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DOSSIÊ 13 DE MAIO: ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO | Há 132 anos a burguesia tenta, mas não apaga a força negra na classe trabalhadora brasileira

a abolição da escravidão não ocorreu pela vontade dos senhores, mas pela força da rebeldia e da organização dos negros e negras escravizados. Depois de irrompida, pelo medo da “haitização” do Brasil, a dualidade senhor-escravo, como foi possível manter a dominação de uma frágil elite sobre uma massa de negros livres?

quarta-feira 13 de maio de 2020 | Edição do dia

Como insistimos aqui e aqui, e quantas vezes mais forem necessárias, a abolição da escravidão não ocorreu pela vontade dos senhores, mas pela força da rebeldia e da organização dos negros e negras escravizados. Depois de irrompida, pelo medo da “haitização” do Brasil, a dualidade senhor-escravo, como foi possível manter a dominação de uma frágil elite sobre uma massa de negros livres?

Qual passaria a ser o “lugar” dos negros na sociedade? Após a abolição da escravidão , pautada pelo trabalho livre e pela chegada da indústria, essa era uma grande questão para a elite brasileira. E essa preocupação se materializou em que mesmo em liberdade, negras e negros não podiam gozar dos mesmos espaços e direitos que os brancos, “estavam sujeitos a numerosas restrições legais ou simplesmente impregnadas nos costumes de uma sociedade dominada por uma diminuta elite branca”, como assinalou Célia Maria Marinho de Azevedo em seu livro Onda negra, medo Branco

Para manter essa dominação era central tentar apagar a força da luta dos negros na construção da nova sociedade do trabalho livre assalariado. Portanto, nos novos centros urbanos que se desenvolviam foi relegado aos negros um papel marginal, seja na própria estrutura urbana, seja retirando os negros dos papéis mais centrais da classe trabalhadora brasileira em desenvolvimento, relegando os piores postos de trabalho e se apoiando na ideologia do branqueamento para garantir trabalho branco nos postos mais estratégicos, evitando seguir com a economia concentrada no trabalho negro. É essa ideologia do branqueamento que marca por exemplo o quadro “A Redenção de Cam” de Modesto Brocos em 1895, poucos anos depois do fim da abolição, uma ideia de que pelas transformações das gerações é possível branquear a população; expressão do enorme medo que as elites brancas brasileiras sentiam da força e da luta das massas negras, que nunca se paralisaram contra a opressão escravocrata, organizando todos os tipos de revoltas, das mais organizadas dos quilombos até os envenenamentos e o suicídio (o banzo).

Com o fim da abolição também se iniciou a imigração de um contingente importante de europeus também com objetivo de branquear a força de trabalho brasileira. O censo de 1893 da Cidade de São Paulo mostrou que 72% dos empregados do comércio, 79% dos trabalhadores das fábricas, 81% dos trabalhadores do setor de transportes e 86% dos artesãos eram estrangeiros. De acordo com os dados disponíveis, no começo do século 20, 92% dos trabalhadores industriais na cidade de São Paulo eram estrangeiros, sobretudo de origem italiana. No Rio de Janeiro, a participação de estrangeiros na indústria chegava a quase metade da mão de obra ocupada.

Alguns momentos decisivos da história da luta de classes brasileira marcam a força da luta negra, uma delas é a própria Revolta da Chibata em 1910, onde marinheiros negros mostraram uma enorme força enfrentando os castigos a que eram submetidos, depois a greve geral de 1917, a primeira greve geral dos trabalhadores brasileiros também foi marcada pela força negra. Campinas, a última cidade a abolir a escravidão no Brasil e que teve na greve a marca da organização dos trabalhadores ferroviários que tinha peso importante de trabalhadores negros, com sua principal figura sendo Armando Gomes, trabalhador que também era parte da Liga Humanitária dos Homens de Cor, e que foi assassinado num duro enfrentamento com a polícia em que os trabalhadores tentavam impedir a passagem de trens.

Foto da diretoria da Liga Humanitária dos Homens de Cor, 1915, Campinas.

Outro exemplo, agora já na segunda metade do século XX é a Revolta dos Marinheiros negros em 1964 que colocou em perigo os planos do golpe militar e mesmo durante a ditadura militar foi possível ver um forte movimento operário, sobretudo a partir de 1978, que não só tinha expressão negra no seu interior mas que chega a influenciar a existência da formação do movimento negro com o Movimento Negro Unificado (MNU). Nesse momento fica explicita uma contradição que marca nossa época: aseparação das demandas dos trabalhadores nos sindicatos com as demandas dos negros nos movimentos. A burguesia se esforça de todas as maneiras para efetuar essa separação, que nas décadas recentes após 1970, tem se aprofundado. Assim, a separação torna-se potencialmente mais aguda entre trabalhadores negros e brancos graças a ofensiva neoliberal da terceirização, flexibilização do trabalho e também da ausência de organização que pudesse unificar as demandas.

