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ARTE | Futurismo e Marxismo

terça-feira 17 de maio de 2016 | Edição do dia

Uma carta assinada por Antônio Gramsci foi endereçada a Leon Trotski, em 8 de setembro de 1922. O comunista italiano traçou, a pedido de Trotski, um panorama sobre a situação do futurismo na Itália. Na carta, Gramsci afirma: (...) “ A seção de Turim do Proletkult, antes de minha partida da Itália, pediu a Marinetti que explicasse aos operários, na abertura de uma exposição de quadros futuristas, o sentido do movimento. Ele aceitou de boa vontade o convite. Visitou a exposição com os operários e declarou-se satisfeito com o fato de demonstrarem mais sensibilidade que os burgueses no que concerne à arte futurista “(...). Como é que é?! Filippo Tommaso Marinetti, poeta e principal teórico do futurismo, que foi brother, amigão de Mussolini, dialogando com artistas de esquerda? Paradoxalmente, apesar de Marinetti e sua turma fazerem as honras para o fascismo, exaltando a guerra como algo Belo( e assim oferecendo suporte estético para a barbárie), nota-se uma turbulenta relação entre o futurismo e a esquerda.

No atual momento, quando o futurismo torna-se passado, devemos pensar a maneira como o marxismo pode pensar suas problemáticas heranças estéticas. Diferentemente de uma escola artística como o futurismo, que na ânsia de sepultar a cultura estabelecida recai em superficialismo, as reflexões estéticas marxistas estão enraizadas no processo histórico. Sendo assim, o marxismo situa o futurismo no caldo rebelde que levantou a voz contra os valores burgueses. As profundas transformações culturais empreendidas pelos movimentos de vanguarda, escandalizaram, durante o início do século passado, a classe dominante. Enquanto o imperialismo saqueava países e regiões pobres, a cultura representante da expansão capitalista era questionada por novas experiências estéticas. Ainda que nem todos os vanguardistas fossem pessoas de esquerda, a arte moderna lançava um soco poético na boca do estômago das tradições. Neste cenário iconoclasta, os futuristas eram bons de briga. Hoje em dia, todo aquele barulho futurista é visto com desconfiança: ingenuidade e anacronismo eram características de uma poética que almejava destruir a cultura passada e exaltar os feitos da tecnologia moderna. Soma-se a estas questões as polêmicas vinculações políticas do futurismo, que iam do comunismo ao fascismo.

Atualmente, nenhum artista pode cair na tara pelo maquinismo, tal como os futuristas fizeram: é um caminho duvidoso, que pode levar à alienação, além da estetização da política, tal como fizera o fascismo em sua histeria belicosa e nacionalista . A tecnologia em si não é nem dominação e nem emancipação: a questão é o seu uso dentro de um determinado modo de produção. No contexto capitalista, a tecnologia tende a ser uma forma de controle e de empobrecimento da experiência humana. O deslumbramento tecnológico reforça os mandamentos da aparência na cultura, por assim dizer, burguesa(aliás, a burguesia é louquinha por novidades). Pessoas caminham pra lá e pra cá de cabeça baixa, com seus celulares em mãos: um movimento bovino encerra os indivíduos em seu próprio curral psíquico. Entretanto, é inegável que a tecnologia pode exercer pelas contradições atuais, um sentido político progressista: o mesmo celular torna-se uma arma para filmar, escrever, informa-se, organizar encontros e expressar opiniões. Neste sentido, se precisamos ter reservas quanto à poética futurista, podemos tirar algumas lições da sua revolta estética: uma nova linguagem, que escape do controle ideológico exercido pelos discursos dominantes e que se faça nos novos suportes tecnológicos, ainda é um território não totalmente investigado. Outro aspecto importante na herança futurista, é o fato da criação artística não se fechar na própria arte mas se relacionar com a vida política.

