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CENÁRIOS | Idas e vindas da Lava Jato, do golpe e dos ajustes: a que cenários se preparar

O que a queda de Jucá mostra dos cenários colocados na política brasileira, e como em meio a eles pode emergir uma saída independente dos trabalhadores?

Leandro LanfrediRio de Janeiro | @leandrolanfrdi

terça-feira 24 de maio de 2016 | Edição do dia

A política brasileira parece um jogo maluco. Alguém dá as cartas, minuto seguinte as recolhe, redistribui, dita uma regra a um jogador, outra para outro. E, dia a dia, há uma surpresa. Para os trabalhadores as novidades e continuidades são de ajustes, ameaças sobre as aposentadorias, cortes e privatizações na saúde e educação, repressão aos jovens. Esta é a ordem que Temer quer instituir para realizar ataques mais profundos do que aqueles que Dilma já realizava. Porém, como revelaram áudios de seu braço direito Jucá, a ordem de seu golpismo é também de uma tentativa de tentar um pacto de impunidade.

Com a queda de Jucá que cenários se vislumbram e por onde por surgir uma saída independente por parte da classe trabalhadora?

Os atores nacionais da política palaciana pré e pós-golpe

Desde o final do ano passado alguns grandes atores nacionais se entrelaçam, mudam de alinhamentos, e tocam a política dos “de cima” no país em meio a diferentes jogos e barganhas com diferentes atores do imperialismo. Em seus jogos e combinações houveram numerosas conjunturas que aproximavam e afastavam o impeachment. Em resumo são eles: Lula, o “partido judiciário”, o “partido da grande mídia”, os diferentes caciques tucanos e os diferentes caciques do PMDB que capitaneam o “centrão” do país e os governadores.

Lula se oferecia como alternativa ajustadora diferente do que vinha sendo traçado por Dilma e a ele foi oferecido um ministério como salvação do governo, tanto para tentar usar suas habilidades para articular in extremis uma maioria parlamentar como para arregimentar apoio de setores do movimento de massas. O Supremo embarreirou o jogo de Lula, violando a Constituição e impedindo o ex-presidente, que sequer foi julgado de assumir o ministério.

O “partido judiciário” atuou primeiro dando corda infinita a Sérgio Moro, um juiz de primeira instância para promover uma ação sem precedentes. Janot, Procurador Geral da República, até revelar-se à luz do dia como golpista nos ritos finais do impeachment junto ao Supremo lhe dava plenos poderes atuando nas sombras. Arroubos mais autoritários e arbitrários (condução coercitiva de Lula, gravações de Dilma) do juiz treinado pelo Departamento de Estado ianque levaram a conter o “carrasco” de Curitiba. Em todo o processo o STF atuou avalizando o golpe e buscando trazer mais e mais poderes arbitrários para si. Rasgou e interpretou a Constituição a seu bel-prazer, fosse contra Lula, Dilma, o PT, ou até mesmo Cunha a regra do Supremo foi sua arbitrariedade. Manteve (e mantém, mesmo que em hibernação) sua possibilidade de cassar Temer via TSE, presidido pelo arqui-golpista Gilmar Mendes para que ele, o judiciário, arbitre em como constituir um novo governo ajustador e mais forte. A tropa de choque deste partido com seu herói Moro foram as classes médias acomodadas com suas camisas da hiper-corrupta CBF a tomar as ruas da Paulista (e outras país a fora).

O “partido da mídia” desferiu ataque em regra contra o governo Dilma visando lhe retirar para promover novo governo mais ajustador, sua arma principal foi a Lava Jato e suas revelações a conta-gotas, garantidas por espúrias relações com o “partido judiciário”. Novo exemplo desta parceria em arbitrariedade é a revelação dois meses depois de áudio escandaloso de Jucá, áudio este que se tivesse sido revelado antes poderia ter enrolado o meio-de-campo do golpe. A Folha de São Paulo até recentemente divergia de seus parceiros buscando eleições antecipadas, mas todo o “partido” uniu-se no pós-golpe por ajustes já. Todos aplaudem em uníssono a repressão, sem mandato judicial, que Alexandre de Moraes instituiu e já foi aplicada em São Paulo e no Rio.

O PSDB antes dividido em sua disputa por poder futuro unificou-se pelo golpe via impeachment. Posição que tanto Alckmin quanto Aécio hesitaram em aceitar. Reina agora uma trégua com cada cacique nomeando um ministro (Moraes para Alckmin, Bruno Araújo para Aécio, e com o acordo de Temer, Serra foi deixado em um ministério importante mas de não tão fácil uso eleitoral – Relações e Comércio Exterior).

Por fim, restam os caciques múltiplos do partido que corporifica o fisiologismo pátrio. Seus alinhamentos e realinhamentos obedecem a jogos de interesses pessoais que poucas vezes vêm a superfície. Os Picciani zigue-zagueam, tal como Cunha, e assim vai.

