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Josefina Martínez: "É necessário retomar essa tradição de um feminismo internacionalista e revolucionário contra a guerra"

Josefina L. Martínez

Josefina Martínez: "É necessário retomar essa tradição de um feminismo internacionalista e revolucionário contra a guerra"

Josefina L. Martínez

Reproduzimos abaixo fala de Josefina Martínez, autora do livro "Nós mulheres, o proletariado", originalmente com o título espanhol "No somos esclavas!", em sua live de lançamento.

"Olá para todas e todos. Em primeiro lugar, quero agradecer as Edições Iskra pela publicação desse livro no Brasil, o que me deixa muito contente. E quero dizer, primeiro que tudo, que essa edição melhor muito graças ao prefácio de Diana Assunção e Letícia Parks, assim como o capítulo sobre as lutas e rebeliões das mulheres negras no Brasil. Então novamente muito obrigado.

Há alguns meses não podíamos imaginar, quando as companheiras começaram a preparar essa apresentação, que hoje estaria falando de um continente sacudido pela guerra na Ucrânia. Como sabem, esses dias são milhões de refugiados que estão chegando em vários países europeus, em sua maioria mulheres e crianças, fugindo da reacionária invasão de Putin na Ucrânia que começou no dia 24 de fevereiro. Uma invasão que já está deixando um enorme saldo de mortes, feridos e destruição sem precedentes. E os Estados imperialistas estão aproveitando a situação para aumentar seus orçamentos militares e avançar numa escalada de rearme como não era visto em décadas. Um militarismo desenfreado, que, como já sabemos, na história do capitalismo só tem levado a catástrofes bélicas e uma redobrada espoliação dos povos do mundo.

Já voltaremos a isso, porque no livro que apresentamos hoje também recuperamos algumas das tradições mais revolucionárias da luta das mulheres contra a guerra e também contra a carestia da vida produzida por esta, no começo do século XX. Experiências com as quais temos muito a aprender.

Primeiramente, esse livro foi publicado há um ano no Estado Espanhol, com o título “No Somos Esclavas” (Não Somos Escravas, NdT). A ideia surgiu em meio à pandemia, quando trabalhadoras de diferentes lugares do mundo entraram em greve. Especialmente, me emocionou a imagem de um grupo de trabalhadoras do Sudeste asiático. Eram trabalhadoras têxteis, que costuram roupas em grandes ateliês, para marcas europeias, e que em seus lugares de trabalho não têm nem sequer o direito a formar sindicatos, porque as demitem. E por isso saíram massivamente a fazer greves, algumas delas com cartazes que diziam “Não Somos Escravas”. O presente livro é uma homenagem para todas elas, e para isso tentamos retomar uma enorme tradição de luta das mulheres trabalhadoras, como parte da classe operária de conjunto, ao longo da história.

A primeira parte do livro está dedicada a greves “históricas”. Vou parar em duas delas, que são impressionantes. E não vou dar “spoiler” do resto, assim podem ler no livro. A greve do Pão e Rosas, de onde tomamos o nome do nosso grupo internacional de mulheres, aconteceu nos Estados Unidos em 1912. Essa é uma greve impressionante, protagonizada por trabalhadoras muito jovens, entre 17 e 25 anos, na sua maioria eram imigrantes vindas da Itália, Polônia, Lituânia, Grécia, França, Bélgica, Alemanha e Rússia. A cidade de Lawrence era um dos centros da indústria têxtil norteamericana e as patronais usavam essa mão de obra, feminina e migrante, porque era mais barata e consideravam que podiam lhes impor piores condições de trabalho. Como vemos, a opressão de gênero, o racismo e a xenofobia eram um mecanismo para favorecer a exploração diferenciada da mão de obra, como continua se fazendo na atualidade. A greve começa porque as patronais queriam reduzir o salário das operárias. As trabalhadoras polacas foram as primeiras a entrar em greve e as seguiram milhares de companheiras. Essa greve tem algumas lições muito importantes da experiência operária.

Contra a repressão policial, as trabalhadoras organizaram piquetes móveis que percorriam e paralisavam toda a cidade. Para organizar a greve de forma democrática, organizaram um comitê de greve que realizava assembleias diárias. Nesses espaços, os discursos se traduziam de forma simultânea a vários idiomas, superando assim as divisões nacionais ou étnicas que a patronal sempre usava para dividir. E para sustentar a greve no tempo, organizaram refeitórios comunitários, nas sedes de alguns sindicatos, onde se preparava comida diariamente para as grevistas e suas famílias. Recebiam dinheiro do país todo para o fundo de greve.

Uma questão importante que apareceu no conflito foi a questão de como podiam as mulheres sustentar os piquetes e ao mesmo tempo cuidar dos seus filhos. Uma questão que aparece sempre nas lutas atravessadas por gênero e classe. E a resolução que encontraram as trabalhadoras foi apelar à solidariedade de classe, que quando se expressa, pode fazer coisas muito criativas. Nesse caso, milhares de famílias operárias de outras cidades se ofereceram para cuidar dos filhos das grevistas enquanto durasse o conflito. E assim saíram vários trens cheios de crianças rumo a Nova Iorque e outras cidades para apoiar a greve. A greve vai ter seu desenlace final quando o governo envia repressão à estação de trens com seus filhos. Essas imagens percorreram o país gerando uma enorme indignação e mais apoio à greve, pelo que finalmente o governo teve que pressionar as patronais para que aceitassem um acordo. Elas venceram, os salários não foram reduzidos.

