×

IRAQUE | Iraque: uma rebelião popular atrapalha os planos dos Estados Unidos

A crise política no Iraque – praticamente ignorada pelos grandes meios – alcançou um ponto de inflexão no último fim de semana quando milhares de manifestantes ocuparam por um dia a chamada “zona verde”, o complexo governamental no coração de Bagda, que foi a fortaleza de Saddam Hussein e o símbolo da ocupação norte-americana. O possível colapso do governo e ainda mais da unidade estatal é uma má notícia para os Estados Unidos que vê sua estratégia para combater o Estado Islâmico na Síria e no Iraque em perigo.

Claudia CinattiBuenos Aires | @ClaudiaCinatti

segunda-feira 9 de maio de 2016 | Edição do dia

Durante 24 horas alguns milhares de simpatizantes do clérigo chiita Moktada al-Sadr permaneceram na “zona verde”, a cidadela do poder historicamente inacessível para o iraquiano à pé. As forças de segurança não responderam, mostrando a debilidade do primeiro ministro Haider al-Abadi e o estado de conjunto frente ao poder das ruas e de um político que mais uma vez comprovou seu papel de líder populista.
Segundo New York Times as cenas teriam um “quê de revolução”. Muitos manifestantes mostravam felicidade, como se estivessem derrubando uma ditadura, inclusive encenavam a queda da estátua de Saddam Hussein. E com uma ordem de seu chefe, se retiraram com a promessa de voltar nos próximos dias, deixando às vistas do mundo a profunda crise do sistema política iraquiano herdado da ocupação norte-americana.
A descrição seria exagerada se esta ação dos seguidores de al Sadr não fossem a ponta do iceberg de um movimento de contestação que vem se desenvolvendo a meses pela falta de serviços públicos, cortes de eletricidade, desemprego e corrupção escancarada, com picos de manifestações antigovernamentais de mais de 200 000 pessoas nas últimas semanas.
No centro está a reivindicação de acabar com o sistema, que privilegia xiitas, de divisão dos gastos do poder estatal segundo linhas religiosas e étnicas idealizado pelos Estados Unidos para manter a unidade iraquiana, copiando o modelo estabelecido no Líbano com o fim da Guerra Civil. Uma crescente proporção de iraquianos veem com razão que este modelo não faz mais que aprofundar os enfrentamentos inter-religiosos entre xiitas e sunitas (e também com os curdos) que criaram as condições de surgimento do Estado Islâmico e possibilitaram que quase 30% do território – incluindo Mosul, a segunda cidade do país – fosse integrado ao califado do EI.
O primeiro ministro al-Abadi, um xiita com relações com Irã, mas mais próximo aos interesses norte-americanos que seu antecessor al Maliki, está sob uma dupla pressão: a do governo dos Estados Unidos, que exige recursos para combater o Estado Islâmico, e a de um movimento popular, transversal à divisão entre xiitas e sunitas, que exige emprego e condições de vida e está farto do clientelismo, no marco de uma crise econômica alimentada pela queda dos preços do petróleo e a guerra contra o EI, que têm esvaziado as reservas estatais. Na brecha entre a situação interna e a pressão externa se abriu caminho para Sadr, o clérigo xiita que se popularizou nas periferias de Bagdad resistindo à ocupação norte-americana em 2003-2004, mas que poucos anos depois protagonizou uma sangrenta guerra civil contra a minoria sunita e outras frações xiitas que o afastaram da cena política e levaram-no ao exílio voluntário no Irã.
Al Sadr foi como líder “sectário” e voltou com aspirações nacionalistas. Dissolveu suas milícias responsáveis por crimes e atrocidades contra sunitas, as substituiu por brigadas que se somaram no combate contra o Estado Islâmico. Nas manifestações que organiza só flamulam bandeira iraquianas no lugar dos retratos de personalidades xiitas, muitos deles assassinados durante o regime ditatorial de Saddam Hussein.
Ainda que sua linha é negociar com o governo de al-Abadi (e não derrubá-lo), a demanda democrática do fim do sistema confessional toca numa veia profunda, que vai além das suas aspirações políticas. Isto explica a massividade do movimento. Por outro lado, põe em perigo o instável quadro do poder no Iraque, que têm mantido até agora uma unidade artificial do estado, política dos Estados Unidos para alcançar uma precária estabilidade, em sua retirada em 2011.
A crise fez com que o vice-presidente norte-americano Joe Biden, viajasse ao país em 28 de abril para reafirmar a colaboração entre o governo e os líderes curdos na recuperação da cidade de Mosul, ainda sob controle do Estado Islâmico.
Entretanto, o EI que está em retrocesso, escalou seus ataques contrarrevolucionários contra os civis xiitas, deixando dezenas de vítimas em vários atentados suicidas.
A crise no Iraque se potencializa com o recrudescimento dos enfrentamentos na Síria, onde o regime de Assad com apoio da Rússia está perpetrando um novo massacre em Alepo que põe em questão a saída diplomática defendida pelo governo Obama.
A emergência de protestos populares no Iraque é um sintoma alentador no marco do período reacionário aberto pela derrota dos processos da primavera árabe.

Tradução: Alexandre "Costela"




Comentários

Deixar Comentário


Destacados del día

Últimas noticias