Desferido o golpe, houve um realinhamento de todas estas forças, com exceção de Lula detrás de uma frente golpista que tinha objetivos estratégicos comuns (ajustes), mas objetivos políticos muito díspares de olho nas eleições de 2016 e 2018 e suas próprias pretensões pessoais e de grupo. Esta frente segue de pé, porém o vazamento das conversas de Machado com Jucá e as ameaças que pairam que também existiriam gravações com Renan e Sarney mostram jogos mais complexos do “partido judiciário” e do “partido da mídia” e suas relações com os outros atores bem como com o imperialismo.

Os cenários de Temer no reembaralhar das cartas

Temer foi colocado no poder para realizar ajustes mais duros. Toda mídia imperialista tomou uma postura crítica frente ao impeachment, mas também sem opor-se abertamente, buscando manter uma porta aberta a um cenário de novas eleições caso Temer falhe em sua promessa, e enquanto isso busca lucrar com os ajustes que forem sendo aprovados pelo mesmo. Semana passada os EUA e Alemanha deram sinais de reconhecimento do governo golpista, juntando-se a Argentina do neoliberal Macri que aplaudiu Temer desde o primeiro minuto.

Pressionado por cima, Temer deve tomar estas medidas. Cauteloso com as repercussões eleitorais das mesmas deve conter-se. Na medição do terreno, adota uma linha-dura e, via Alexandre de Moraes, implementa uma reescrita das leis, permitindo reintegrações de posse sem mandato e ameaças a todos movimentos sociais. Pode Temer estabilizar-se? A economia mundial pode dar-lhe algum refresco, e com a ajuda da Força Sindical que já se move para avalizar a reforma da previdência e com a inação da CUT ter um governo ajustador porém estável, com um nível de luta de classes relativamente contido?

Este acordo inclui a Lava Jato e o “partido judiciário”? Ou este pode seguir seu trabalho de gerar confusão no cenário político, cassando mandatos (sem prerrogativa constitucional para tal, como fizeram como corrupto Cunha), gerando vazamentos seletivos para o “partido da mídia”, colocando em xeque o “centrão” político do país e blindando os tucanos paulistas para lhes aplainar os caminhos ao poder? Uma operação como esta envolve, as vezes, limpar trilhas golpistas e acertar um ou outro nome extra-PT, como Cunha, e porque não, se necessário for Aécio, mas, pergunta das perguntas, levará a prender Lula e quais as impensáveis consequências na luta de classes de tal ação?

Em um cenário um pouco mais calmo do arbítrio judicial, sem a prisão de Lula, se abriria “por cima” novos caminhos para ter um governo com maior legitimidade que o de Temer (avalizado pelas urnas) para este giro neoliberal, mas nele residiria o risco de Lula eleger-se, para isto novas operações, no mínimo de sangria devem ocorrer. Neste cenário com ação do judiciário e críticas do imperialismo a frente golpista se esfarelaria e teríamos novas eleições, presidenciais, ou gerais, para garantir, como pedem The Economist e consortes, legitimidade para atacar.

Em um terceiro cenário, os trabalhadores conseguem aproveitar estas “brechas” de cima, e com sua ação contra os golpistas e os ajustes deixam sua marca no cenário político, levando a novas soluções políticas e colocam freios aos ajustes. De todos cenários só este terceiro oferece oportunidades favoráveis aos trabalhadores.

Não faltam motivos, o que nos trava para um cenário favorável aos trabalhadores?

O golpe não foi combatido pelas principais direções do movimento de massas. CUT, CTB, UNE, MST ofereceram showmícios e um fiasco de dia de paralisação nacional. Setores da classe trabalhadora encontram-se hesitantes em como atuar frente à direita graças a esta inação.

Suas forças não encontram-se derrotadas, mas estão paralisadas. A Argentina, que vem de uma experiência da luta de classes mais intensa que a nossa, com suas jornadas revolucionárias em 2001, oferece um reflexo mais quente mas que guarda semelhanças com o Brasil. Macri enfrenta-se com uma viva oposição da juventude e dos trabalhadores estatais, e até mesmo o parlamento teve que aprovar uma lei que impede demissões. Ele vetou a mesma, e a burocracia sindical não convocou, até o momento, nenhuma ação contra este veto. Com limites, mostra-se um reconhecimento da correlação de forças em que não há derrota, ainda.

Os ataques anunciados por Temer e demandados por toda burguesia forçarão alguma ação dos trabalhadores. Antes disso a juventude já desenvolve uma onda de ocupações de escolas no país, do Rio Grande do Sul ao Ceará. Estas lutas se combinam com ocupações de universidades na Unipampa no extremo-sul, e nas prestigiosas Unicamp e USP, onde também se cruzam com importante greve dos trabalhadores da universidade, como é o caso desta última que tem a sua frente um dos sindicatos mais combativos do país (SINTUSP).