Outras greves históricas descritas neste livro são as greves das trabalhadoras russas em 1917. Foi justamente o 8 de março de 1917, no dia Internacional das mulheres (no calendário russo da época era em fevereiro). Nesse dia, nenhuma organização tinha convocado oficialmente uma greve geral, mas as trabalhadoras iniciam a greve, e com essa força abrem caminho à revolução. As operárias das fábricas têxteis se lançam às ruas desde cedo e percorrem as fábricas mais próximas. Nas portas das empresas metalúrgicas, chamam as trabalhadoras a se somarem ao movimento. Jogam paus, pedras e bolas de neve contra as janelas. “Abaixo a guerra!”, “Pão para os operários!”. Dois dias depois, se vive uma greve geral na cidade que terminará na queda do odiado czarismo.

Leon Trótski relembra essa jornada dizendo que essa “espontânea iniciativa foi feita pela parte mais oprimida e coibida do proletariado: as operárias têxteis, entre as quais podemos supor que haverá não poucas mulheres casadas com soldados.” As misérias da guerra, depois de vários anos, as mulheres tendo que fazer fila na frente das padarias durante horas para conseguir pão, com 10 graus abaixo de zero, foi o ambiente onde foi se gestando a revolução. Nos meses seguintes, entre fevereiro e outubro, a participação das mulheres vai aumentando. No começo de abril, 40 mil mulheres se mobilizam em Petrogrado, recusando-se a abandonar as ruas até que se aprove o direito ao voto. Continuam reivindicando o fim da guerra, pão para seus filhos, terra para as famílias camponesas. Essas demandas continuam sem ser atendidas, e cresce o descontentamento com o Governo Provisório. Essa radicalização permitirá pouco depois que os bolcheviques ganhem a maioria dos delegados nos sovietes e possam tomar o céu por assalto.

Durante toda a guerra, mulheres revolucionárias como Clara Zetkin, Rosa Luxemburgo, Aleksandra Kollontai, Inessa Armand e outras, promovem a luta internacionalista contra a guerra e contra o militarismo imperialista. Por isso são encarceradas e perseguidas. Nos momentos imediatamente posteriores à guerra, a corrente internacionalista, da qual formam parte também Lenin, Trotski, Liebknecht e outros, é minoritária. Mas sabem que é necessário nadar contra a corrente nacionalista do imperialismo, manter as bandeiras internacionalistas e socialistas. Isso irá lhes permitir, quando o descontentamento operário e popular contra a guerra se torna massivo, confluir com a vanguarda operária e através do Partido Bolchevique na Rússia dirigir a conquista de um governo próprio da classe operária.

Abriram assim um novo capítulo na história da humanidade, mostrando que a emancipação é possível, que não há que se resignar frente às opressões e frente à exploração. Como falei no começo dessa apresentação, hoje é necessário retomar essa tradição de um feminismo internacionalista e revolucionário contra a guerra. A reacionária invasão russa na Ucrânia, está mostrando as calamidades da guerra, como já disse, com quase 3 milhões de refugiados, mortos e feridos.

Mas a guerra tem lugar também num cenário internacional que vai além do território ucraniano, porque os estados imperialistas, agrupados na OTAN, se bem não têm tropas próprias no terreno, são parte desse conflito. Não só porque durante anos vêm armando e financiando o exército ucraniano e o governo de Zelensky, que pediam entrada na OTAN. Também agora, com um conjunto de sanções econômicas que estão afetando de forma muito dura os trabalhadores e o povo russo, com a queda de salário, o desabastecimento e as demissões em massa.

Ao mesmo tempo, o rearme militarista da OTAN prepara futuras intervenções militares imperialistas na África, Ásia e outras regiões, na disputa por recursos naturais, ou por zonas de influência. É a dinâmica própria do imperialismo, tal como era denunciado há mais de 100 anos pela Rosa Luxemburgo. Por tudo isso, aqui, junto a companheiras do Pão e Rosas da França, Itália e Alemanha, nesse último 8M nos manifestamos nas ruas com as consignas de “feministas anti-imperialistas contra a guerra”, exigindo a saída das tropas russas da Ucrânia, mas também o fim do rearme imperialista e as sanções. E marchamos também contra essa reacionária aliança imperialista que é a OTAN. As companheiras que militamos no Pão e Rosas na Europa, nos países imperialistas, exigimos também a anulação das dívidas para todos os países como Brasil ou Argentina, e repudiamos o papel das empresas multinacionais europeias que oprimem os povos do mundo.

Pensamos que só a unidade da classe trabalhadora, as mulheres e a juventude dos países imperialistas com as classes trabalhadoras e os oprimidos do mundo todo podem ter a força para frear essa escalada de crises e guerras do capitalismo. Para dizer, como as mulheres internacionalistas fizeram há mais de 100 anos: guerra à guerra, e pela revolução socialista.

Muito obrigado novamente, agora as companheiras vão retomar e abordar outras questões que têm a ver com o livro, com a história e com a atualidade."


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Josefina L. Martínez

Madrid | @josefinamar14
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