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CULTURA | Jack London e um pouco da cultura vermelha dos EUA

terça-feira 29 de março de 2016 | 00:21

A pressão arterial da esquerda sofre verdadeiros picos com os discursos e as declarações do candidato republicano Donald Trump para as eleições presidenciais lá no império. De fato, qualquer pessoa relativamente sensível e inteligente se preocupa com as consequências geopolíticas que a vitória de um sujeito como Trump iria trazer não apenas para a América latina, mas para a classe trabalhadora de todos os continentes (sabemos que tanto democratas quanto republicanos são imperialistas, sendo que ambos estão a serviço da águia que esmaga os países capitalistas pobres; mas com toda certeza os republicanos conseguem piorar ainda mais as coisas). Mas se este cenário é preocupante, devemos ter cuidado com o antiamericanismo que coloca toda a cultura norte americana na mesma panela reacionária. A resposta ao imperialismo norte-americano não está, com toda certeza, num nacionalismo esquerdista, pelo fato deste último ocultar (e inclusive desconhecer) os aspectos progressistas presentes na cultura dos EUA.

Um dos erros fundamentais do nacionalismo esquerdista é não enxergar que a classe trabalhadora é internacional, existindo inclusive, nos EUA. Sem dúvida que a educação dos trabalhadores dos EUA, sobretudo em sua dimensão religiosa ultra direitista, puritana até os ossos, faz do proletariado norte-americano um dos mais politicamente atrasados do mundo. Porém, isto não significa que a cultura daquele país não apresente sua face contestadora. Quando olhamos para os enlatados que o imperialismo nos atira goela abaixo através dos meios de comunicação de massa, fica aquela impressão de que tudo naquele país são super-heróis, zumbis, alienígenas, dramas manjados e comédias que provocam diabetes. Entretanto, existe uma América oculta, rebelde, que apesar de historicamente minoritária é permeada por práticas culturais e políticas nada conformistas. E isto tem chão: as lutas operárias nos EUA entre o século XIX e as primeiras décadas do século XX propiciaram formas literárias de caráter anticapitalista. Pensemos num sujeito como Jack London.

Militante socialista, Jack London foi um escritor politicamente corajoso. Em sua obra prima O Tacão de Ferro(1907) a invenção anda lado a lado com a crítica marxista. As lutas da classe operária contra a oligarquia norte-americana são o foco de um livro que conseguiu fazer da ficção um exercício de crítica social e ao mesmo tempo uma luneta: o romance expõe claramente que o reformismo torna-se um erro que leva ao esmagamento dos trabalhadores. O autor nos deixa pasmos com sua escrita capaz de prever a capacidade da classe dominante em deter o socialismo através da repressão, da brutalidade e dos recursos ditatoriais. O espantoso é a maneira como o romance torna-se posteriormente um “aviso do passado”. Como observa Trotski em um posfácio ao livro, redigido em 1937, Jack London foi um artista revolucionário que com O Tacão de Ferro previu o fascismo.

Jack London está longe de ser um dos únicos intelectuais de esquerda presentes na história dos EUA. Além de nomes mais óbvios como o jornalista John Reed e a militante anarquista Emma Goldman, a verdade é que na primeira metade do século passado a cultura militante também esteve presente no reino do Tio Sam. A cidade de Nova York que o diga: áreas residenciais como o Greenwich Village eram laboratórios culturais em que o inconformismo político se fazia presente diariamente. Os chamados “vermelhos” difundiam ideias revolucionárias através de poemas, contos, romances, canções, artigos de jornal e peças de teatro.

O sofrimento dos imigrantes pobres que contrastava com o discurso de prosperidade do puritano anglo saxão, era denunciado por exemplo na literatura de Michael Gold, como comprova o seu emblemático romance Judeus Sem Dinheiro, que marcou a literatura politizada da década de 30 . Aliás, foi durante os anos 30, a década da depressão econômica, que a proletarização impulsionou uma produção artística de protesto, próxima ou em sintonia com as ideias comunistas. Na música popular quem se destaca é Woody Guthrie: empunhando seu violão, considerado pelo músico como “uma máquina de matar fascistas”, Guthrie mandava bala no folk, realizando aquilo que muitos chamavam de “música de sindicato”.

Foi também durante os anos da depressão que o stalinismo manchou com mediocridade a vida cultural da esquerda norte americana: vários escritores e intelectuais de esquerda norte americanos tornaram-se paladinos do stalinismo cultural. Uma resposta marxista e independente foi dada aos stalinistas no plano da crítica literária: a revista Partisan Review deu um verdadeiro chega pra lá nos burocratas das letras. Rompendo com o stalinismo, os editores William Phillips e Philip Rahv relançaram em 1937 a Partisan Review que se tornou uma das vozes da esquerda independente no campo da literatura. As relações entre literatura moderna, trotskismo e a Partisan Review envolvem um longo papo que será abordado num futuro estudo.

Existem muitos, muitos outros exemplos que comprovam a existência de uma cultura combativa e politizada na história dos EUA. Tais exemplos podem, hoje em dia, fortalecer ideologicamente os trabalhadores dentro e fora dos EUA.


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