Na Rússia, a arte futurista ligou-se à revolução socialista pela necessidade de superar uma sociedade caduca, atrasada em todos os sentidos. Quando a novidade artística é tomada isoladamente, ela não ameaça a cultura dominante. Entretanto, quando os novos movimentos artísticos entrelaçam-se com uma atmosfera política revolucionária, a coisa muda de figura. Como já estamos cansados de saber, o futurismo apesar de exprimir a revolta contra as camisas de força da tradição artística, também serviu aos mais baixos interesses ideológicos: na Itália, berço do futurismo, o movimento aderiu ao fascismo. Este fato veio coroar o caráter superficial que a revolta artística pode ter se os artistas não optarem por aquilo que realmente pode despertar uma nova cultura: o socialismo revolucionário.
Numa Itália puxada a cavalo, em que moscas pousadas sobre esculturas clássicas revelavam a necessidade da urbanização, da industrialização, a paixão pelo maquinismo era um gesto de contestação e uma exigência por mudanças. Se boa parte da italianada futurista ligou-se ao fascismo, em suas origens o movimento foi uma bomba transgressora de consequências artísticas internacionais. Maiakóvski e seu bando, esbravejavam nos cafés contra a classe dominante: de blusa amarela e com desenhos ameaçadores nos rostos, os membros da corrente cubofuturista diziam que o burguês podia mastigar perdiz e comer ananás, mas que seu dia estava prestes a chegar. Este caráter de agitação revolucionária chamou a atenção dos bolcheviques. Trotski, enquanto crítico literário, não poderia deixar de analisar o significado cultural do futurismo.

Quando uma parte significativa dos futuristas russos alinhou-se ao bolchevismo, Trotski soube exercer uma análise na qual tanto as contradições quanto os aspectos revolucionários do futurismo foram levados em conta. No capítulo da obra Literatura e Revolução(1923) dedicado ao futurismo, Trotski expõe os limites históricos da revolta futurista: (...) “Aqueles estudiosos que, procurando definir a natureza social do futurismo nos seus primórdios, dão importância decisiva aos protestos violentos contra a vida e a arte burguesas, não conhecem o bastante a história das tendências literárias. Os românticos franceses ou alemães falavam sempre com aspereza da moralidade burguesa e da rotina. Ostentavam cabelos compridos, tez esverdeada, e Théophile de Gautier, para acabar de cobrir de vergonha a burguesia, portava sensacional colete vermelho. A blusa amarela dos futuristas é sem dúvida alguma a sobrinha-neta do colete romântico que tanto horror suscitou entre papais e mamães. Sabe-se que nenhum cataclismo seguiu esses protestos de cabelos longos e colete vermelho do Romantismo, e a opinião pública burguesa adotou sem prejuízos tais cavalheiros e canonizou-os em seus livros escolares “(...). É importante que se diga que Trotski não fez pouco caso da poesia futurista. Ele apenas provou que historicamente o futurismo não possui suas origens no movimento operário, mas sim na boemia: perante a capacidade burguesa de neutralização dos movimentos artísticos contestadores, os rebeldes de ontem tornam-se os reacionários de hoje. No entanto, esta observação não tenta rebaixar a contribuição original que o futurismo trouxe para o debate estético dentro do socialismo. Trotski afirma que o futurismo não é a “arte oficial do socialismo “, mas um elo importante na educação estética do proletariado.

Hoje nos deparamos com o fato do futurismo, um destruidor de tradições, ser uma tradição. Um poeta de esquerda pode aprender muito com o futurismo: a recusa de modelos estéticos estabelecidos, o desejo de inovar e principalmente de criar uma arte que seja pura eletricidade. Uma arte capaz de ligar a cultura em alta voltagem e acabar com acessos de pasmaceira. Sim, o método marxista é o oposto do futurismo: como afirma Trotski no seu referido livro, os marxistas estudam história, aprendem com as experiências passadas. Estas lições de história não estão apenas no campo político, elas também estão na literatura, na pintura, no teatro, no cinema, etc. Devemos estabelecer uma tradição revolucionária das artes, para assim alimentar o debate estético da esquerda. A revolta futurista tem lá seus problemas teóricos e seus riscos políticos. Mas se soubermos estudar e reler seus desdobramentos progressistas(Maiakóvski...) poderemos contribuir com uma arte futura, que seja expressão do desejo revolucionário. Visto que hoje no Brasil existe uma garotada que organiza suas potencialidades expressivas contra a miséria, o racismo, a discriminação e a política educacional estabelecida, o marxismo possibilita a síntese histórica daquilo que pode ser útil aos movimentos culturais de juventude dos nossos dias.


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