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CINEMA | Guerra Civil da Marvel: de que lado você está?

Famoso arco de histórias em quadrinhos será adaptado ao cinema, mas a análise da história e de suas polêmicas opiniões vai além do cinema e dos quadrinhos, passando por política e filosofia.

terça-feira 26 de abril de 2016 | Edição do dia

Nesta quinta-feira, 28 de abril, estreia no Brasil o filme “Capitão América: Guerra Civil”. A trama do filme dará continuidade ao universo cinematográfico construído pela Marvel Studios até agora, e irá aproveitar um dos mais aclamados arcos da editora nos últimos tempos, “Guerra Civil”, para basear esse novo capítulo. A história da HQ é complexa, polêmica e extremamente política e atual. Por isso vale a análise aqui.

O arco “Guerra Civil” foi lançado nos EUA em 2006. A trama gira em torno da Lei de Registro de Super-Heróis. Explicando de forma resumida: um grupo de jovens super-poderosos participa de um reality show, mas a audiência do programa está caindo em virtude da pouca ou inexpressiva ação protagonizada pelo grupo. Então eles decidem encarar um grupo de vilões mais poderosos, talvez até mais poderosos do que eles poderiam enfrentar. Como consequência da atitude irresponsável e precipitada, uma explosão ocorre, perto de uma escola, matando mais de 600 crianças. A opinião pública, que naquele momento já não era muito favorável aos super-heróis, acaba ficando contrária de vez. O governo então decide criar a Lei de Registro. Segundo ela, todas as pessoas detentoras de super poderes ou equipamentos que a tornassem super-poderosas deveriam se registrar perante o governo dos EUA. A identidade deles permaneceria protegida e em sigilo, e todos agora receberiam treinamento, orientações e seriam controlados. Um grupo de heróis, liderado pelo Homem de Ferro, apoia a decisão. Por outro lado, outro grupo liderado pelo Capitão América fica contra a lei. Começa assim a maior batalha entre heróis da Marvel.

Liberdade vs. Controle

Não digo aqui o que acontece na continuação da história nem como ela termina. Primeiro porque é uma excelente história e quero incentivar os leitores para que a procurem. Segundo porque não interessa nessa análise. Aqui gostaria de pontuar as motivações dos dois grupos e instigar a discussão e o pensamento do leitor.

O grupo de super-heróis que fica contra a Lei de Registro não concorda com a decisão por não querer ser controlada por um governo. Não foram poucas as vezes nos quadrinhos em que interesses políticos tentaram influenciar e controlar os heróis por interesses próprios. Como argumento, dizem que a medida ataca a liberdade dos paladinos, que sempre atuaram em favor da população, não em favor de governos. Também pesa a favor deles o fato de muitos heróis não se sentirem à vontade em revelar sua identidade secreta. Tal atitude acabaria por expor não só a eles, como também seus familiares e pessoas próximas. E aqui mais uma vez é mostrado como esse grupo de heróis não se sente confortável com o controle do governo, pois mesmo com a garantia que a identidade revelada seria mantida em sigilo, ainda não existia confiança.

Por outro lado, o grupo a favor da Lei de Registro pensa que essa é a melhor forma de proteger as pessoas. A população não se sentia mais em segurança com os super-heróis. Apesar de já terem sido salvos várias vezes por eles, não eram poucas as reclamações de atitudes impensadas, de danos colaterais de batalhas e mesmo de custos que a destruição causada pelas brigas acarretavam ao contribuinte. Os defensores do registro também defendiam que com esse controle e treinamento, jovens poderosos agora poderiam agir com mais cuidado e proteção, tanto para eles como para as pessoas em volta. E também seriam responsabilizados da forma adequada pelas suas ações. De forma pragmática, o Homem de Ferro ainda argumenta que a Lei de Registro é algo inevitável e que será melhor se ela for colocada em prática com a participação dos próprios heróis, ao invés de ser feito à revelia deles.

De que lado você está?

Até hoje os leitores se dividem em suas opiniões. Grande parte fica do lado do Capitão América, muito por causa da conclusão do arco nos quadrinhos e suas conseqüências posteriores. Mas ainda há aqueles que ficam do lado do Homem de Ferro, pensando que apesar dos erros cometidos pelo personagem as motivações eram válidas. A discussão vai longe, e se torna muito boa quando colocada em perspectiva com tempos atuais e/ou imaginando-se no universo em que a “Guerra Civil” aconteceu.

Tendemos a ficar do lado do Capitão América e contra o registro quando vemos como os heróis e seus familiares sofrem nas mãos de vilões. Para colocar em condições reais, imaginemos a vida de policiais que precisam muitas vezes esconder suas identidades quando estão sem farda, por medo de serem identificados e assassinados por bandidos. Ainda pensando em policiais, pensemos como muitos deles se sentem ao ter que atuar em greves ou manifestações, quando eles mesmos são favoráveis ao que se protesta. Ou mesmo quando vêem algo de errado e querem atuar. No entanto são funcionários a serviço de um governo e, portanto, precisam agir de acordo com ordens. Ainda no exemplo da polícia, vamos nos lembrar que essa corporação é muitas vezes corrupta e criminosa também. Mesmo com autoridade e treinamento, policiais usam a farda e o distintivo para matar, torturar e agir a seu bel-prazer. Ou seja, dar autoridade e treinamento a esse grupo não garantiu nenhuma segurança à população. Pelo contrário, deu armas para mal intencionados agirem sob supervisão governamental.

Mas o lado do Homem de Ferro não deixa de estar certo. Se uma pessoa desconhecida pega uma arma e decide sair nas ruas praticando a justiça, ela está certa? Se impedir crimes e salvar pessoas, pensamos que sim. Mas e se suas atitudes machucarem alguém? E se durante uma briga, ao impedir um assaltante de roubar um carro por exemplo, esse desconhecido acabar sem querem ferindo ou até matando um inocente, o que acontece? Quem o fará sofrer as conseqüências de seus atos? Vigilantes e justiceiros são aceitos apenas enquanto atuam longe dos olhos. Quando suas ações e o perigo de suas consequências chega a você ou a alguém querido, o pensamento tende a mudar.

Porém é muito fácil entender heróis que não confiam no governo para os proteger ou controlar. Imagine hoje em dia. Você confiaria que um grupo de pessoas super-poderosas seria bem treinado e orientado pelos seus governantes? Não importa de qual região do país você responda, tenho certeza de que a grande maioria não confiaria nem um pouco.

Mesmo assim, quem então deveria controlar essas pessoas super-poderosas? Se não for o governo, quem seria? Instituições particulares, focadas em lucros e propagandas? Grupos religiosos, seguindo doutrinas nem sempre compartilhadas pela maioria da população? Ou deixaríamos essas pessoas com poderes, verdadeiras armas vivas, livres para operar da forma como quisessem?

Como se pode ver, a discussão não é fácil. Ambos os lados estão certos, de alguma forma. Mas percebe-se que a trama dos quadrinhos é bastante atual e serve como paralelo para questões cotidianas de todos nós. Ainda não se sabe o quanto que “Capitão América: Guerra Civil” irá levar dos quadrinhos para o cinema. Mas desde já é possível ler e pensar muito a respeito antes de responder a pergunta, que não é nem um pouco simples: de que lado você está?


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