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A PRIMEIRA REVOLUÇÃO DA AMÉRICA LATINA | Escravos Insurretos do Haiti

Em um dia 31 de outubro, mas em 1791, começava a revolta dos escravos e libertos da colônia francesa de São Domingo que levou à revolução e independência do Haiti.

quinta-feira 5 de novembro de 2015 | 02:27

Haiti, um pequeno país no Mar do Caribe, que começou a fazer história em um 31 de outubro de 1791, quando tentou resolver de maneira revolucionária suas contradições de classe e de raça.

Colônia e revolução

Desde 1697 fazia parte das possessões ultramarinas do Reino da França. São Domingo (hoje atuais territórios do Haiti e da República Dominicana), em conjunto com a Jamaica, foram os maiores produtores de cana-de-açúcar e café da época. Com o tempo e a demanda por matérias-primas provenientes de França e Grã-Bretanha tornou-se necessário o aumento da força de trabalho. Devido às más condições de vida e longas jornadas de trabalho que geraram o aumento da mortalidade e diminuição da natalidade entre os nativos, houve apenas um único recurso para aumentar os lucros da coroa francesa: o trabalho escravo vindo da África.

Em termos gerais, socialmente a colônia era dividida entre "os grandes brancos" que possuíam plantações de açúcar e, por sua vez formavam uma espécie de nobreza; os "pequenos brancos", que eram artesãos, lojistas, comerciantes de escravos; nativos mulatos libertos, sendo alguns pequenos agricultores, mas sem direitos políticos; e, finalmente, a população escrava, que na altura da insurreição estimava-se em dez escravos para cada homem branco.

É necessário compreender o significado da força e poder da insurreição, pois em sua véspera haviam três impérios que mantinham muitos interesses nos assuntos de São Domingo, contra os quais escravos e nativos lutaram com valentia: Inglaterra, como potência do mundo capitalista em ascensão , que entrava na Revolução Industrial, o que exigia muitas matérias primas produzidas na América e em particular em São Domingo; a França, como "mãe" de São Domingo e que no mesmo período passava pela Revolução Francesa e vinha nutrindo o mundo todo com os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade na luta contra o feudalismo e a nobreza, que influenciaram profundamente o mundo naqueles tempos; e, finalmente, a coroa espanhola, alertado pela situação da França. Ou seja, os escravos de Santo Domingo lutaram de maneira heroica e organizada contra os gigantes imperialistas. Antes do ataque final e eficaz, que levou a vitória e à independência do Haiti, houveram várias revoltas pelo menos desde 1758, mas o golpe final para o Reino da França chegou em 1791 e, paradoxalmente, a própria França se viu vencida por ela mesma.

A insurreição maldita

Muito tem sido escrito sobre a violência utilizada pelos brancos contra os negros escravos quando eles decidiram rebelar-se e quebrar suas correntes e, assim, incentivar os seus irmãos, vítimas de um sistema cruel, como era o tráfico de escravos, a tornarem-se dirigentes das insurreições por liberdade e igualdade. Aqui vamos nos concentrar em discutir como se tornou possível às vítimas se constituírem em sujeitos de sua própria libertação e, como dissemos acima, a luta desses homens e mulheres escravas misturada com a influência da Revolução Francesa no continente americano.

Em uma noite de agosto de 1791, Bakuman, um escravo vindo da Jamaica se tornou o líder dos escravos em uma assembleia que misturava misticismo vodu e demandas políticas pela liberdade. A rebelião organizada pelos escravos rapidamente se espalhou pelo território dos atuais Haiti e República Dominicana. Bem mais de uma centena de grandes plantações de açúcar e mais de mil fazendas de café foram incendiados. Mais de 40.000 escravos rebeldes formaram um exército que em seguida cresceu com a participação das frações de mestiços, cansados da falta de direitos frente aos brancos. Mesmo com a morte de Baukman, o exército de escravos não se rendeu frente às tropas francesas. Os políticos locais perguntavam-se “como essas espécies "inferiores" se atrevem a desafiar à coroa francesa?”. O historiador marxista C.R.L. James diria que a resposta está na estrutura da grande fazenda baseada na mão de obra escrava que, assim como as fábricas na grande metrópole, concentrava enormes quantidades de trabalhadores disciplinados e divididos segundo as tarefas. Essa dinâmica para o trabalho usada para a rebelião é o que tornou possível a vitória e a disciplina dos bravos homens e mulheres.

