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OBAMA EM CUBA | Fidel Castro: ’Não precisamos que o império nos dê presentes’

O ex-presidente cubano Fidel Castro rompeu hoje seu silêncio quanto a visita de Barack Obama à ilha com uma de suas reflexões no diário oficial Granma intitulada "El hermano Obama" ("O irmão Obama"). Na mesma Castro afirma que Cuba não precisa de presentes do "império" e critica partes do discurso que Obama fez no Gran Teatro de Havana na terça-feira passada.

Juan Andrés GallardoBuenos Aires | @juanagallardo1

terça-feira 29 de março de 2016 | Edição do dia

No artigo Castro retoma as palavras de Obama quando disse que "Cuba, assim como os Estados Unidos, foi constituída por escravos trazidos da Africa, que assim como os Estados Unidos, o povo cubano tem heranças em escravos e escravistas", para criticar ao presidente estadunidense que "os povos nativos não existem na cabeça do Obama. Também não diz que o racismo foi varrido pela Revolução; que a aposentadoria e o salário de todos os cubanos foram decretados pela Revolução antes mesmo que o senhor Barack Obama cumprisse 10 anos de idade. O odioso costume burguês e racista de contratar capangas para que os cidadãos negros fossem expulsos de centros de recreação foi varrida pela Revolução Cubana".

Castro aproveita também para mostrar os esquecimentos de Obama sobre a invasão estadunidense a Bahia de Cochinos em 1961 "a somente um ano e três meses depois do triunfo da Revolução, uma força mercenária com canhões e infantaria blindada, equipada com aviões, foi treinada e acompanhada por buques de guerra e porta-aviões dos Estados Unidos", e também lembra a participação cubana na guerra da Angola para questionar "a ajuda que a Africa do Sul racista tinha recebido de Reagan e Israel". Sobre todos estes assuntos Castro se pergunta se Obama conhece "sobre esta historia" e afirma que "é muito duvidoso que não saiba absolutamente nada".

Mais adiante Castro afirma que Obama utilizou palavras "adocicadas" quando disse: " é hora de esquecermos o passado, deixemos o passado, olhemos para o futuro (...) minha estadia aqui me dá mais esperanças do que podemos fazer juntos como amigos, como família, como vizinhos".

Sobre estas afirmações Castro ironiza "se supõe que cada um de nós corríamos o risco de um infarto", e lembra a Obama que os Estados Unidos é responsável pelo "bloqueio desapiedado que durou mais de 60 anos" e se pergunta como esquecer aos "que morreram nos ataques mercenários ais barcos e portos cubanos, um avião de linha repleto de passageiros que explodiu em pleno voo, invasões mercenárias, múltiplos atos de violência e de força".

Chegando ao final da carta Fidel sintetiza "ninguém se iluda de que o povo deste nobre e abnegado país renunciará a glória e aos direitos e a riqueza espiritual que ganhou com o desenvolvimento da educação, da ciência e da cultura".

Fidel Castro, com 89 anos, se afastou dos cargos políticos em 2006, momento em que assumiu a presidência seu irmão Raúl. Contudo manteve suas colunas de "reflexões" nas mídias oficiais, desde onde eventualmente aparece como a "voz moral" da Revolução, sobre todos frente aos aspectos do giro político dos últimos anos que resultam mais indigestos entre os setores da base do Partido Comunista. Um rol similar cumpriu nos dias prévios a visita de Obama ao receber o presidente da Venezuela, Nicolas Maduro, país que foi o principal sócio político e comercial da ilha durante os primeiros anos do século XXI. A visita de Maduro tratou de ser um contrapeso a de Obama, mesmo que com pouso êxito. De fato, no dia em que chegou o presidente dos Estados Unidos, a capa do diário Granma buscou "fazer pouco caso" de maneira um tanto infantil colocando fotos da visita de Maduro e só um quadro anunciando a chegada de Obama.

Mas a visita de Obama era difícil de contrapesar com gestos. Se tratava de uma visita histórica com um objetivo claro de avançar na restauração capitalista na ilha e devolvê-la à órbita do imperialismo estadunidense, varrendo no caminho com as conquistas que ainda existem da Revolução. A reunião com os "empreendedores" (os setores mais prósperos entre os 500.000 autônomos da ilha), esteve abertamente destinada a ganhar uma base de apoio pro capitalista, assim como a reunião com a "dissidência" de direita, que é profundamente restauradora. Junto a estas ações esteve o discurso no teatro de Havana, onde Obama chamou várias vezes a que seja o "povo cubano" quem decida o futuro da ilha, em um chamado (indireto) a uma maior abertura política por parte do governo do PC.

Raul Castro está na cabeça do processo de "transformações". As políticas impulsadas pelo governo cubano nos últimos anos vão em um sentido de abertura capitalista na ilha. As diferenças com o governo dos Estados Unidos tem a ver com os tempos e com se assegurar que seja o Partido Comunista o veículo e garantidor da restauração.

Mas a visita de Obama foi politicamente ofensiva e não trouxe nem sequer uma proposta séria sobre o levantamento do bloqueio criminal que os Estados Unidos mantem sobre a ilha há mais de meio século. Seu discurso no teatro de Havana circulou intensamente nas redes alternativas de distribuição como o conhecido pacote de conteúdo audiovisual, que esta semana inclui uma cópia do discurso de Obama em texto e em vídeo.

O reaparecimento de Fidel Castro com sua coluna de reflexões vem tentar dar resposta ao "furacão" político que provocou na ilha a visita de Obama e a falta de uma "crítica" oficial. As colunas de Fidel, que jogam um rol de contenção e "balance" frente a política oficial de maior abertura não são novas e se tornaram compatíveis, permitindo ser uma via de descompressão para os setores descontentes com os ritmos e condições de aproximação aos Estados Unidos. No entanto, os símbolos parecem ter cada vez menos efetividade para fazer papel de contenção frente a política de estado que já há algum tempo pôs o norte no caminho de um processo de restauração Capitalista na ilha.

Para uma leitura mais profunda: O que deixou a viagem de Obama a Cuba (http://www.esquerdadiario.com.br/O-que-deixou-a-viagem-de-Obama-a-Cuba)

Tradução: Cristina Silva




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