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GRÉCIA | Grécia: resposta a um leitor, sobre a saída do euro

Um questão de crítica à economia política. A devolução como estratégia e a inflação. Atacar o lucro do capital.

Paula BachBuenos Aires

quinta-feira 20 de agosto de 2015 | 01:36

Escrevi há pouco tempo um artigo polêmico com o economista grego Costas Lapavitsas, componente da Plataforma de Esquerda do Syriza, promotor de uma clássica política da desvalorização como alternativa à submissão de Tsiparas aos ditamos da ex Troika, atualmente denomida “quadriga”1. Um leito me sinaliza que frente a uma eventual saída do euro seria inevitável utilizar outra moeda (do tipo que for) a qual, forçosamente, se desvalorizaria. Me indica, por outro lado, se caso não se saísse do euro mas se aplicassem as políticas colocadas, não haveria liquidez suficiente para o normal funcionamento da economia capitalista grega herdada, questão que do mesmo modo, exigiria a introdução de algum tipo de moeda. Portanto, me pergunta: como seria em termos práticos, uma saída do euro sem desvalorização?

Destino a coluna de hoje ao desenvolvimento de alguns elementos de resposta.

Em primeiro lugar, é necessário ressalta uma vez mais que não se trata de um problema técnico-econômico e sim de um roblema de economia política, e dito de melhor maneira, não apenas de um problema de economia política e sem de crítica da economia política, que não é exclusivamente crítica, mas prática revolucionária. Ou seja, se trata de um problema de classe. Este pressuporto permite pensar a questão a partir de uma ótica ou de um lugar integralmente diferente.

Pensemos da seguinte maneira. Dizíamos na mencionada polêmica, que Lapavitsas sinaliza a questão da perda do poder aquisitivo dos trabalhadores e do povo pobre após a desvalorização, como um “mal menor” quando na verdade se trata do objeto fundamental deste tipo de opção burguesa. A finalidade explícita de Lapavitas é a desvalorização cuja essência consiste em incrementar a competitividade da economia mediante o barateamento dos salários. Mas então a crítica principal recai na desvalorização pensada como estratégia e portanto, inverto a consulta do leitor e pergunto: é possível frente a uma eventual desvalorização produzida como consequência da necessidade “técnica” – aqui sim – se incorporar uma nova moeda o quase-moeda, evitar uma depreciação dos salários? Vejamos.

A perda salaria que se produz classicamente após as desvalorizações está intimamente associada à inflação. E a inflação que sucede de uma desvalorização se gera fundamental porque o aumento automático dos preços dos produtos importados deixa margem de lucro tanto aos importadores – que os comercializam como produtos finais – como aos capitalistas que os utilizam de imediato seja como insumos ou como bens de capital. De modo que o sentido da inflação que se produz no caso específico que estamos tratando – a da pós desvalorização – consiste em recuperar a margem de lucro perdida com o aumento dos preços dos produtos de consumo final, os insumos ou bens de capital, importados. Política que permite por sua vez, aumentar essa margem de lucro mediante a redução associada dos salários. Ou seja, a inflação responde à necessidade de sustentar e aumentar a margem de lucro. Mas é inevitável que uma eventual desvalorização associada a algum tipo de moeda de fosse “tecnicamente” necessário introduzir, gere inflação?

Consideramos que não. E este é o aspecto central que diferencia a política tipicamente burguesa que coloca a Plataforma de Esquerda do Syriza e a que estamos propondo aqui. Essa é a oposição que separa a desvalorização como eventualidade, da desvalorização como estratégia. Mas como se poderia – a princípio – evitar um aumento dos preços internos? Acreditamos que a custo da margem de lucro dos donos do capital. Aqui é onde imediatamente se manifesta o caráter político e não técnico do assunto e onde, tanto a necessidade de uma série de medidas (um programa) quanto a participação ativa dos trabalhadores e do povo pode (sua “mobilização”) no rumo e funcionamento cotidiano da economia, tornam-se peças essenciais. Vejamos.

A princípio se trataria de manter tanto os preços finais dos bens importados de consumo final como aqueles dos produtos que contém insumos ou componentes importados. Questão que – ao menos em grande parte – poderia se resolver atacando a margem de lucro dos preços finais das distintas categorias de bens. Ainda que os preõs dos produtos importados aumentem instantaneamente após uma desvalorização não buscada, os preços finais dos bens não tem por que aumentar. O aumento do preço final dos produtos importados está associado necessariamente a cobrir a margem de lucro que o importaor perde com a desvalorização e o aumento do preço dos profutos que incluem insumos, componentes ou bens de capital importados, eles tem por fim que sustentar a margem de lucro do capitalista que os produz. Mas se essa margem de lucro se reduz ou inclusive se anula, os preços pode se manter constantes – ao menos em grande parte -, ainda em decorrência do encarecimento dos produtor importados.

Claro que para isso deveriam se conformar organismos de trabalhadores e consumidores que com a participação de técnicos e especialistas – que conscientemente contribuam para essa tarefa – onde avaliarão por exemplos os artigos cujos preços aumentaram mais para o país e os que aumentaram menos e assim como os que melhoraram sua posição no exterior. Nada impede – salvo o interesse dos donos do capital – que os lucros e perdas contábeis possam sem compensados entre os distintos produtos mantendo os preços finais e inclusive recompondo eventualmente aqueles correspondentes ao consumo suntuário e barateando os de primeira necessidade. Uma avaliação restrita, consciente e centralizada com ampla ação de organismos de democracia popular poderia calcular “custos” e “lucros” e fazer com que se distribuam entre os distintos produtos. De tal modo que, por exemplo, os produtos de exportação que geram automaticamente lucros extras, em lugar de retribuir a grandes produtores, possibilitarão sustentar os preços de outros produtos que se veriam negativamente afetados pela desvalorização.

