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CADEIA PARA PACIENTES | Juízes desrespeitam Lei Antimanicomial e condenam pacientes a internações forçadas

A permanência de pacientes que fizeram uso abusivo de drogas ou que foram diagnosticados com transtornos psiquiátricos por tempo indeterminado nos hospitais, mesmo após a alta médica, mantém nas unidades de saúde a mesma lógica da internação manicomial que supostamente foi abolida pela Lei Antimanicomial aprovada no Brasil. As situações são desumanas: há regras paralelas, castigos físicos, violência sexual e tráfico de drogas.

terça-feira 25 de julho de 2017 | Edição do dia

Reportagem do jornal O Estado de S. Paulo mostrou no domingo, 23, que juízes de todo o País têm autorizado internações psiquiátricas prolongadas mesmo após o médico ter determinado a saída do paciente, desrespeitando o que prevê a lei antimanicomial, de 2001. Isso é apenas mais uma entre tantas mostrar da situação absurda a que são submetidos pacientes com doenças psíquicas no país.

A Associação Hospitalar Thereza Perlatti, em Jaú, no interior de São Paulo, tem 23 pacientes com alta médica que seguem internados por determinação da Justiça, que se sobrepõe a qualquer orientação de psicólogos e médicos demonstrando o abuso do judiciário sobre os direitos das pessoas também no campo da saúde mental.

Lá, os pacientes estabeleceram uma hierarquia semelhante à das prisões, sendo os internos mais antigos os líderes. O paciente Carlos (nome fictício), de 32 anos, está há mais de um ano internado e conta que já ocupou a função de "disciplina", responsável por zelar pelo "respeito" aos funcionários do hospital.

Embora o cigarro seja proibido, há uma espécie de tráfico entre os pacientes, que os conseguem por meio de visitantes. "Uns ajudam a esconder. Outros arrumam o isqueiro", explica. E quem desrespeita as regras da casa é castigado por outros pacientes. "Jogam um lençol em cima e todo mundo bate", conta Carlos, que diz haver ambiente específico para isso: a sala de TV.

"Eles tentam resolver as coisas aqui dentro como resolveriam na rua. E é esse tipo de comportamento inadequado que, fora daqui, pode levar a uma recaída no futuro", diz a psicóloga do hospital, Sany Devides. Esse tipo de declaração demonstra como, também entre os profissionais que deveriam combater a lógica da internação compulsória, permanece uma mentalidade que atribui a culpa aos pacientes por situações abusivas que são geradas justamente pela manutenção das internações psiquiátricas que são como verdadeiras cadeias para os que são considerados "loucos".

No Espírito Santo, a Defensoria Pública já atendeu a um caso de estupro em uma das clínicas para tratamento de dependentes químicos. A defensora Geana Cruz de Assis, da área de Proteção à Pessoa com Transtorno Mental, conta que uma mãe a procurou, no fim de 2015, para transferir o filho que havia sido estuprado por outro paciente, portador do vírus da aids. Mas o hospital não investigou o caso. A lógica da internação compulsória a quem faz uso de drogas é uma continuação, no âmbito da saúde mental, da absurda política de guerra às drogas que segue matando a juventude negra nas favelas e nos morros pelas mãos da polícia. Se criminaliza o uso das drogas, e se submete quem faz uso a essas situações absurdas.

"Por coincidência, outra mãe me procurou para falar da internação do filho. Peguei o processo e havia notícia da clínica de que ele havia sido desligado do tratamento porque não se adequou e por ter cometido assédio sexual", disse a defensora pública. A vítima foi transferida para outra unidade após decisão judicial. Mas permanece "presa" por seu "crime" de utilizar drogas.

Geana também relata denúncia de pais sobre outra clínica, que proibia a entrada de parentes. "Hospital não é prisão nem manicômio. Como há pessoas internadas há muito tempo, criou-se outra cultura, que não a de tratamento, mas sim da restrição de direitos." O órgão não informou os nomes dos hospitais onde houve as denúncias.

Tráfico

No hospital psiquiátrico Severino Lopes, em Natal, ocorre tráfico de drogas entre pacientes. Geralmente, os que são liberados para passar o fim de semana com a família voltam com droga e repassam aos colegas. "Isso acontece apesar de contratarmos vigilantes e fazermos uma revista minuciosa. Ainda não se tornou um problema incontornável, mas é grave", diz Jair Farias de Oliveira, diretor técnico da unidade. Mais uma vez se demonstra a lógica punitiva, de vigilância e repressão nas unidades de saúde, o que deixa claro que infelizmente não é só no judiciário que passa por cima da Lei Antimanicomial que está o problema, mas também na forma como se organiza o atendimento à saúde mental.

Outro problema é que pacientes que cometeram crimes são encaminhados à unidade e misturados aos pacientes comuns, alguns em surto psicótico. "Como são medidas judiciais, tenho de obedecer, embora não concorde. Tentamos ter cuidado para que essa pessoa evite conflito com outros pacientes." A lógica de cadeia se demonstra em todos os âmbitos, com punição para todos.

É preciso dizer basta a essa forma de tratar das questões da saúde mental e do uso abusivo de drogas.




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