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OCUPAÇÕES PELO PAÍS | Isso aqui virou ou já superou o Chile? Mais de 1000 ocupações pelo país

Com inspiração na chamada “Revolta dos Pinguins”, a mobilização secundarista no Brasil atinge proporções que em números absolutos já superam o exemplo dado pelos irmãos chilenos.

segunda-feira 24 de outubro de 2016 | Edição do dia

A Revolta dos Pinguins, este é o nome com o qual ficou popularmente conhecido o ressurgir do movimento secundarista no Chile a dez anos atrás, em 2006, onde não só arrancaram suas reivindicações como também deixaram um exemplo gravado na história seguido posteriormente pelos novos estudantes chilenos em 2011 e atualmente pelos estudantes brasileiros. O movimento histórico de estudantes secundaristas mostra a força de partir das experiências de luta de outros países e dão uma lição de internacionalismo.

A Revolta dos Pinguins

O nome é em decorrência da forma e da cor do uniforme usados pelos estudantes chilenos do ensino básico e médio que lembra a “engravatada” ave. O movimento chileno inicia com a demanda de transporte estudantil gratuito para todos os estudantes, foram vários atos duramente reprimidos pela polícia até que os estudantes decidem adotar outra estratégia: a ocupação das escolas.

Esta havia sido a maior onda de mobilização estudantil desde o fim da ditadura do general Augusto Pinochet (1973-1990) no Chile e ocupações desde o governo de Salvador Allende. Logo após a primeira ocupação acontecer outras dezenas à seguiram, resultando de mais de uma centena de escolas ocupadas em todo o Chile. Organizações sindicais, sociais e universitárias se colocaram prontamente em apoio.

Os estudantes foram rápidos e astutos em sua organização. Tomando como exemplo as ocupações ocorridas a mais de 30 anos no país, de imediato se organizaram em comissões responsáveis pelas distintas tarefas de manutenção da ocupação, além de todos os dias discutirem em assembleias os rumos políticos do movimento. O forte debate político levou em um desenvolvimento das pautas, extrapolando a questão dos transportes e apontando armas para uma questão latente da educação nacional chilena: o enorme quadro da educação privada no país e a escassa educação pública.

Medidas de ligação com a população foram organizadas, tornando a opinião pública bastante favorável ao movimento e estimulando o apoio ativo de diversos setores da sociedade. Não era raro ver estudantes em ônibus da cidade pedindo ajuda financeira dos passageiros como forma de manter a ocupação e também de dialogar com a população sobre os motivos da ocupação. Com o avançar do tempo e das políticas adotadas pelos estudantes novos atos foram convocados e o auge culminou nas ruas com 600 mil pessoas nas ruas, secundaristas, estudantes universitários, diversas organizações sindicais e sociais se somaram e trabalhadores de diferentes áreas paralisaram suas atividades para apoiar o movimento, o que gerou não só a queda do Ministro da educação, mas também uma importante vitória sobre o governo.

Este exemplo reverberou ao longo dos anos e 5 anos depois novas ocupações ocorrem como método de luta, desta vez 600 escolas das mais de 10 mil foram ocupadas pelos estudantes durante outra nova forte mobilização.

“Isto aqui vai virar o Chile!”

O canto ecoou de diversas escolas do Brasil. A quase um ano iniciava-se um movimento de ocupações de escola no estado de São Paulo contra a “reorganização estadual escolar”, projeto qual visava fechar diversas escolas em todo o estado. Esta ação contagiou estudantes de outros estados brasileiros como Rio de Janeiro, Ceará, Goiás e Rio Grande do Sul. Mais de 300 escolas foram ocupadas no país e a juventude secundarista do país despertou sentindo a força que tinha em suas mãos.