A nacionalização da distribuição, sob controle e ação direta de trabalhadores e setores populares, permitiria por sua vez, centralizar os recursos da economia favorecendo amplamente uma planificação, entre outras coisas, dos preços. Além disso permitiria eliminar todo tipo de pagamentos aos banqueiros no que diz respeito a comissões, juros e obviamente deveria suspender todo tipo de pagamento da dívida externa. Uma distribuição nacional deste tipo garantiria um serviço barato de contabilização central que contribuiria para economizar recursos incomensuráveis. Uma distribuição central nacionalizada junto a organismo operário e populares de controle, estabeleceria um direcionamento restrito da rota do dinheiro, evitando todo tipo de especulações resultantes da eventual nova moeda.

Por sua vez, seria indispensável o controle centralizado do comércio exterior que deveria estabelecer a entrada e a saída de produtos segundo as necessidades específicas da população e não segundo os interesses e os lucros dos distintos grupos de capitalistas e banqueiros. O controle do comércio exterior sob supervisão de amplos setores de massas aliados e com a ajuda de técnicos, profissionais e especialistas, contribuiria qualitativamente para o controle e avaliação do movimento dos preços.

A garantia de um governo realmente barato que elimine enormes custos burocráticos e administrativos além de garantir que os salários dos funcionários não superem o de um operário médio, tal como o fez a Comuna de Paris, representaria outra fonte incalculável de recursos. Esses recursos poderiam inclusive estar a serviço de evitar os aumentos de preços para a população.

Os recursos desmedidos economizados mediante a nacionalização da circulação, o controle do comércio exterior, o pagamento da dívida e o estabelecimento de um governo barato, poderiam ser destinados ao estabelecimento de salário que equiparem um salário mínimo que esteja à altura das necessidades sociais. Mas enquanto o juros de pequenos produtores ou comerciantes – que não exploram mão de obra – se veria inclusive favorecido por um sistema de créditos baratos possibilitado por uma circulação estatal única e centralizada e eventualmente por subsídios extraídos dos recursos economizados com as medidas já colocadas, obviamente nada disso seria conveniente aos donos do grande capital. Os grandes capitalistas perderiam interesse em produzir e realizariam sem hesitação, todo tipo de atos de sabotagem incluindo fechamentos de empresas e tentativas de fuga de capitais fora do país. Frente a situações detes tipo seria necessário avançar sobre a grande propriedade capitalista.

Invariavelmente, políticas deste tipo dividiriam a sociedade entre uma maioria e uma pequena minoria de grande proprietários do capital, que não casualmente tem controle do Estado e das forças repressivas. Obviamente, e digo isso com ironia, medidas deste tipo não poderiam desenvolver-se com partidos da direita nacionalista xenófoba como é o Anel no Ministério da Defesa... A participação ativa e cotidiana dos trabalhadores e setores populares na instrumentalização e controle do destino da economia – que supõe-se, inclui como fator fundamental o manejo e controle dos preços mais ainda em um caso de eventual desvalorização como o mencionado – exigiria a conformação de instâncias de auto-organização das massas. Exigira desenvolver a luta pelo monopólio da força do Estado e a instauração de um governo operário apoiado nesses organismos dando lugar a uma forma de democracia infinitamente superior à democracia burguesa.

Os elementos parciais, por hora algébricos e caso queira dizer, especulativos, expostos aqui adquirirão em seu momento valores concretos e culminarão em realidade. Apenas tentamos colocar manifesto – a princípio – que não apenas o capitalismo e seus métodos são possíveis. Mas inclusive os elementos esboçados aqui colocam apenas aspectos de um plano de emergência e portanto transitório. A economia grega é pequena, se baseia fundamentalmente na fabricação de barcos, no turismo e em algumas indústrias como a de pesqueira, a de azeite e de algodão. Naturalmente não poderia subsistir por muito tempo, isolada e com uma moeda poderosamente debilitada. Se um programa como o que propomos se puser em ação, não apenas seria o produto de um grande ascenso de massas na Grécia, mas também dependeria da existência madura em seu seio de um partido revolucionário. Certamente despertaria as forças do proletariado europeu – como sempre aconteceu na história – no contexto de uma crise que é mundial e em grande parte, europeia.

É incomensurável o ânimo e “empoderamento” que geraria em todos os trabalhadores e pobres de países como Portugal, Espanha, Itália, Irlanda, submetidos aos ditames da Troika. Os milhões de trabalhadores que controlam efetivamente a produção e os serviços de toda a Europa, desenvolveriam sua criatividade e todo tipo de ações para sustentar transitoriamente a situação grega. Ainda que a chave seja o trabalho árduo para estimular o surgimento de partidos revolucionários em todos esses países. Não seria uma tarefa exclusivamente “grega”, obviamente, mas que se desenvolveria um movimento objetivo, sobre o que inevitavelmente os revolucionários deverão atuar. O plano de emergência grego deveria se propor a princípio a “resistir”, promovendo situações similares nos países mais fortes da Europa, que com grande desenvolvimento de forças produtivas poderiam buscar ajuda-los. Para dizer a verdade, a questão dos preços e uma eventual desvalorização – não buscada – em lugar do efeito perseguido pela Plataforma de Esquerda que aspira uma utópica Grega capitalista forte, seria em tal caso, nada mais que um momento episódico da revolução grega.




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