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PARAÍSO DA TUIUTI | Imagens incômodas ameaçam a ideologia dominante

Num quadro social explosivo, não existe espaço para paisagens inofensivas; não existe a possibilidade de um piquenique para olhos conformistas. No Brasil, as principais notícias envolvem o aumento da miséria: intervenção militar no Rio de Janeiro, venezuelanos refugiados, ódio contra as minorias e por aí vai. Mas em meio ao caos gerado pelo próprio Estado capitalista, uma aula de estética e história foi dada pela escola de samba Paraíso do Tuiuti: como vem sendo exibido e amplamente comentado, um desfile crítico na última segunda-feira (dia 12 de fevereiro) fez brotar as imagens dos oprimidos. Foi graças a uma brilhante sacada alegórica, que os escravos (do Período Colonial e Imperial) e os trabalhadores de hoje foram colocados juntos no "tempo do agora" (Benjamin).

terça-feira 20 de fevereiro de 2018 | Edição do dia

Um enredo contra a reforma trabalhista surge como um antídoto de avenida para questionar as medidas que beneficiam a classe dominante. Manifestações culturais como estas contribuem também para arrancar a máscara da produção ideológica que, quer no jornalismo burguês quer na indústria cultural, joga o tempo inteiro com histórias de mocinhos e bandidos. É precisamente esta força estética da alegoria que desautoriza a ideologia dominante. Esta última alimenta discursos superficiais em que "heróis a serviço da nação", "irão eliminar os bandidos", fazendo com que "as pessoas de bem possam dormir à noite". Já as imagens interessadas em captar o movimento dialético do mundo real, quebram o maniqueísmo ao revelar a razão histórica dos problemas sociais: o crime e a violência deitam raízes na exploração e na marginalização dos trabalhadores de ontem e de hoje.

Inúmeros são os episódios históricos em que o Estado brasileiro visa "estabelecer a ordem" para não tocar/não alterar os mecanismos econômicos e políticos que geram a miséria. E o pior é que existe um suporte cultural para a violência institucional; afinal de contas, é preciso salientar que a ideologia dominante estabelece estruturas de percepção que jogam com o horror, o sentimento cívico e as mais apelativas emoções para sustentar o poder político da burguesia. Mas para os artistas que olham atentamente para o seu tempo, é preciso representar sem fantasmagoria a realidade: assim o fez Euclides da Cunha em Os Sertões (1902), publicado pouco tempo depois em que o "Brasil oficial" esmagou o arraial de Canudos (1896-97). Assim o fez José Lins do Rego em romances como Pedra Bonita (1938), num período em que a ditadura varguista havia designado volantes para cortar as cabeças de cangaceiros.

Tanto o escravo de ontem quanto o operário de hoje, tanto o cangaceiro de ontem quanto o traficante de hoje, tanto o sertanejo nordestino de ontem quanto a população sem teto de hoje, são a matéria prima de um mural que os artistas e escritores mais avançados constroem para promover a denúncia social: quantas combinações estéticas/históricas podem ser feitas quando o tema é a dor de todo um povo! Quem lida com este material não produz nem a imagem "do pobrezinho" e nem a mera apologia do bandidismo (mera variação de um olhar maniqueísta da realidade). Para artistas combativos, para materialistas históricos que fazem uso de imagens e até mesmo para artistas que não são revolucionários (mas são sinceros quando olham para a realidade brasileira) não interessa nem os mocinhos e nem os bandidos. O que interessa são as imagens que revelam a necessidade de transformações políticas.




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