Em diversos estados há lutas do funcionalismo contra os ajustes. Dos professores do Rio a diversas categorias municipais e estaduais. Lutas estas que seguem isoladas e em um mercado estritamente econômico, de sua luta específica contra tal aspecto do ajuste local.

Nos setores de classe média uma viva oposição ao golpe se mostrou. Artistas globais, alternativos e anônimos declararam-se contra a extinção do MinC, promoveram shows e até ocupações.

Em outro flanco, que combina-se em pontos com os anteriores, diversas capitais são palco de atos contra Temer. Os maiores foram no Rio Grande do Sul onde a onda de ocupações mostrou-se mais ampla e espetacularmente rápida, porém os dois fenômenos ainda não “casaram”.

Graças ao trabalho da CUT, CTB, UNE, as lutas contra Temer mostram-se pouco efetivas e isoladas das lutas da juventude e contra o ajuste, sequer se pronunciam energicamente contra a repressão, e por outro lado a luta da juventude contra os ajustes não emerge como uma luta política para trazer abaixo o governo golpista.

Esta separação do plano sindical ou econômico do plano político é funcional a um desgaste de Temer, porém também a sua continuidade (ou queda pela ação de “cima” e não “de baixo”), oferecendo o PT e Lula como alternativas não da luta de classes mas de estabilização do país. A CUT trabalha para isso e não para enfrentar o golpista Temer e ajustes. Derrotar Temer e seus ajustes, sua repressão, derrotar todos governos ajustadores, derrotar as patronais demitindo a torto e direito, exige superar esta separação. Apoiar, coordenar as lutas e erguer nelas um sujeito social e político contra as alternativas ajustadoras e conciliadoras como a que oferece o próprio PT.

Já estamos tendo uma Constituinte, pela direita e oculta, é necessário lutar para impor pela luta uma Constituinte

A CLT está em debate com Temer. As aposentadorias também. Com Dilma também estavam, mas cresce a pressão e vontade de ataque. As estatais estão sendo oferecidas em uma verdadeira Black Friday. O Supremo arbitra, reinventa leis, joga fora a Constituição como e quando bem entende. O parlamento reduz a maioridade penal. Quer retirar do executivo a prerrogativa de demarcar terras. Estão fazendo uma nova Constituição ao sabor das bancadas do boi, da bala, e da bíblia, e claro, do amo do norte. E ninguém é nem convocado a opinar. Decidem entre eles, na surdina.

Até mesmo as reintegrações de posse, o direito à manifestação, querem atacar, com a repressão de menores de idade que acontece como querem, quando querem e sem nenhuma “instituição” a lhes oferecer nenhum questionamento de um mero parecer de uma procuradoria estadual.

Frente a este giro que já estão fazendo nas leis do país, endurecendo uma Constituição de 1988 que já foi tutelada e controlada pelos militares (que chega ao extremo de permitir às Forças Armadas, constitucionalmente, intervirem no país, darem um “golpe militar constitucional”, como reza o artigo 142) é preciso que a classe trabalhadora e a juventude respondam.

Ter novas eleições, sob as regras e mando de Gilmar Mendes (presidente do TSE) não oferecerá nenhuma resposta favorável aos trabalhadores. Pelo contrário servirá unicamente para oferecer um manto democrático a um novo ajustador em eleições relâmpago com a Globo fazendo campanha e novas regras eleitorais que restringem até mesmo o PSOL de participar de debates televisivos.

É preciso superar os limites impostos pela CUT, CTB, UNE e erguer a voz dos trabalhadores e da juventude. Marcar o terreno para trazer abaixo o governo golpista de Temer e com a força desta luta impor uma Constituinte que todos trabalhadores opinem livremente sobre os rumos do país, permitindo não deixar pedra sob pedra de um regime carcomido pela corrupção e que oferece as novas gerações a certeza que labutarão anos a mais que seus país, espremendo-se em transporte precário, comendo o pão que o diabo amassa em trabalhos cada vez mais precários, rotativos, pessimamente remunerados.

Este regime que oferece desemprego, saúde e educação precárias, juízes que se creem deuses, polícias assassinas e impunes, pode ser superado na luta por uma constituinte que instituísse o não pagamento da dívida para garantir recursos à saúde, educação e aposentadorias, que impusesse a eleição e revogabilidade de todos cargos políticos dos juízes a parlamentares, que acabasse com todos privilégios, dos foros privilegiados aos salários milionários fazendo todos receberem como uma professora. Que oferece a mais “generosa” das democracias para que a maioria da classe trabalhadora possa passar a concordar com o que ainda não concorda. Não há pacto possível com o imperialismo e com uma elite herdeira da Casa Grande, do Estado Novo e de 1964, mesmo a mais generosa das democracias será sabotada por uma elite reacionária e sempre golpista quando seus mecanismos de contenção e conciliação falham, é necessário avançar a um governo dos trabalhadores que rompa com o imperialismo e o capitalismo.




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