No final do mês passado foi comunicado aos estudantes de Licenciatura em Ciências da Natureza (LCN) da EACH/USP LESTE o corte de 50% das vagas do curso. Abaixo reproduzimos carta dos estudantes contra a decisão.
sexta-feira 4 de novembro de 2016 | Edição do dia
Carta dos (as) estudantes do curso de Licenciatura em Ciências da Natureza - LCN São Paulo, 03 de novembro de 2016.
Assumimos o seguinte posicionamento diante do corte de 50% das vagas/período matutino do curso de Licenciatura em Ciências da Natureza:
Somos contrários a postura tomada por parte daqueles que eram cientes da proposta e não incitaram a discussão, sejam eles docentes, discentes ou funcionários da instituição, visto que a disseminação para a comunidade se deu por interpelação por parte de discentes. Neste contexto, não houve diálogo democrático, sucinto e objetivo entre estudantes e docentes do curso de LCN, além de excluir a comunidade externa do debate sobre o corte de 50% das vagas do curso referentes ao período matutino para a elaboração do curso de Biotecnologia;
Não julgamos válido uma proposta que visa transferir metade das vagas de um curso de licenciatura para um curso que tem como premissa formar profissionais com visões restritivas, cujo enfoque é técnico e de gestão, em detrimento de um curso que objetiva o entendimento crítico do desenvolvimento científico e de grande impacto local, regional e nacional. Além disso, diante da conjuntura na qual a universidade se insere, este será um processo irreversível e que pode desencadear um movimento de precarização do curso de Licenciatura em Ciências da Natureza.
O corte de vagas, ainda, não interfere ou busca resolver de modo algum o real problema existente em LCN, visto que este faz parte de um fenômeno complexo que envolve políticas públicas e sociedade vinculado às licenciaturas em âmbito nacional. Deste modo, é necessário um estudo aprofundado que permita melhor entendimento sobre evasão e procura pelo curso e outros indicativos, pontuados como principais problemas internos do curso, e que possibilitem ações realmente efetivas para sua superação.
O processo alega evasão e baixo interesse pelo curso para legitimar o corte de 50% das vagas, mas se o curso possui uma péssima distribuição curricular por semestre (matérias do Ciclo Básico acumuladas no primeiro ano resultando em uma baixa conexão com o objetivo do curso) a evasão continuará a acontecer. Além disso, cortar o oferecimento do curso no período matutino também eliminará do processo seletivo os possíveis interessados neste mesmo período, diminuindo ainda mais o interesse pelo curso.
Vale lembrar também que, enquanto se estuda cortar 60 vagas do curso de LCN em uma instituição pública de ensino, alegando baixa procura, a Faculdade SESI de Educação – instituição privada de São Paulo – oferece para 2017 o mesmo curso
com o valor da mensalidade de R$ 990,00! Desse modo, não é necessário pensar muito para chegar a conclusão de que a atuação dos docentes envolvidos no desenvolvimento do corte e remanejamento das vagas de LCN para o curso de biotecnologia é pouco estudada e debatida.
É também conveniente citar que o curso acabou de iniciar o processo de vestibular pelo ENEM, com início no ano de 2015, ou seja, não podemos ignorar e concluir que essa nova medida não irá estimular o interesse pelo curso, lembrando que, neste ano de 2016, a média para ser aprovado pelo ENEM era de no mínimo 600 pontos em todas as áreas do conhecimento (que é considerada bastante alta para um curso de licenciatura), fazendo com que muitos vestibulandos não pudessem concorrer e se classificar às vagas.
O fato é que não é aceitável, para nós professores e pesquisadores formandos do curso de Licenciatura em Ciências da Natureza, que justificativas tão rasteiras como as que foram apresentadas, destruam um curso que é responsável pela formação de um corpo docente crítico e atuante nas instituições de ensino básico e na própria sociedade brasileira. É de se esperar, que professores de reconhecida instituição de qualidade, como a Universidade de São Paulo, devam apresentar um conjunto de ações para melhorar os dados alarmantes de evasão e de pouca ocupação das 120 vagas do curso de LCN (que não é próprio deste curso, mas de todas as licenciaturas) e não usar dados históricos como parâmetros para justificar cortes de vagas de um curso extremamente importante para a formação cultural e científica do país.
Discordamos de diversas afirmações contidas no Projeto Pedagógico do curso de Bacharelado em Biotecnologia, pois é uma proposta cujo enfoque é na formação de técnicos e gestores, não coadunando com o propósito de atuação dos egressos em LCN, que têm como principal objetivo atender a demandas sociais da região leste de São Paulo e, em específico, na educação básica.
Somos contrários a afirmação de que “tal mudança pretende adequar a oferta de vagas de LCN a sua real procura” presente no documento Proposta e Projeto Pedagógico do curso de Bacharelado em Biotecnologia, disponibilizado para os estudantes, visto que, por surgir como iniciativa única e exclusiva de docentes, ela enquadra-se em uma lógica reducionista de oferta e demanda. Mais ainda, o documento citado propõe que: “O desenvolvimento da Biotecnologia requer a formação de recursos humanos especializados com conhecimento em múltiplas áreas do conhecimento, incluindo não somente conhecimentos específicos das áreas de biologia e química, como propriedade intelectual, assuntos regulatórios e gestão de bionegócios. Atualmente, a demanda de recursos humanos para empresas de Biotecnologia vem sendo atendida por egressos da área da saúde, Ciências Agrárias, Ciências Biológicas, Química ou Engenharias.”
Tal proposta, excetuando a gestão de bionegócios (por não ser enfoque do curso de LCN) já é contemplada pelos alunos e egressos do curso de LCN, porém voltadas para a formação de cidadãos crítico-reflexivos, que irão intervir na sociedade como um todo.
Entendemos que o ensino de ciências é de suma importância para o progresso e o desenvolvimento de qualquer civilização. Não desmerecemos as contribuições trazidas por outras áreas, sobretudo a biotecnologia, uma vez que não deixa de estar relacionada com assuntos pertinentes às ciências da natureza. Para tal, a importância do curso de ciências da natureza torna-se ainda mais notória, uma vez que incentivar um sujeito a pesquisar e compreender os diversos fenômenos que ocorrem no mundo e no universo, em geral, é uma das premissas deste curso, de maneira a tirá-lo da esfera do senso comum e integrá-lo ao mundo acadêmico.
Além disso, não há clareza na distribuição da verba do curso de LCN com esse corte, nem mesmo a origem do dinheiro que será destinado ao curso de Biotecnologia. Também não é assegurado, por nenhum documento, que os professores, em algum momento, não irão se desvincular do curso de LCN para dedicar-se apenas ao curso de biotecnologia.
Aproveitamos também para repudiar os cortes de vagas de funcionários e docentes, a precarização das estruturas físicas e a discrepante e desigual distribuição de recursos financeiros entre campi e cursos da universidade.
Apontamos a mobilização conjunta entre sociedade, funcionários, estudantes e docentes como uma possibilidade de ir contra o movimento de precarização da universidade, superando as propostas fragmentadas para resolução dos problemas que vinculam-se não só com o uso de recursos públicos, mas as prioridades da presente gestão.
E, por fim, trazemos a voz dos discentes que estiveram em oposição ao relatório Melfi:
"Discentes, e com orgulho, de Licenciatura em Ciências da Natureza"