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ESTUPRO E ABORTO LEGAL | Exigências burocráticas são barreiras para o aborto legal em casos de estupro

No último domingo (05), foi publicada uma matéria no jornal O Globo relatando dados de uma pesquisa chamada “Serviços de Aborto Legal no Brasil – um estudo nacional". Financiada pela Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), mostra que mesmo em caso de estupro (um dos casos em que o aborto é considerado legal no país) a rede especial de assistência às vítimas que realiza o procedimento é bastante precária e recheada de burocracias, que discriminam as mulheres vítimas de estupro e, na prática, criam barreiras para exercer esse direito legal. A pesquisa relata que 94% dos casos legais de interrupções da gravidez nas redes públicas de atendimentos especiais são decorrentes de situação de estupro.

sexta-feira 10 de julho de 2015 | 00:05

O que chama mais a atenção é a dificuldade que as mulheres vítimas de estupro encontram para realizar o aborto. A pesquisa diz que há 37 serviços voltados para o aborto legal, sendo que em sete estados não existe este serviço (AM, RR, TO, RN, AL, MT e PR).

O obstetra Olímpio Moraes, vice-presidente da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), no Nordeste, diz que existe grande desconfiança sobre a veracidade da declaração da mulher devido ao peso da ideologia patriarcal. Isso acarreta em humilhações por parte de médicos e plantonistas que se recusam a realizar os procedimentos de rotina.

Existe uma contradição entre os dados do governo federal, em que consta 62 serviços de aborto legal em funcionamento, e a pesquisa, que encontrou apenas 37. O Ministério da Saúde contesta estes dados dizendo que, apesar de serem registrados oficialmente 62 locais especializados, 230 estabelecimentos do SUS realizaram entre 2010 e 2013 este procedimento, esse é um dado duvidoso pois até os da rede de atendimento especializado encontram barreiras.

O obstetra Olímpio atribui a dificuldade de expandir a rede a uma questão de alianças políticas do governo. “É estranho ver uma Secretaria da Mulher que não pode tocar nesse assunto. Não há programas ou treinamento para profissionais. O aborto legal está fora da pauta do governo, que se diz de esquerda, mas faz coligações com a parte mais atrasada da nossa República, ligada às bancadas religiosas” - diz o obstetra.

Exigências fora da lei para impedir o direito legal

Além da discriminação de médicos e enfermeiros que se recusam a realizar o aborto em casos de vítimas de estupros, as exigências burocráticas para comprovar a violência são ilegais. Segundo a pesquisa, 14% dos locais exigiram boletim de ocorrência, 11% solicitaram parecer do Comitê de Ética, 8% pediram laudo do Instituto Médico Legal (IML), 8% exigiram alvará judicial e 8% quiseram despacho do Ministério Público.

Recentemente em Teresina (PI), uma garota de 12 anos e sua mãe lutam para que a justiça conceda o direito ao aborto à garota que foi vítima de um estupro realizado pelo ex-marido da tia.

Essas exigências, além de serem ilegais, discriminatórias e humilhantes, muito provavelmente contribuem para as desistências das mulheres em interromperem a gravidez fruto do estupro. A pesquisa relata que 52% das 5.075 mulheres que buscaram os centros de atendimentos no país não realizaram o aborto, ou realizaram clandestinamente das maneiras mais inseguras, como ocorre todos os dias com centenas de mulheres - que morrem ou carregam sequelas para suas vidas.

A cada dez minutos uma mulher é estuprada

Todos os dias casos de estupros são noticiados na televisão, sendo parte de uma cadeia gigante de violência contra as mulheres. Não são poucos os casos de estupros seguidos de feminicídios como pudemos ver recentemente com a brutalidade no Piauí, na cidade de Castelo, que chocou o Brasil. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública mais recente, em 2013 foram registrados 50.320 estupros, o que significa que a cada dez minutos uma mulher é estuprada no Brasil (Fórum Brasileiro de Segurança Pública).

O governo Dilma e a aliança com os que querem legalizar o direito ao estupro

Há os que consideram que “o aborto é um crime maior que o estupro”. Com esta frase ficou conhecido o arcebispo de Olinda em 2009, ao excomungar a família e os médicos de uma garota de 9 anos que foi estuprada e solicitou o procedimento do aborto.

Por trás desta posição também estão figuras como Eduardo Cunha, Jair Bolsonaro e Silas Malafaia, que tentam passar no Congresso projetos como o “Estatuto do Nascituro”, também conhecido entre o movimento de mulheres como “bolsa estupro”, que garante direitos de paternidade ao estuprador e garante uma bolsa do Estado para a mulher levar adiante a gravidez, caso não seja reconhecida a paternidade.

A pesquisa em questão mostrou também que 43% das mulheres que realizaram abortos legais no Brasil são católicas e 24% são evangélicas, isso mostra que até mesmo mulheres religiosas decidem por este procedimento, diferentemente do que querem impor os reacionários do Congresso ao levarem adiante seus projetos.

Esses projetos e a ofensiva das bancadas conservadoras e reacionárias contra os direitos democráticos das mulheres, como o direito ao aborto, só tem ganhado espaço pela aliança construída aos 12 anos de governo petista, que é responsável pelo pouco e precário recurso existente ao atendimento de mulheres vítimas de estupro que optam pelo aborto.

Garantia da aplicação plena da lei

É fundamental que qualquer mulher vítima de estupro possa realizar o aborto como garante a lei, sem qualquer burocracia como boletim do ocorrência ou autorizações judiciais, e tenham acesso a todos os atendimentos psicológicos e médicos necessários para realizar o procedimento. Toda a rede do SUS deve estar preparada para garantir esse direito legal.

Os médicos, por razão religiosa ou moral, que não estejam a favor de realizar o procedimento, deveriam assinar uma objeção de consciência, e cada local deve garantir equipes de médicos e especialistas para realizar o aborto a qualquer momento. O controle para que este procedimento seja garantido, deveria se dar por comissões regionais de mulheres compostas por usuárias, trabalhadoras da saúde e membros do movimento de mulheres.

Campanha pelo direito ao aborto legal, seguro e gratuito

Para que o direito ao aborto deixe de ser legal apenas em alguns casos é preciso construir um forte movimento pelo direito ao aborto legal, seguro e gratuito no país.

O projeto de lei apresentado pelo deputado federal Jean Wyllys, PSOL-RJ, deveria ser debatido em encontros regionais de mulheres que reunissem integrantes do Movimento Mulheres em Luta, do PSOL e coletivos feministas para votar um plano de luta.

E assim como foi votado no último Congresso da CSP-Conlutas, é fundamental iniciar a campanha de esclarecimento e defesa desse direito. impulsionada nas bases das categorias de trabalhadores dos sindicatos filiados a esta central, e também nas bases das entidades estudantis, para debater o PL e tomar as ruas exigindo a sua aprovação e um basta de mulheres mortas por abortos clandestinos.




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