decidiu propagar sua concepção confessamente ignorante para assim atacar a Autora).

Analisando frase por frase, palavra por palavra, é possível verificar que há ofensa a moral e dignidade da requerente em todos os trechos destacados no parágrafo anterior. Ora, que “debate de ideias” existe nas expressões “baranga da vida”, “baranga moral”, na acusação leviana de “insaciável compulsão” e “fraude moral”? Ademais, como não ver ofensa e ataque à identidade de gênero da Autora nas expressões “falsa senhora”, “homem-mulher” e “fraude de gênero”? Tudo isso configura puro e simples animus injuriandi caracterizador de dano moral indenizável.

Por todo o exposto, resta configurado ataque à honra da Autora pelo primeiro-Réu, por cujos atos a segunda-Ré é responsável também, ainda que de forma subsidiária, razão pela qual não restou à Autora outra alternativa senão ingressar com a presente ação para ter seu direito resguardado.

Ademais, a Autora faz questão de destacar que doará o valor que receber de indenização por danos morais com esta ação para uma organização não-governamental de defesa dos direitos da população LGBT, a saber: GADvS – Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero (CNPJ n.º 17.309.463/0001-32), doação com encargo para que ele promova ações em favor do coletivo despersonalizado Mães pela Diversidade (atualmente coordenado pela ativista Majú Giorgi), que significa dizer que não pretende a autora se locupletar as custas dos requeridos.

[...]
Dessa forma, conforme narrado no inicio dessa exordial, é evidente que houve escancarada violação de direitos constitucionalmente protegidos, quais sejam, a sua imagem, sua honra, sua intimidade, sua privacidade e mais, estamos diante de um caso de TRANSFOBIA em face de toda a situação vexatória e preconceituosa causada pela requerida ao expor a autora, causando-lhe danos terríveis de ordem moral e patrimonial, devendo, portanto, os requeridos serem condenados à indenização pelo dano sofrido pela autora”.


Ou seja, fica claro que Reinaldo Azevedo teve inequívoca intenção de ofender a Laerte Coutinho em falas verdadeiramente injuriosas da honra dela, razão pela qual perfeita a condenação por danos morais.

É isso! Os réus ainda podem recorrer, mas foi uma importante vitória contra a transfobia praticada contra Laerte. Sentença disponibilizada no primeiro comentário, já que o processo não corre em segredo de justiça.




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