Com a morte de Boukman, Toussaint L’Ouverture se torna o líder do exército. Ao contrário de outros escravos, ele não viveu em barracas e, sendo motorista, isso lhe permitiu viver em melhores condições e ter acesso à cultura e alguns ideais do Iluminismo, como o pressuposto de que todos os homens são iguais por natureza.

Após a derrota da conspiração dirigida por Boukman, Toussaint e o exército retiraram-se para o leste da ilha de Santo Domingo, que naquele momento estava sob domínio espanhol. Lá eles se juntaram ao exército do rei da Espanha, em troca da promessa de liberdade para os escravos. Para a Espanha, isso significava a possibilidade de golpear a França tirando-lhe sua colônia mais rica. Mas a situação mudou com a chegada dos jacobinos ao poder (a ala mais radical da burguesia no início da revolução), que radicalizaram a revolução e deram lugar ao surgimento da Comuna de Paris, que uniu pobres, proletários, artesãos e sans culottes (literalmente, os "sem calças", os membros das classes mais baixas e maior parte do exército revolucionário).

Em agosto 1792 chegam comissários da Assembleia Legislativa da França para disciplinar a colônia e conceder direitos políticos. Mas na chegada em São Domingo, as massas na França tomaram o Palácio das Tulherias, símbolo da monarquia. Um ano depois, proclamava-se que "Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos" e foram considerados livres e cidadãos da França todos os escravos que lutaram em favor da formação do estado republicano. Mais tarde Toussaint iria desertar do exército espanhol e juntar-se ao lado francês republicano. C.R.L. James analisa que neste momento nasce o jacobinismo negro, a república radical era agora a bandeira do proletariado negro. Os trabalhadores escravizados de São Domingo conquistaram sua liberdade e passaram a enxergar em Toussaint o líder indiscutível, o governador.

Assim, as disputas entre a burguesia e a nobreza na metrópole abriram o caminho para o levante das massas plebeias na França e, por sua vez, os escravos aceitaram e viram como sincero o apoio vindo dos proletários franceses. Apoio este que foi enfraquecida pelo avanço da reação na metrópole e, mais tarde, com a ascensão de Napoleão Bonaparte. O governo de Napoleão na França procurou reforçar a nova ordem social, reconquistar o domínio colonial e restaurar a escravidão.

Os enviados de Napoleão usaram como estratégia para enfraquecer a revolução na colônia a implantação do ódio racial dos mulatos contra os negros para dividi-los, já que estes se encontravam nas principais posições do exército e do governo.

A última tentativa de Bonaparte foi com um exército de 60.000 homens que enfrentou o exército de ex-escravos que marcharam com bandeiras inscritas "Liberdade ou Morte", resultando na grandiosa derrota de um dos exércitos mais poderosos do mundo, e tão logo proclamaram a Declaração da Independência em 01 de janeiro de 1804 e a criação do Haiti.

A Ata de Independência declarava: "Antes morrer que viver sendo dominando" e seu redator declarou, no final: "Para avançar em redigir a declaração de independência, tivemos a pele do homem branco como papel, sua cabeça para escrever, seu sangue como tinta e suas armas como canetas”.

A colônia de São Domingo se transformou assim no Haiti, dando passos a primeira revolução social, que lutou para construir um Estado nacional próprio e, na América Latina, foi a primeira a conseguir a independência.




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