Um dos principais atores recentes dessa separação foram os governos do PT, com por exemplo a triplicação da terceirização do trabalho, contribuindo para separação das fileiras operárias e portanto para também a separação entre trabalhadores brancos e trabalhadores negros e que o próprio golpe de Temer de 2016 e a ascensão de Bolsonaro elevaram a outro patamar com seu conjunto de reformas e ataques que colocaram mais desemprego e flexibilização dos direitos aos trabalhadores e atingiram com ainda mais força os negros.

Mas se é certo que são os negros que estão nos piores locais de trabalho, também é certo que do país mais negro fora da África é impossível tirar completamente os negros dos locais mais estratégicos da classe operária. Um exemplo é que em 2017, havia mais metalúrgicos negros do que não negros na maioria das regiões do país, exceto no Sudeste e no Sul. No Norte, 80,9% eram negros e no Nordeste, 61,9%. No Amazonas, os negros representavam 83,9% do total da categoria metalúrgica. No Sul, 10,2% dos trabalhadores do segmento eram negros e no Sudeste, 29,2%. No estado de São Paulo, os metalúrgicos negros representavam 22,8%; enquanto nas outras unidades da Federação da mesma região, eles correspondiam a 41,5% dos trabalhadores do segmento. Isso para pegar um exemplo de apenas uma categoria tradicional da classe operária brasileira, protagonista de grandes processos de luta.

Mas se pensarmos que hoje boa parte da classe trabalhadora brasileira se encontra nos serviços (50% da população ocupada) realizando atividades em call centers, telemarketing, e que também uma parte importante está na informalidade (mais de 39 milhões de pessoas), aí também podemos encontrar um enorme contingente negro, ainda mais se olharmos especificamente para o trabalho de plataformas, como Rappi, Ifood, Uber, que expressam uma nova morfologia do trabalho brasileiro, mais precário, digital e com uma profunda expropriação da vida, com 70% dos ciclistas entregadores sendo negros. São esses também os trabalhadores que tem potencial mais explosivo nos processos de luta, como vimos nesse segundo ciclo da luta de classes na América Latina, e são justamente deles que Bolsonaro teme com os ritmos da crise do coronavírus e por isso tenta fazer demagogia se dizendo preocupado com os empregos.

A COVID-19 grita a força dos negros na classe operária brasileira

A enorme crise da Covid-19, que atinge em cheio a população negra e são os que mais morrem pela contaminação do vírus, também nos coloca a reflexão de pelas mãos de quem é possível encontrar uma resposta para essa crise em que se escolhe quem morre e quem vive e se combina a uma crise econômica e política sem precedentes.

Aqui podemos dizer que mais uma vez a força negra que marca a classe operária brasileira se expressa, se olharmos para os trabalhadores que hoje estão “na linha de frente”, como a limpeza urbana, a limpeza em geral, os transportes e em especial os trabalhadores da saúde, vamos encontrar uma forte expressão de negros e mulheres no Brasil, em especial entre os mais precários e com mais baixos salários, que tem sido os trabalhadores, heróis e heroínas, vítimas da doença.

A limpeza urbana brasileira é fortemente composta pela população negra, no Rio de Janeiro esse número chega a quase 70% dos trabalhadores. Além disso, na enfermagem, que são hoje a linha de frente da crise arriscando suas próprias vidas, os negros chegam a 53% dos trabalhadores e as mulheres a 84,6%. Portanto, a linha de frente o enfrentamento da Covid-19 no Brasil é de mulheres e de negras.

Isso coloca para as direções do movimento de trabalhadores no Brasil, que historicamente vieram também separando as demandas do povo negro com os trabalhadores, a urgência de unificar essas demandas, defendendo por exemplo o fim da terceirização e a efetivação dos trabalhadores sem a necessidade de concurso, a igualdade salarial de negros e brancos num país onde as mulheres negras recebem 60% a menos que os homens brancos e também a defesa de condições adequadas a que o conjunto da população negra possa responder a crise do coronavírus, com saneamento básico, epís, alimentação adequada, moradia adequada e salário suficiente para sobreviver, além de todo um programa que faça com que os trabalhadores respondam essa crise, com centralização do sistema de saúde controlado justamente por esses trabalhadores que são mulheres negras e que mostram todos os dias que podem enfrentar o coronavírus.

A burguesia busca, com todas as forças, condenar os negros ao futuro na informalidade do trabalho. Ao mesmo tempo tenta apagar com a ideologia do branqueamento, depois a da democracia racial que tentava minimizar a brutal exploração negra, agora com Bolsonaro promove um verdadeiro choque nessas relações relegando aos negros por um lado uma precarização da vida a níveis absurdos e a morte pela covid-19, por outro, quer retirar do imaginário do país os símbolos dos negros. Por isso, odeiam nossa cultura, nossa luta e tudo que simboliza que foram os negros que construíram esse país.

Mas se essa força decisiva para abolir a escravidão veio se expressando por tantos anos nos processos da luta de classes brasileira, 132 anos depois, nós seguimos dizendo que também ela vai chacoalhar essa burguesia racista que hoje treme de medo que o irromper da luta dos trabalhadore seja a única resposta para essa crise sem precedentes. Nessa luta temos a certeza que mais uma vez se expressará a força decisiva dos negros no interior da classe trabalhadora brasileira.




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