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ELEIÇÕES 2018 | Forças Armadas: "isenção nas questões eleitorais", ou tutela golpista sobre a política?

Isabel Inês São Paulo

sexta-feira 19 de outubro de 2018 | Edição do dia

A politização do Exército nessas eleições é expressão da continuidade do golpismo institucional e da crise das instituições do regime. Começando em 2017, mas especialmente a partir de 2018, o Alto Comando das Forças Armadas não se privou de interferir na política - e por conseguinte nas eleições.

Em tweet no dia anterior do julgamento do habeas corpus de Lula no Supremo Tribunal Federal, a 4 de abril, o comandante Eduardo Villas Boas pressionou o STF a não acatar o HC e liberar Sérgio Moro e o TRF4 para prender o líder petista arbitrariamente. Em setembro, o mesmo Villas Boas ameaçou o Tribunal Eleitoral para que o resultado do julgamento de Lula não fosse outro que o veto a sua candidatura. Para além das centenas de candidatos saídos dos braços armados do Estado nessas eleições, a caserna manteve suas digitais na manipulação do processo, junto ao autoritarismo judicial.

Cinicamente, entretanto, para a cegueira intencional do jornal Estado de São Paulo, “deve-se reconhecer que as Forças Armadas têm se mantido exemplarmente isentas nas questões eleitorais, numa demonstração de arraigada maturidade institucional”.

O jornal busca passar uma imagem de normalidade nessas eleições, para fortalecer a candidatura de Jair Bolsonaro, que abertamente reivindica a ditadura e que tem no seu plano de governo uma série de militares reacionários, contrários aos direitos das mulheres, negros e LGBTs, e que odeiam tudo que é liberdade, esquerda e direitos trabalhistas.

Com a maior consolidação da candidatura da extrema direita, o jornal que durante todo o processo eleitoral apoiou implicitamente Bolsonaro, busca agora aparentar normalidade para que as pessoas possam votar de consciência limpa no candidato do PSL, e dar um sinal de “acalmem os ânimos” aos setores mais ativos da extrema direita, para que não passem da correlação de forças que ainda não se fechou totalmente à direita.

Falar sobre uma suposta imparcialidade das Forças Armadas após diversas declarações de generais, como de Villas Boas, e com o favoritismo do candidato do PSL que terá vários militares em seu governo, é o cinismo da maior espécie. Bolsonaro tem ao seu lado o general Mourão, Oswaldo Ferreira, Aléssio Ribeiro Souto e Augusto Heleno, todos são da reserva, mas sabemos também que todos chegaram a generais de quatro estrelas - o mais alto grau da carreira – todos são influentes nas Forças Armadas, conviveram a vida inteira com o atual Alto Comando do Exército, onde formaram sua visão reacionária, escravista e ditatorial de mundo e de governo.

Segundo Villas Boas, “Nós somos instituição de Estado que serve ao povo. Não se trata de prestar continência para A ou B. Mas, sim, de cumprir as prerrogativas estabelecidas a quem é eleito presidente”. O comandante diz isso, nu momento em que Bolsonaro já esta mais consolidado. E mostra a incongruência com o que o militar declarou em setembro, às vésperas do julgamento de Lula no TSE: questionado sobre as tentativas do PT de registrar a candidatura do ex-presidente, baseadas em uma recomendação do Comitê de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas). “É uma tentativa de invasão da soberania nacional. Depende de nós permitir que ela [a candidatura] se confirme ou não. Isso é algo que nos preocupa, porque pode comprometer nossa estabilidade, as condições de governabilidade e de legitimidade do próximo governo". Uma interferência descarada nas eleições.

Uma clara ameaça, naquele momento, a um eventual governo do PT, e que ainda que não declarem abertamente apoio a Bolsonaro - inclusive em um momento onde ainda se esperava ver o desempenho eleitoral do tucano, Geraldo Alckmin - o certo é que os generais expressam sim posições políticas e indícios de orientações militares ligada a estas posições. Em outra matéria do colunista do Estado, William Waack, logo após Bolsonaro receber a facada, declarou que oficiais de alta patente admitiram a possibilidade de um presidente Jair Bolsonaro (“para nós não é mais capitão, é um político civil”), com o “ponto positivo nele [Bolsonaro] é que talvez ajude a frear essa onda de esquerdização do País”.

