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As reivindicações de equiparação salarial e de condições de trabalho das grandes jogadoras de futebol nos EUA conduzem a importantes reflexões sobre a profundidade da desigualdade de gênero.

terça-feira 5 de abril de 2016 | Edição do dia

A goleira Hope Solo e a meia Carli Lloyd, vencedora do prêmio de melhor jogadora do Mundo da Fifa em 2015 apontam que o futebol feminino nos EUA tem piores salários, apesar de desempenho mais relevante dentro de campo. “Os números falam por si só. Somos as melhores do mundo, já vencemos três Copas do Mundo, quatro Olimpíadas, e a seleção masculina recebe mais dinheiro, apenas para entrar em campo, do que nós ganhamos por conquistar grandes campeonatos” — apontou Solo, medalhista de ouro em Pequim-2008 e Londres-2012. Além de Solo e Carli Lloyd, o documento com as reivindicações destinado à Comissão para a Igualdade de Oportunidades Laborais também foi assinado pela atacante Alex Morgan, a zagueira Becky Sauerbrunn e a meia Megan Rapinoe.

As reivindicações das jogadoras americanas por igualdade de condições de salário no futebol estão ocorrendo porque nos EUA cada jogadora ganha US$ 1.350 (R$ 4.900) por vitória em amistoso contra seleções top 10 do ranking Fifa; os homens recebem US$ 17.625 (R$ 64 mil). As mulheres não ganham nada se empatar ou perder para um adversário considerado mediano (abaixo do top 25 do ranking Fifa). Já os homens recebem US$ 6250 pelo empate e US$ 5.000 pela derrota. A luta das mulheres é também por condições equivalentes de praticar o esporte, como treinar e jogar em gramado natural, por conta dos riscos de contusões em gramados sintéticos.

No Brasil, onde os homens ganham aproximadamente 30% a mais que as mulheres de mesma idade e nível de instrução, o futebol feminino conta com um histórico de proibições. Durante o Estado Novo [período do governo Vargas entre 1937 e 1945] foi criado decreto 3.199 que proibia às mulheres a prática de esportes considerados incompatíveis com as condições femininas e o futebol estava entre eles, ao lado do halterofilismo, beisebol e de lutas de qualquer natureza. Quando o decreto foi regulamentado pelo regime militar (1964-1985), em 1965, o futebol feminino foi proibido no Brasil. Só 16 anos depois foi revogado, sendo possível graças à resistência de das mulheres. Existem diferentes versões para o início da prática do futebol feminino no país. Informações sugerem que as primeiras partidas de futebol feminino na praia foram jogadas no Leblon, no mês de dezembro de 1975, sempre tarde da noite em função das jogadoras serem empregadas domésticas e outra versão é de que o futebol feminino teve seu início marcado por jogos organizados por diferentes boates gays no final da década de 70.

Atualmente, no Brasil, há divisões em níveis: futebol de várzea, profissional e amador, não se tem estrutura, patrocínio, apoio e jogos regulares e além disso grandes atletas como Marta, nomeada como a melhor jogadora do mundo por cinco anos consecutivos, entre 2006 e 2010, apresenta dificuldades na carreira se comparada com outros atletas. Enquanto Neymar fez um colossal sucesso ao redor do mundo - o Barcelona pagou 57 milhões de euros para levá-lo para o clube - Marta luta nos últimos oito anos para se estabelecer. No atual cenário do futebol feminino, a realidade da maioria das jogadoras de futebol no Brasil é a de buscar outra fonte de renda, com tempo de descanso ou treino reduzido, param de jogar quando o sustento se torna inviável ou vão para o exterior.

Refletindo-se o cenário da educação pública no Brasil, na prática esportiva em algumas escolas estaduais de ensino fundamental e médio nos campeonatos interclasses organizados, as torcidas e apostas ainda são maiores para os times/equipes dos meninos em detrimento aos das meninas. É importante que o professor esteja atento às questões de gênero que ocorrem na escola como uma forma de ajudar os jovens a construir relações de gênero com igualdade, respeito pelas diferenças, no contexto da escola, onde também as aulas de educação física são muitas vezes negligenciadas frente às outras disciplinas.

As mulheres de todas as classes seguem tendo os salários qualitativamente mais baixos que os homens pelo mesmo trabalho realizado, quanto mais precário o posto de trabalho, mais isso se faz sentir. E o capitalismo se utiliza dos grupos socialmente subordinados por gênero, etnia ou raça para rebaixar os salários do conjunto da classe operária. Isso não se faz diferente no “mundo” do futebol, que não existe separado da sociedade, ele é fruto da sociedade e é, especificamente, o que homens e mulheres fazem dele. Por isso o futebol, para além da paixão e do lazer, expressa as contradições sociais e pode ser expressão de luta, como essa importante luta por igualdade de gênero.




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