As semelhanças com o movimento chileno não são meras coincidências. Hoje há aproximadamente 1000 escolas ocupadas em todo o Brasil, contra a Reforma do Ensino Médio e a PEC 241, que impõe um limite de gastos para a Educação e a Saúde, em meio a estas, grande destaque para as 800 escolas ocupadas no Estado no Paraná. Nestas escolas o alto grau de organização dos estudantes torna difícil imaginar que a grande maioria está passando por um movimento de ocupação pela primeira vez. Dividiram-se em comissões de segurança, alimentação, limpeza, entre outras a seu próprio modo que é muito similar ao ocorrido no Chile. A discussão política passou a ser cotidiana e entendem a urgente necessidade de unificação com outros estados e a ligação com a população. O processo brasileiro ainda não ganhou contornos nacionais como no Chile, mas sabemos que a profundidade dos ataques exige muita força e coordenação do movimento para superar as barreiras e alçar voos ainda mais altos.

Sobre os contornos reais que ganha o resgate dos “fios de continuidade” da luta chilena e a superação das fronteiras nacionais, o filósofo Pablo Ortellado, professor de Gestão de Políticas Públicas na EACH (Escola de Artes, Ciências e Humanidades) da USP disse em entrevista ao jornal Nexo em junho deste ano: “houve a distribuição de um manual no ano passado [2015]” contendo informações sobre o movimento chileno e seus métodos de luta. Além disto, também se referiu ao documentário de Carlos Pronzato chamado La Revolucion Pinguina como sendo diretamente uma fonte de influência sobre as formas adotadas pelos estudantes em sua mobilização.

Em números absolutos, o movimento secundarista do Brasil superou o total de escolas ocupadas durante todo o movimento chileno, podendo ser chamado assim de a maior onda de ocupações de escolas da América Latina, porém seu potencial político ainda vem sendo desenvolvido. Importantes lições políticas do movimento chileno podem ser postas em prática e desencadear um contundente golpe sobre o governo e os grandes empresários.

Como dizia o revolucionário russo Leon Trotsky “Nos estudantes, se reflete com toda potência, exatamente como numa caixa de ressonância, os interesses e aspirações sociais gerais das classes de que provêm. (...) Fizeram-se ultra-revolucionários, fraternizaram-se sincera e honestamente com o povo”. Assim como no Chile os estudantes foram capazes de se ligar com grandes setores de trabalhadores, transformando o apoio passivo em manifestação ativa de descontentamento com as políticas para a educação, a juventude secundarista brasileira carrega o potencial de rompimento com a inercia imposta aos trabalhadores pelas direções sindicais burocráticas ou diretamente ligadas aos patrões. O Brasil vive um momento de profunda instabilidade política, com medidas impopulares sendo anunciadas diariamente e o movimento secundarista, carregando a experiência chilena, lutando pelos ‘interesses e aspirações sociais gerais das classes de que provêm’ como Saúde e Educação, aparece como um importante agente político nacional.

Seu exemplo de retomar as experiências de outros países pode inspirar os trabalhadores brasileiros a seguir os passos da França no primeiro semestre deste ano, onde uma forte mobilização nacional parou totalmente diversos setores industriais do país, como energia e transporte, contra a Reforma Trabalhista. Importante frisar que a Reforma Trabalhista está sendo desenvolvida e já está na agenda dos ajustes no Brasil.

Todo este cenário também é visualizado pela elite nacional. Assim como os estudantes e trabalhadores a elite nacional de políticos e grandes empresários também busca tirar lições das experiências de luta nacionais e internacionais. Isto aparece no Brasil com a forte repressão policial imposta sobre os estudantes que tentam se mobilizar em São Paulo, os que anteriormente foram os primeiros a se mobilizar agora sofrem uma dura contenção como forma de resposta ao movimento que estimularam no país. Mas a medida que as ocupações começam a se generalizar pelo país, como vem acontecendo, e ganham apoio da população, ações repressivas tornam-se um verdadeiro tiro no pé das autoridades gerando ainda mais apoio aos que lutam por Educação e Saúde.

O crescente movimento secundarista brasileiro já traz consigo valiosas lições e possuem ainda uma grande perspectiva futura. Apoiar deixa de ser uma necessidade e se torna dever a medida que se desenham os diversos ataques a direitos básicos em detrimento de isenções fiscais a grandes empresários e regalias a políticos.

O documentário “A Revolta dos Pinguins”, de Carlos Pronzato, está disponível legendado no Youtube pode ser visto abaixo:




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