A grande questão é que por mais que o Estado tente mascarar a crise nas instituições, ela existe, e Bolsonaro é expressão dessa crise. A grande “contradição da história” colocada nessas eleições é que, desde 2016 com o golpe institucional, o judiciário, a mídia, o Exército e o empresariado buscaram construir uma relação de força mais favorável aos duros ataques, muito mais fortes que o PT já vinha fazendo. Contudo Temer não conseguiu implementar a principal reforma, a da previdência, e aprofundou a crise política, econômica e social, em um país já convulsionado desde as jornadas de junho de 2013.

Frente a crise dos partidos tradicionais e o desgaste com o congresso as pessoas estão buscando alternativas radicais. Bolsonaro é a expressão da extrema direita radical; o PT não é uma esquerda radical, pelo contrário, oferece a continuidade do regime anterior, com alianças velhas com capitalistas e golpistas. Contudo, não só não consegue atrair o eleitorado radical por uma saída a esquerda – já que o PT não é revolucionário e foi parte, via CUT e CTB, de trair as greves dos trabalhadores em 2017 – como não atrai o empresariado e as instituições, pois muitos dos votos depositados no PT são expressão distorcida de uma correlação de força contrária aos ataques que vieram desde o golpe, e contrária a toda a agenda reacionária e entreguista da direita.

Assim Bolsonaro é uma alternativa repressiva e entreguista, que como continuidade da ditadura, assume sua subordinação ao capital imperialista. É também expressão dessa crise, que segundo o marxista italiano Antonio Gramsci se converte em crise orgânica (crise política, econômica e social, fruto de um fracasso de um grande empreendimento burguês - o lulismo, nesse caso - e que separa enormes camadas da população de suas representações tradicionais).

Bolsonaro é a extrema direita que aparece como contrária a política tradicional e a antiga estabilidade, já o PT oferece a volta ao “centro” a uma antiga estabilidade fruto de um período econômico que não existe mais. Nesse “não lugar” histórico, onde a Nova República ainda não morreu totalmente, e onde ainda o “novo” não nasceu, se fortalecem os extremos e também os elementos “sem voto” do regime, como a mídia, o judiciário, e claro, o exercito.

Todo esse processo eleitoral foi manipulado pelo judiciário, primeiro com o golpe institucional, com a Lava Jato, e com as diversas arbitrariedades autoritárias como a prisão do Lula, e o cerco a ele impedindo-o até de votar, dar depoimentos ou entrevistas. As Forças Armadas, incluindo policiais, não só tiveram um recorde de candidaturas nessas eleições, como deram diversos depoimentos, nos quais, ainda que se coloquem contrários a uma nova ditadura, para lavarem a própria cara. Declaram claramente suas intenções golpistas, entreguistas e contrarias as manifestações da juventude e dos trabalhadores.

Não há ambiente nem condições para qualquer tipo de golpe, muito menos para um golpe militar. As instituições são fortes, a iniciativa privada é forte, a mídia é forte e as Forças Armadas cumprem suas atribuições dentro da Constituição”, afirmou o comandante da Marinha. O problema é que o autoritarismo judicial, com a tutela das Forças Armadas, tem um novo lugar no regime nascente, que passa por violar mais abertamente os dispositivos de "sua própria" constituição. Ao contrário da afirmação do comando da Marinha, a única certeza é que a antiga estabilidade institucional foi rompida, e que o próximo governo será débil e terá que enfrentar mais processos de luta.

E a própria colunista do Estado, Eliane Catanhêde, admite que “quanto mais o Ibope confirma a virtual vitória do capitão reformado Jair Bolsonaro e do seu vice, general da reserva Hamilton Mourão, mais cresce a dúvida: até que ponto um governo com forte apoio de militares e com participação de altas patentes poderá contaminar as Forças Armadas, com a volta da politização, dos grupos e das consequentes disputas internas de poder?”. Já vemos um grande desgaste ou crise de interesses entre Bolsonaro e Mourão, e a politização que já existe, mesmo que a mídia tente fechar os olhos.

A principal tarefa da burguesia nacional e estrangeira no Brasil é implementar duramente as reformas econômicas antioperárias, como a reforma da previdência. Pode ir havendo movimento “preparatórios” da burguesia, para impedir a organização da luta do movimento operário e popular. O golpe institucional, o autoritarismo judiciário e a politização das forças armadas já são parte desse movimento, mas também pode haver uma militarização do regime com uma "roupagem democrática". Ou seja, legitimado por uma eleição.

Esses e outros fatores mostram como Bolsonaro pode constituir um governo legitimado pelo voto, estando entretanto tutelado pelos militares. Ou seja, um governo que na aparência é civil e “democraticamente” eleito – não tão democrático, já que é fruto de uma eleição manipulada – mas que na realidade se apóia nas Forças Armadas e nos interesses imperialistas.




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